O veto parcial da presidente Dilma Rousseff à polêmica reforma no
Código Florestal do Brasil contraria os interesses “mais arcaicos do
latifúndio”, mas determina a vitória do setor produtivo acima do
desenvolvimento sustentável, afirmam ecologistas. A polêmica reforma foi
aprovada pelo Legislativo em 25 de abril e modificada por Dilma um mês
depois, mediante uma medida provisória e vetos a 12 artigos da lei. O
veto pretende “impedir a anistia a quem desmata e a redução da proteção
ambiental”, declararam porta-vozes da Presidência.
O Código de 1965 resguarda as selvas brasileiras existentes em
propriedades rurais, especialmente as localizadas em ecossistemas
protegidos como a Amazônia, e para isso penaliza de diversas formas os
proprietários que cortarem árvores e desmatarem, e os obriga a restaurar
o que destruíram. Mas sua aplicação foi limitada, pois o Estado tinha
poucos instrumentos para punir as abundantes infrações. Este foi o
argumento central para empreender uma reforma.
Os vetos e as modificações de Dilma se baseiam em premissas de
“preservação das florestas e dos biomas brasileiros, produção agrícola
sustentável e atenção para a questão social, sem prejudicar o meio
ambiente”, disse a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, ao
destacar os benefícios para os pequenos agricultores.
Os produtores rurais “terão que contribuir” para restaurar as áreas
de preservação permanente, acrescentou o ministro da Agricultura, Mendes
Ribeiro, confirmando a versão oficial de que “não haverá anistia” para
quem desmatou irregularmente essas áreas sensíveis. Trata-se de
nascentes e mananciais, costas de rios, zonas úmidas, inundáveis ou de
grande declive, mangues, áreas sujeitas a deslizamentos ou picos de
morros.
Entretanto, a primeira e positiva impressão deixada pelo anúncio
governamental, feito no dia 25, deu lugar “à pior das notícias”, quando o
Diário Oficial divulgou, no dia 28, as modificações completas, afirmam
as 163 organizações não governamentais reunidas no Comitê Brasil em
Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável. O veto “manteve
um Código ruim e o piorou ainda mais”, disse à IPS o biólogo João Paulo
Capobianco, presidente do Instituto de Desenvolvimento Sustentável
(IDS), uma das entidades que integram o Comitê. O agravante é a
“estratégia do governo” para “enganar a imprensa”, ao publicar os
documentos posteriormente, acrescentou.
Embora o veto parcial “contrarie os interesses dos setores mais
arcaicos do latifúndio, foi insuficiente para o cumprimento da promessa”
do governo de que não perdoaria quem desmatou, pois “mantém a anistia e
a redução das áreas de proteção”, criticou o Comitê em um comunicado.
Além disso, a medida provisória deve ser discutida e votada no
Congresso, o que acontecerá logo depois da Conferência das Nações Unidas
sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), que será realizada no Rio
de Janeiro, entre 20 e 22 de junho.
Segundo o Comitê, o veto não tocou na definição de “área rural
consolidada” para caracterizar as ocupações de áreas florestais
efetuadas até julho de 2008, e que serve de base para todas as anistias
previstas na nova lei. “A anistia continua como eixo central do texto,
já que a data de 2008 como linha de corte para a manutenção de áreas
desmatadas ilegalmente continua inalterada e, consequentemente, promove”
que se deixe de reflorestar “as áreas de proteção permanente e as
reservas locais”, apontaram as entidades. O Comitê denuncia ainda que
esta anistia também se estende a 80% dos casos em que se devia restaurar
florestas ribeirinhas, de picos e ladeiras de morros e áreas de
preservação permanente em nascentes e olhos de água, lagos e lagoas
naturais.
“Estamos surpresos por a Presidente ter conseguido piorar o que já
era muito ruim”, declarou à IPS o ativista Márcio Santilli, coordenador
de política e direito do Instituto Socioambiental, que também faz parte
do Comitê. Santilli destacou que praticamente se extinguem as áreas de
proteção, pois se autoriza a reflorestar com espécies exóticas. A medida
provisória inicialmente dava a possibilidade de replantar inclusive com
cultivos comerciais polêmicos, como eucalipto e pinheiro.
No entanto, o governo voltou atrás e limitou as opções de
reflorestamento exótico a árvores frutíferas, para dar aos pequenos
produtores a opção de com ela obterem renda extra. Para que isto fosse
um verdadeiro avanço, se deveria voltar à versão original que propunha
apoio governamental aos agricultores familiares que reflorestassem com
espécies nativas, criticou Capobianco.
Outra medida polêmica é a que Santilli chama de “eletroveto” e que
beneficiaria as construtoras de grandes hidrelétricas em áreas de selva.
Sua opinião é que o veto se dirige ao único artigo “bom” do projeto,
que “estabelecia uma fonte concreta de recursos para a recuperação
florestal”, pois obrigava as empresas concessionárias do setor
energético a investirem 1% de seu lucro líquido na proteção das selvas
situadas nas bacias de suas centrais hidrelétricas. O governo vetou esse
ponto em nome de um “interesse social”, porque poderia levar as
empresas a aumentaram o preço da eletricidade.
“O governo nunca teve tanto apoio fora do Congresso para fazer valer
seu poder de veto de forma honrosa, e não o fez”, enfatizou Capobianco. A
campanha “Veta Dilma” que promovia o veto total à reforma florestal,
obteve apoios de setores empresariais, artísticos, científicos e
políticos e reuniu mais de dois milhões de assinaturas. Porém, grande
parte do setor agropecuário brasileiro e dos legisladores que o
representam também está descontente com o veto, pois coloca “a produção
agropecuária como função secundária do imóvel rural. A função principal é
preservar a floresta e não produzir alimentos”, argumentou o presidente
da Sociedade Rural Brasileira, Cesário Ramalho.
Na opinião do analista político Maurício Santoro, da Fundação Getulio
Vargas, o veto e a aprovação de uma lei para reprimir o trabalho
escravo “são passos importantes para reequilibrar o jogo político frente
a um setor agrário cuja visão de país mostra, no mínimo, uma grande
dificuldade para aceitar as demandas de uma democracia dinâmica que o
restante do Brasil luta para consolidar”.
Outros, como a senadora e presidente da Confederação da Agricultura e
Pecuária, Kátia Abreu, consideram que a postura do governo foi
equilibrada. “A cor da camisa não foi totalmente verde nem totalmente
amarela. Foi meio termo”, apontou. Agora se antecipa uma guerra jurídica
de interpretações sobre a medida provisória, que deve ser aprovada pelo
Congresso. E as organizações ambientalistas estudam propor um recurso
de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal.
Por: Fabiana Frayssinet
Fonte: IPS
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