quinta-feira, 31 de maio de 2012

Nascentes ameaçadas de extinção


Um dos aspectos frustrantes da medida provisória editada pela presidente Dilma Rousseff, de forma casada com vetos pontuais ao Código Florestal aprovado pelo Congresso, é a redução das exigências legais para a recuperação de nascentes.
O comentário é de Márcio Santilli em artigo no sítio do Institudo Socioambiental – ISA, 30-05-2012.

Eis o artigo.

Os legisladores do Planalto introduziram deliberadamente no texto da medida a expressão “perenes”, com o intuito de excluir dessas exigências as nascentes intermitentes que, frequentemente, ocorrem em regiões com menor disponibilidade anual de água.

Diante da reação de espanto com a introdução, por moto próprio do Planalto, de mais um retrocesso na legislação florestal, circulam rumores em Brasília de que a ANA (Agência Nacional de Águas) será convocada a publicar uma nota técnica sustentando que “intermitente” também é “perene”, de modo a evitar uma reedição da medida provisória pela presidente.

Além disso, a medida provisória também consolida a redução da extensão das áreas a serem reflorestadas ao redor das nascentes. Enquanto a lei revogada na segunda-feira indicava um raio de 50 metros ao redor de qualquer nascente, a nova lei mantém esta metragem apenas para as nascentes já protegidas, não desmatadas. Para fins de recuperação, a exigência máxima passa a ser de 15 metros, chegando a apenas 5 metros para as propriedades de menor extensão.

Observa-se aqui a mesma lógica perversa aplicada a vários outros dispositivos do texto legal: quem cumpriu a lei revogada será punido com a manutenção do mesmo nível de exigência e com um conceito de nascente amplo; os que descumpriram a lei – desmatando, aterrando e reduzindo a disponibilidade de água – serão premiados com uma anistia que começa com a introdução do adjetivo “perene” ao conceito e por uma anistia florestal, para fins de recuperação, que variará de 70% a 90%, supondo-se a manutenção de mais essa excrescência na legislação.

Ninguém, em sã consciência, acredita que os órgãos ambientais locais se darão ao trabalho de aferir tecnicamente quais são as nascentes intermitentes e as perenes na sua área de jurisdição. Ou que sairão demarcando círculos de vários tamanhos, de acordo com as extensões das propriedades privadas constantes das matrículas de cada cartório. A própria lei, ao introduzir diferenciações que multiplicam por mil as dificuldades de monitoramento e controle ambiental, induz ao nivelamento por baixo.

É este o sentido da palavra “consolidação”, tão presente na retórica ruralista durante todo o processo de revisão do Código Florestal. Ele significa, na verdade: “fica legalizado o que foi destruído”. Já a responsabilidade de preservar alguma coisa do ativo florestal existente em áreas privadas fica para os “otários” que cumpriram a lei e, agora, verão suas propriedades desvalorizadas em relação às de quaisquer vizinhos predadores.

www.ihu.unisinos.br

Movimento nacional defende criação de territórios exclusivos para pesca artesanal






Brasília – O Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil (MPP) promete reunir, a partir da próxima segunda-feira (4), em Brasília, ao menos 2 mil trabalhadores de todo o país, dando início a uma campanha nacional pelo reconhecimento e regularização dos territórios tradicionalmente explorados por comunidades pesqueiras.

Além de mobilizar os profissionais autônomos e demonstrar à sociedade a viabilidade econômica da pesca artesanal, a campanha tem o objetivo de recolher, até 2015, 1,3 milhão de assinaturas, para apresentar ao Congresso Nacional proposta de lei de iniciativa popular. O objetivo é propor a garantia do direito das comunidades pesqueiras sobre espaços tradicionalmente ocupados pela pesca artesanal, além de regulamentar a questão.

Segundo a presidenta da União dos Pescadores da Caponga, praia da cidade de Cascavel (CE)), Maria Martilene Rodrigues, uma das coordenadoras do movimento nacional, que já se encontra em Brasília, os territórios tradicionais de pesca seriam reconhecidos e homologados pela União da mesma forma como já ocorre com as reservas indígenas e quilombos.

“Queremos preservar os lugares onde as comunidades de pescadores, há décadas ou há centenas de anos, preservam não só costumes e tradições, mas também o meio ambiente”, disse Martilene à Agência Brasil, explicando que a proposta do movimento prevê a concessão de títulos de propriedade ou de usufruto às organizações locais criadas e administradas pelos moradores da comunidade eventualmente beneficiada.
“Sabemos que é uma proposta que vai enfrentar muita resistência, já que é uma forma de resistirmos à pressão de megaprojetos econômicos que ameaçam a pesca artesanal”, prevê Martilene. Ela destacou que o impacto ambiental das atividades desenvolvidas por comunidades pesqueiras tradicionais tende a ser menor que o causado pela pesca industrial.

Embora cerca de 70% de todo o pescado consumido no país sejam provenientes da pesca artesanal, na visão do movimento de pescadores, o Estado brasileiro sempre desconsiderou a importância econômica, social e cultural do segmento, favorecendo a pesca industrial e flexibilizando a legislação ambiental, de forma a promover a expansão do hidronegócio, a exemplo do financiamento público destinado a grandes projetos de criação de peixes e camarão.

Segundo dados do Ministério da Pesca, se for considerado também o que o país exporta, a pesca artesanal responde por cerca de 45% da produção nacional de pescados. Dos cerca de 970 mil profissionais licenciados até setembro de 2011, 957 mil são autônomos, ou seja, não têm vínculos empregatícios com empresas ou donos de embarcações, podendo ser classificados como artesanais. Já a pesca industrial, caracterizada pelo uso de embarcações de médio e grande porte e pela relação empregatícia entre armadores e trabalhadores, envolve 40 mil profissionais somente no setor de captura.

O próprio ministério reconhece, em seu site, que a atividade industrial apresenta “sérias dificuldades”, atribuídas à defasagem tecnológica verificada ao longo de toda a cadeia produtiva e ao baixo estoque de pescado de qualidade, resultado do “desenvolvimento desenfreado da pesca industrial nacional na década de 1970”.

Além disso, um recente estudo desenvolvido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aponta que o país ainda está muito distante de aproveitar todo seu potencial produtivo, mesmo dispondo de condições favoráveis à produção de pescado – como clima propício, domínio exclusivo sobre os recursos disponíveis em área marítima de 3,5 milhões de quilômetros quadrados e mais de 10 milhões de hectares de lâmina d´água em reservatórios de usinas hidrelétricas, açudes e propriedades particulares.

Entre as conclusões do estudo, intitulado Panorama da Aqüicultura no Brasil: Desafios e Oportunidades, os pesquisadores do BNDES concluem que, entre as restrições que dificultam o desenvolvimento da atividade, estão a dificuldade na obtenção de licenças, carência de assistência técnica, manejo inadequado, falta de padronização e insuficiências tecnológicas.

Edição: Lana Cristina
Alex Rodrigues
Repórter Agência Brasil  

http://agenciabrasil.ebc.com.br

Veja a íntegra do novo Código Florestal

Publicado no DOU (Diário Oficial da União), em 28 de maio,  o novo Código Florestal, lei 12.651/2012.

 Veja a íntegra do novo Código Florestal


Conheça aqui a íntegra do novo Código Florestal.

Veja também as razões do veto feito pela presidenta Dilma Rousseff.
 “MENSAGEM nº 212, de 25 de maio de 2012.
 Senhor Presidente do Senado Federal,

Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do § 1o do art. 66 da Constituição, decidi vetar parcialmente, por contrariedade ao interesse público e inconstitucionalidade, o Projeto de Lei no 1.876, de 1999 (no 30/11 no Senado Federal), que “Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa; altera as Leis nos 6.938, de 31 de agosto de 1981, 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e 11.428, de 22 de dezembro de 2006; revoga as Leis nos 4.771, de 15 de setembro de 1965, e 7.754, de 14 de abril de 1989, e a Medida Provisória no 2.166-67, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências”.

Ouvidos, os Ministérios do Meio Ambiente, da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, do Desenvolvimento Agrário, do Planejamento, Orçamento e Gestão, de Minas e Energia, da Ciência, Tecnologia e Inovação, das Cidades e a Advocacia-Geral da União manifestaram-se pelo veto aos seguintes dispositivos:

Art. 1o

“Art. 1o  Esta Lei estabelece normas gerais sobre a proteção da vegetação, dispõe sobre as áreas de Preservação Permanente e as áreas de Reserva Legal, define regras gerais sobre a exploração florestal, o suprimento de matéria-prima florestal, o controle da origem dos produtos florestais e o controle e a prevenção dos incêndios florestais e prevê instrumentos econômicos e financeiros para o alcance de seus objetivos.”

Razão do veto

“O texto não indica com precisão os parâmetros que norteiam a interpretação e a aplicação da lei. Está sendo encaminhada ao Congresso Nacional medida provisória que corrige esta falha e enumera os princípios gerais da lei.”

 Inciso XI do art. 3o

 “XI – pousio: prática de interrupção temporária de atividades agrícolas, pecuárias ou silviculturais, para possibilitar a recuperação da capacidade de uso do solo;”

 Razões do veto

 “O conceito de pousio aprovado não estabelece limites temporais ou territoriais para sua prática, o que não é compatível com o avanço das técnicas disponíveis para a manutenção e a recuperação da fertilidade dos solos. Ademais, a ausência desses limites torna possível que um imóvel ou uma área rural permaneça em regime de pousio indefinidamente, o que impediria a efetiva fiscalização quanto ao cumprimento da legislação ambiental e da função social da propriedade.”

 § 3o do art. 4o

 “§ 3o  Não é considerada Área de Preservação Permanente a várzea fora dos limites previstos no inciso I do caput, exceto quando ato do poder público dispuser em contrário, nos termos do inciso III do art. 6o, bem como salgados e apicuns em sua extensão.”

 Razões do veto

 “O dispositivo deixa os apicuns e salgados sem qualquer proteção contra intervenções indevidas. Exclui, ainda, a proteção jurídica dos sistemas úmidos preservados por normas internacionais subscritas pelo Brasil, como a Convenção sobre Zonas Úmidas de Importância Internacional, especialmente como Habitat de Aves Aquáticas, conhecida como Convenção de Ramsar, de 2 de fevereiro de 1971, ratificada pelo Decreto no 1.905, de 16 de maio de 1996.

 Esses sistemas desempenham serviços ecossistêmicos insubstituíveis de proteção de criadouros de peixes marinhos ou estuarinos, bem como de crustáceos e outras espécies. Adicionalmente, tamponam a poluição das águas litorâneas ocasionada por sedimentos e compostos químicos carregados pelos rios. Por sua relevância ambiental, merecem tratamento jurídico específico, que concilie eventuais intervenções com parâmetros que assegurem sua preservação.”

 §§ 7o e 8o do art. 4o

 “§ 7o  Em áreas urbanas, as faixas marginais de qualquer curso d’água natural que delimitem as áreas da faixa de passagem de inundação terão sua largura determinada pelos respectivos Planos Diretores e Leis de Uso do Solo, ouvidos os Conselhos Estaduais e Municipais de Meio Ambiente.
 § 8o  No caso de áreas urbanas e regiões metropolitanas, observar-se-á o disposto nos respectivos Planos Diretores e Leis Municipais de Uso do Solo.”

 Razões dos vetos

 “Conforme aprovados pelo Congresso Nacional, tais dispositivos permitem que a definição da largura da faixa de passagem de inundação, em áreas urbanas e regiões metropolitanas, bem como as áreas de preservação permanente, sejam estabelecidas pelos planos diretores e leis municipais de uso do solo, ouvidos os conselhos estaduais e municipais de meio ambiente. Trata-se de grave retrocesso à luz da legislação em vigor, ao dispensar, em regra, a necessidade da observância dos critérios mínimos de proteção, que são essenciais para a prevenção de desastres naturais e proteção da infraestutura.”

 § 3o do art. 5o

 “§ 3o  O Plano Ambiental de Conservação e Uso do Entorno de Reservatório Artificial poderá indicar áreas para implantação de parques aquícolas e polos turísticos e de lazer no entorno do reservatório, de acordo com o que for definido nos termos do licenciamento ambiental, respeitadas as exigências previstas nesta Lei.”

 Razões do veto

 “O texto traz para a lei disposições acerca do conteúdo do Plano Ambiental de Conservação e Uso do Entorno de Reservatório Artificial, atualmente disciplinado integralmente em nível infralegal, engessando sua aplicação. O veto não impede que o assunto seja regulado adequadamente pelos órgãos competentes.”

 §§ 1o e 2o do art. 26

 “§ 1o  Compete ao órgão federal de meio ambiente a aprovação de que trata o caput deste artigo:
 I – nas florestas públicas de domínio da União;
 II – nas unidades de conservação criadas pela União, exceto Áreas de Proteção Ambiental;
 III – nos empreendimentos potencialmente causadores de impacto ambiental nacional ou regional.
 § 2o Compete ao órgão ambiental municipal a aprovação de que trata o caput deste artigo:
 I – nas florestas públicas de domínio do Município;
 II – nas unidades de conservação criadas pelo Município, exceto Áreas de Proteção Ambiental;
 III – nos casos que lhe forem delegados por convênio ou outro instrumento admissível, ouvidos, quando couber, os órgãos competentes da União, dos Estados e do Distrito Federal.”

 Razão dos vetos

 “As proposições tratam de forma parcial e incompleta matéria recentemente disciplinada pela Lei Complementar no 140, de 8 de dezembro de 2011.”

 Art. 43

 “Art. 43.  As empresas concessionárias de serviços de abastecimento de água e de geração de energia hidrelétrica, públicas e privadas, deverão investir na recuperação e na manutenção de vegetação nativa em Áreas de Preservação Permanente existentes na bacia hidrográfica em que ocorrer a exploração.

 § 1o  Aplica-se o disposto no caput, no caso de concessionárias de geração de energia hidrelétrica, apenas às novas concessões outorgadas a partir da data da publicação desta Lei, ou àquelas prorrogadas, devendo constar no edital de licitação, quando houver, a exigência dessa obrigação.

 § 2o  A empresa deverá disponibilizar em seu sítio na internet, ou mediante publicação em jornal de grande circulação, prestação de contas anual dos gastos efetivados com a recuperação e a manutenção de Áreas de Preservação Permanente, sendo facultado ao Ministério Público, em qualquer hipótese, fiscalizar a adequada destinação desses recursos.

 § 3o  A empresa concessionária de serviço de abastecimento de água disporá de 180 (cento e oitenta) dias, contados da data da publicação desta Lei, para realizar as adaptações necessárias ao cumprimento do disposto neste artigo.”


 Razão do veto

 “O dispositivo impõe aos concessionários de serviços de abastecimento de água e de geração de energia elétrica o dever de recuperar, manter e preservar as áreas de preservação permanente de toda a bacia hidrográfica em que se localiza o empreendimento e não apenas da área no qual este está instalado. Trata-se de obrigação desproporcional e desarrazoada, particularmente em virtude das dimensões das bacias hidrográficas brasileiras, que muitas vezes perpassam várias unidades da federação. A manutenção do dispositivo contraria o interesse público, uma vez que ocasionaria um enorme custo adicional às atividades de abastecimento de água e geração de energia elétrica no País, impactando diretamente os valores das tarifas cobradas por esses serviços.”

 Art. 61

 “Art. 61.  Nas Áreas de Preservação Permanente é autorizada, exclusivamente, a continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas rurais consolidadas até 22 de julho de 2008.
 § 1o  A existência das situações previstas no caput deverá ser informada no CAR para fins de monitoramento, sendo exigida, nesses casos, a adoção de técnicas de conservação do solo e da água que visem à mitigação dos eventuais impactos.

 § 2o  Antes mesmo da disponibilização do CAR de que trata o § 1o, no caso das intervenções já existentes, é o proprietário ou possuidor responsável pela conservação do solo e da água, por meio de adoção de boas práticas agronômicas.

 § 3o  A realização das atividades previstas no caput observará critérios técnicos de conservação do solo e da água indicados no PRA previsto nesta Lei, sendo vedada a conversão de novas áreas para uso alternativo do solo nestes locais.

 § 4o  Para os imóveis rurais que possuam áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente ao longo de cursos d’água naturais, com largura de até 10 (dez) metros, será admitida a manutenção de atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo ou de turismo rural, independentemente do tamanho da propriedade, sendo obrigatória a recomposição das faixas marginais em 15 (quinze) metros, contados da borda da calha do leito regular.

 § 5o  Aos proprietários e possuidores dos imóveis rurais da agricultura familiar e dos que, em 22 de julho de 2008, detinham até 4 (quatro) módulos fiscais e desenvolviam atividades agrossilvipastoris nas áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente, para o fim de recomposição das faixas marginais a que se refere o § 4o deste artigo, é garantido que a exigência de recomposição, somadas as áreas das demais Áreas de Preservação Permanente do imóvel, não ultrapassará o limite da Reserva Legal estabelecida para o respectivo imóvel.

 § 6o  Nos casos de áreas rurais consolidadas em Áreas de Preservação Permanente no entorno de nascentes, será admitida a manutenção de atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo ou de turismo rural, sendo obrigatória a recomposição do raio mínimo de 30 (trinta) metros.

 § 7o  Será admitida a manutenção de residências e da infraestrutura associada às atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural, inclusive o acesso a essas atividades, independentemente das determinações contidas no § 4o, desde que não estejam em área de risco de agravamento de processos erosivos e de inundações e sejam observados critérios técnicos de conservação do solo e da água.

 § 8o  A recomposição de que trata este artigo poderá ser feita, isolada ou conjuntamente, pelos seguintes métodos:

 I – condução de regeneração natural de espécies nativas;
 II – plantio de espécies nativas;
 III – plantio de espécies nativas conjugado com a condução da regeneração natural de espécies nativas.

 § 9o  Em todos os casos previstos neste artigo, o poder público, verificada a existência de risco de agravamento de processos erosivos e de inundações, determinará a adoção de medidas mitigadoras que garantam a estabilidade das margens e a qualidade da água, após deliberação do Conselho Estadual de Meio Ambiente ou de órgão colegiado estadual equivalente.

 § 10.  A partir da data da publicação desta Lei e até o término do prazo de adesão ao PRA de que trata o § 2o do art. 59, é autorizada a continuidade das atividades desenvolvidas nas áreas de que trata o caput, as quais deverão ser informadas no CAR, para fins de monitoramento, sendo exigida a adoção de medidas de conservação do solo e da água.”

 Razões do veto

 “Ao tratar da recomposição de áreas de preservação permanente em áreas rurais consolidadas, a redação aprovada é imprecisa e vaga, contrariando o interesse público e causando grande insegurança jurídica quanto à sua aplicação.

 O dispositivo parece conceder uma ampla anistia aos que descumpriram a legislação que regula as áreas de preservação permanente até 22 de julho de 2008, de forma desproporcional e inadequada. Com isso, elimina a possibilidade de recomposição de uma porção relevante da vegetação do País.

 Ademais, ao incluir apenas regras para recomposição de cobertura vegetal ao largo de cursos d´água de até dez metros de largura, silenciando sobre os rios de outras dimensões e outras áreas de preservação permanente, o texto deixa para os produtores rurais brasileiros uma grande incerteza quanto ao que pode ser exigido deles no futuro em termos de recomposição.

 Por fim, a proposta não articula parâmetros ambientais com critérios sociais e produtivos, exigindo que os níveis de recomposição para todos os imóveis rurais, independentemente de suas dimensões, sejam praticamente idênticos. Tal perspectiva ignora a desigual realidade fundiária brasileira, onde, segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, 90% dos estabelecimentos rurais possuem até quatro módulos fiscais e ocupam apenas 24% da área rural do País.”

 Art. 76

 “Art. 76.  Com a finalidade de estabelecer as especificidades da conservação, da proteção, da regeneração e da utilização dos biomas brasileiros, o Poder Executivo federal, no prazo de 3 (três) anos, contado da data da publicação desta Lei, enviará ao Congresso Nacional projetos de lei sobre os biomas da Amazônia, do Cerrado, da Caatinga, do Pantanal e do Pampa.
 Parágrafo único.  Os limites dos biomas são os estabelecidos pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.”
 Razões do veto

 “O dispositivo fere o princípio da separação dos Poderes conforme estabelecido no art. 2o, e no caput do art. 61 da Constituição Federal ao firmar prazo para que o Chefe do Poder Executivo encaminhe ao Congresso Nacional proposição legislativa.”
 Art. 77
 “Art. 77.  Na instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, será exigida do empreendedor, público ou privado, a proposta de Diretrizes de Ocupação do Imóvel, nos termos desta Lei, para apreciação do poder público no âmbito do licenciamento ambiental.”
 Razão do veto
“O dispositivo se refere a ‘Diretrizes de Ocupação do Imóvel, nos termos desta Lei’, sem que haja, ao longo do texto aprovado, a definição desse instrumento e de seu conteúdo, trazendo insegurança jurídica para os empreendedores públicos e privados.”
Essas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar os dispositivos acima mencionados do projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional.”

Veja a íntegra da MP que altera o novo Código Florestal


Veja a íntegra da MP que altera o novo Código Florestal
Após sancionar com vetos o novo Código Florestal, atual lei 12.651/2012, a presidente Dilma Rousseff publica no DOU (Diário Oficial da União), nesta segunda-feira,  a Medida Provisória 571, de 25/05/2012, que visa disciplinar parte da legislação florestal objeto de veto do projeto original aprovado na Câmara dos Deputados.

Um dos destaques é a nova redação ao artigo 61 do código que foi votado e agora recebe novo tratamento legal.  A MP 571/2012 agora dá início à sua tramitação no Congresso Nacional.

Veja aqui a íntegra da Medida Provisória 571/2012.

MEDIDA PROVISÓRIA nº 571, DE 25 DE MAIO DE 2012

Altera a Lei no 12.651, de 25 de maio de 2012, que dispõe sobre a proteção da vegetação nativa; altera as Leis nºs  6.938, de 31 de agosto de 1981, 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e 11.428, de 22 de dezembro de 2006; revoga as Leis nos 4.771, de 15 de setembro de 1965, e 7.754, de 14 de abril de 1989, e a Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001.

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 62 da Constituição, adota a seguinte Medida Provisória, com força de lei:

Art. 1º A Lei no 12.651, de 25 de maio de 2012, passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 1º-A. Esta Lei estabelece normas gerais com o fundamento central da proteção e uso sustentável das florestas e demais formas de vegetação nativa em harmonia com a promoção do desenvolvimento econômico, atendidos os seguintes princípios:

I – reconhecimento das florestas existentes no território nacional e demais formas de vegetação nativa como bens de interesse comum a todos os habitantes do País;

II – afirmação do compromisso soberano do Brasil com a preservação das suas florestas e demais formas de vegetação nativa, da biodiversidade, do solo e dos recursos hídricos, e com a integridade do sistema climático, para o bem-estar das gerações presentes e futuras;

III – reconhecimento da função estratégica da produção rural na recuperação e manutenção das florestas e demais formas de vegetação nativa, e do papel destas na sustentabilidade da produção agropecuária;
IV – consagração do compromisso do País com o modelo de desenvolvimento ecologicamente sustentável, que concilie o uso produtivo da terra e a contribuição de serviços coletivos das florestas e demais formas de vegetação nativa privadas;

V – ação governamental de proteção e uso sustentável de florestas, coordenada com a Política Nacional do Meio Ambiente, a Política Nacional de Recursos Hídricos, a Política Agrícola, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, a Política de Gestão de Florestas Públicas, a Política Nacional sobre Mudança do Clima e a Política Nacional da Biodiversidade;

VI – responsabilidade comum de União, Estados, Distrito Federal e Municípios, em colaboração com a sociedade civil, na criação de políticas para a preservação e restauração da vegetação nativa e de suas funções ecológicas e sociais nas áreas urbanas e rurais;

VII – fomento à inovação para o uso sustentável, a recuperação e a preservação das florestas e demais formas de vegetação nativa; e

VIII – criação e mobilização de incentivos jurídicos e econômicos para fomentar a preservação e a recuperação da vegetação nativa, e para promover o desenvolvimento de atividades produtivas sustentáveis.” (NR)

“Art. 3º …………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………
 XII – vereda: fitofisionomia de savana, encontrada em solos hidromórficos, usualmente com palmáceas, sem formar dossel, em meio a agrupamentos de espécies arbustivo-herbáceas;
……………………………………………………………………………………………..
XXIV – pousio: prática de interrupção de atividades ou usos agrícolas, pecuários ou silviculturais, por no máximo 5 (cinco) anos, em até 25% (vinte e cinco por cento) da área produtiva da propriedade ou posse, para possibilitar a recuperação da capacidade de uso ou da estrutura física do solo;

XXV – área abandonada, subutilizada ou utilizada de forma inadequada: área não efetivamente utilizada, nos termos dos §§ 3º e 4º  do art. 6 o da Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, ou que não atenda aos índices previstos no referido artigo, ressalvadas as áreas em pousio;

XXVI – áreas úmidas: pantanais e superfícies terrestres cobertas de forma periódica por águas, cobertas originalmente por florestas ou outras formas de vegetação adaptadas à inundação; e

XXVII – área urbana consolidada: aquela de que trata o inciso II do caput do art. 47 da Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009.
…………………………………………………………………………………..” (NR)

“Art. 4º ………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………..
IV – as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros;
…………………………………………………………………………………………….
XI – em veredas, a faixa marginal, em projeção horizontal, com largura mínima de 50 (cinquenta) metros, a partir do limite do espaço brejoso e encharcado.
…………………………………………………………………………………………….
§ 4º Fica dispensado o estabelecimento das faixas de Área de Preservação Permanente no entorno das acumulações naturais ou artificiais de água com superfície inferior a 1 (um) hectare, vedada nova supressão de áreas de vegetação nativa.
…………………………………………………………………………………………….
§ 6º ……………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………..
V – não implique novas supressões de vegetação nativa.
…………………………………………………………………………………………….

§ 9º Em áreas urbanas, assim entendidas as áreas compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, as faixas marginais de qualquer curso d’água natural que delimitem as áreas da faixa de passagem de inundação terão sua largura determinada pelos respectivos Planos Diretores e Leis de Uso do Solo, ouvidos os Conselhos Estaduais e Municipais de Meio Ambiente, sem prejuízo dos limites estabelecidos pelo inciso I do caput.

§ 10. No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, observar-se-á o disposto nos respectivos Planos Diretores e Leis Municipais de Uso do Solo, sem prejuízo do disposto nos incisos do caput.” (NR)

“Art. 5º Na implantação de reservatório d’água artificial destinado a geração de energia ou abastecimento público, é obrigatória a aquisição, desapropriação ou instituição de servidão administrativa pelo empreendedor das Áreas de Preservação Permanente criadas em seu entorno, conforme estabelecido no licenciamento ambiental, observando-se a faixa mínima de 30 (trinta) metros e máxima de 100 (cem) metros em área rural, e a faixa mínima de 15 (quinze) metros e máxima de 30 (trinta) metros em área urbana.

§ 1º Na implantação de reservatórios d’água artificiais de que trata o caput, o empreendedor, no âmbito do licenciamento ambiental, elaborará Plano Ambiental de Conservação e Uso do Entorno do Reservatório, em conformidade com termo de referência expedido pelo órgão competente do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, não podendo exceder a dez por cento do total da Área de Preservação Permanente.

……………………………………………………………………………………”(NR)
“Art. 6º ………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………..
 IX – proteger áreas úmidas, especialmente as de importância internacional. (NR)

“Art. 10. Nos pantanais e planícies pantaneiras é permitida a exploração ecologicamente sustentável, devendo-se considerar as recomendações técnicas dos órgãos oficiais de pesquisa, ficando novas supressões de vegetação nativa para uso alternativo do solo condicionadas à autorização do órgão estadual do meio ambiente, com base nas recomendações mencionadas neste artigo.” (NR)

“CAPÍTULO III-A

DO USO ECOLOGICAMENTE SUSTENTÁVEL DOS APICUNS E SALGADOS

Art. 11-A. A Zona Costeira é patrimônio nacional, nos termos do § 4º do art. 225 da Constituição, devendo sua ocupação e exploração se dar de modo ecologicamente sustentável.

§ 1º Os apicuns e salgados podem ser utilizados em atividades de carcinicultura e salinas, desde que observados os seguintes requisitos:

I – área total ocupada em cada Estado não superior a 10% (dez por cento) dessa modalidade de fitofisionomia no bioma amazônico e a 35% (trinta e cinco por cento) no restante do País, excluídas as ocupações consolidadas que atendam ao disposto no § 6º;

II – salvaguarda da absoluta integridade dos manguezais arbustivos e dos processos ecológicos essenciais a eles associados, bem como da sua produtividade biológica e condição de berçário de recursos pesqueiros;

III – licenciamento da atividade e das instalações pelo órgão ambiental estadual, cientificado o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama e, no caso de uso de terrenos de marinha ou outros bens da União, realizada regularização prévia da titulação perante a União;

IV – recolhimento, tratamento e disposição adequados dos efluentes e resíduos;

V – garantia da manutenção da qualidade da água e do solo, respeitadas as Áreas de Preservação Permanente; e

V – respeito às atividades tradicionais de sobrevivência das comunidades locais.

 § 2º A licença ambiental, na hipótese deste artigo, será de 5 (cinco) anos, renovável apenas se o empreendedor cumprir as exigências da legislação ambiental e do próprio licenciamento, mediante comprovação anual inclusive por mídia fotográfica.

§ 3º São sujeitos à apresentação de Estudo Prévio de Impacto Ambiental – EPIA e Relatório de Impacto Ambiental – RIMA os novos empreendimentos:

I – com área superior a 50 (cinquenta) hectares, vedada a fragmentação do projeto para ocultar ou camuflar seu porte;

II – com área de até 50 (cinquenta) hectares, se potencialmente causadores de significativa degradação do meio ambiente; ou

III – localizados em região com adensamento de empreendimentos de carcinicultura ou salinas cujo impacto afete áreas comuns.

§ 4º O órgão licenciador competente, mediante decisão motivada, poderá, sem prejuízo das sanções administrativas, civis e penais cabíveis, bem como do dever de recuperar os danos ambientais causados, alterar as condicionantes e as medidas de controle e adequação, quando ocorrer:

I – descumprimento ou cumprimento inadequado das condicionantes ou medidas de controle previstas no licenciamento, ou desobediência às normas aplicáveis;


II – fornecimento de informação falsa, dúbia ou enganosa, inclusive por omissão, em qualquer fase do licenciamento ou período de validade da licença; ou

III – superveniência de informações sobre riscos ao meio ambiente ou à saúde pública.

§ 5º A ampliação da ocupação de apicuns e salgados respeitará o Zoneamento Ecológico-Econômico da Zona Costeira – ZEEZOC, com a individualização das áreas ainda passíveis de uso, em escala mínima de 1:10.000, que deverá ser concluído por cada Estado no prazo máximo de 1 (um) ano a partir da data de publicação desta Lei.

§ 6º É assegurada a regularização das atividades e empreendimentos de carcinicultura e salinas cuja ocupação e implantação tenham ocorrido antes de 22 de julho de 2008, desde que o empreendedor, pessoa física ou jurídica, comprove sua localização em apicum ou salgado e se obrigue, por termo de compromisso, a proteger a integridade dos manguezais arbustivos adjacentes.

§ 7º É vedada a manutenção, licenciamento ou regularização, em qualquer hipótese ou forma, de ocupação ou exploração irregular em apicum ou salgado, ressalvadas as exceções previstas neste artigo.” (NR)

“Art. 14. ………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………
§ 2º Protocolada a documentação exigida para análise da localização da área de Reserva Legal, ao proprietário ou possuidor rural não poderá ser imputada sanção administrativa, inclusive restrição a direitos, por qualquer órgão ambiental competente integrante do SISNAMA, em razão da não formalização da área de Reserva Legal. “(NR)

“Art.  15. …………………………………………………………………………………………………………………………………………………………..
§ 3º O cômputo de que trata o caput aplica-se a todas as modalidades de cumprimento da Reserva Legal, abrangendo a regeneração, a recomposição e, na hipótese do art. 16, a compensação.” (NR)

“Art. 17. ………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………

§ 3º É obrigatória a suspensão imediata das atividades em Área de Reserva Legal desmatada irregularmente após 22 de julho de 2008.

§ 4º Sem prejuízo das sanções administrativas, cíveis e penais cabíveis, deverá ser iniciado o processo de recomposição da Reserva Legal em até dois anos contados a partir da data da publicação desta Lei, devendo tal processo ser concluído nos prazos estabelecidos pelo Programa de Regularização Ambiental – PRA, de que trata o art. 59.” (NR)

“Art. 29. ………………………………………………………………………..

§ 1º A inscrição do imóvel rural no CAR deverá ser feita, preferencialmente, no órgão ambiental municipal ou estadual, que, nos termos do regulamento, exigirá do possuidor ou proprietário:
…………………………………………………………………………………….”(NR)

“Art. 35. O controle da origem da madeira, do carvão e de outros produtos ou subprodutos florestais incluirá sistema nacional que integre os dados dos diferentes entes federativos, coordenado, fiscalizado e regulamentado pelo órgão federal competente do SISNAMA.

§ 1º O plantio ou o reflorestamento com espécies florestais nativas independem de autorização prévia, desde que observadas as limitações e condições previstas nesta Lei, devendo ser informados ao órgão competente, no prazo de até 1 (um) ano, para fins de controle de origem.

…………………………………………………………………………………………….
§ 5º O órgão federal coordenador do sistema nacional poderá bloquear a emissão de Documento de Origem Florestal – DOF dos entes federativos não integrados ao sistema e fiscalizar os dados e relatórios respectivos.” (NR)

“Art. 36. ………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………
§ 5º O órgão ambiental federal do SISNAMA regulamentará os casos de dispensa da licença prevista no caput.” (NR)

“Art. 41. É o Poder Executivo federal autorizado a instituir, sem prejuízo do cumprimento da legislação ambiental, programa de apoio e incentivo à conservação do meio ambiente, bem como para adoção de tecnologias e boas práticas que conciliem a produtividade agropecuária e florestal, com redução dos impactos ambientais, como forma de promoção do desenvolvimento ecologicamente sustentável, observados sempre os critérios de progressividade, abrangendo as seguintes categorias e linhas de ação:
…………………………………………………………………………………….”(NR)

“Art. 58. Assegurado o controle e a fiscalização dos órgãos ambientais competentes dos respectivos planos ou projetos, assim como as obrigações do detentor do imóvel, o Poder Público poderá instituir programa de apoio técnico e incentivos financeiros, podendo incluir medidas indutoras e linhas de financiamento para atender, prioritariamente, os imóveis a que se refere o inciso V do caput do art. 3º, nas iniciativas de:

…………………………………………………………………………………….”(NR)
“Art. 61-A. Nas Áreas de Preservação Permanente é autorizada, exclusivamente, a continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas rurais consolidadas até 22 de julho de 2008.

§ 1º Para os imóveis rurais com área de até 1 (um) módulo fiscal que possuam áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente ao longo de cursos d’água naturais, será obrigatória a recomposição das respectivas faixas marginais em 5 (cinco) metros, contados da borda da calha do leito regular, independentemente da largura do curso d´água.

§ 2º Para os imóveis rurais com área superior a 1 (um) módulo fiscal e de até 2 (dois) módulos fiscais que possuam áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente ao longo de cursos d’água naturais, será obrigatória a recomposição das respectivas faixas marginais em 8 (oito) metros, contados da borda da calha do leito regular, independente da largura do curso d´água.

§ 3º Para os imóveis rurais com área superior a 2 (dois) módulos fiscais e de até 4 (quatro) módulos fiscais que possuam áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente ao longo de cursos d’água naturais, será obrigatória a recomposição das respectivas faixas marginais em 15 (quinze) metros, contados da borda da calha do leito regular, independentemente da largura do curso d’água.

§ 4º Para os imóveis rurais com área superior a 4 (quatro) módulos fiscais que possuam áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente ao longo de cursos d’água naturais, será obrigatória a recomposição das respectivas faixas marginais:

I – em 20 (vinte) metros, contados da borda da calha do leito regular, para imóveis com área superior a4 (quatro) e de até 10 (dez) módulos fiscais, nos cursos d’agua com até 10 (dez) metros de largura; e

II – nos demais casos, em extensão correspondente à metade da largura do curso d’água, observado o mínimo de 30 (trinta) e o máximo de 100 (cem) metros, contados da borda da calha do leito regular.

§ 5º Nos casos de áreas rurais consolidadas em Áreas de Preservação Permanente no entorno de nascentes e olhos d’água perenes, será admitida a manutenção de atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo ou de turismo rural, sendo obrigatória a recomposição do raio mínimo de:

I – 5 (cinco) metros, para imóveis rurais com área de até 1 (um) módulo fiscal;

II – 8 (oito) metros, para imóveis rurais com área superior a 1 (um) módulo fiscal e de até 2 (dois) módulos fiscais; e

III – 15 (quinze) metros, para imóveis rurais com área superior a 2 (dois) módulos fiscais.

§ 6º Para os imóveis rurais que possuam áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente no entorno de lagos e lagoas naturais, será admitida a manutenção de atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo ou de turismo rural, sendo obrigatória a recomposição de faixa marginal com largura mínima de:

I – 5 (cinco) metros, para imóveis rurais com área de até 1 (um) módulo fiscal;

II – 8 (oito) metros, para imóveis rurais com área superior a 1 (um) módulo fiscal e de até 2 (dois) módulos fiscais;

III – 15 (quinze) metros, para imóveis rurais com área superior a 2 (dois) módulos fiscais e de até 4 (quatro) módulos fiscais; e

IV – 30 (trinta) metros, para imóveis rurais com área superior a 4 (quatro) módulos fiscais.

 § 7º Nos casos de áreas rurais consolidadas em veredas, será obrigatória a recomposição das faixas marginais, em projeção horizontal, delimitadas a partir do espaço brejoso e encharcado, de largura mínima de:

 I – 30 (trinta) metros, para imóveis rurais com área de até 4 (quatro) módulos fiscais; e

 II – 50 (cinquenta) metros, para imóveis rurais com área superior a 4 (quatro) módulos fiscais.

 § 8º Será considerada, para os fins do disposto no caput e nos §§ 1o a 7o, a área detida pelo imóvel rural em 22 de julho de 2008.

 § 9º A existência das situações previstas no caput deverá ser informada no CAR para fins de monitoramento, sendo exigida, nesses casos, a adoção de técnicas de conservação do solo e da água que visem à mitigação dos eventuais impactos.

 § 10. Antes mesmo da disponibilização do CAR, no caso das intervenções já existentes, é o proprietário ou possuidor responsável pela conservação do solo e da água, por meio de adoção de boas práticas agronômicas.

§ 11. A realização das atividades previstas no caput observará critérios técnicos de conservação do solo e da água indicados no PRA previsto nesta Lei, sendo vedada a conversão de novas áreas para uso alternativo do solo nesses locais.

§ 12. Será admitida a manutenção de residências e da infraestrutura associada às atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural, inclusive o acesso a essas atividades, independentemente das determinações contidas no caput e nos §§ 1o a 7o, desde que não estejam em área que ofereça risco à vida ou à integridade física das pessoas.

§ 13. A recomposição de que trata este artigo poderá ser feita, isolada ou conjuntamente, pelos seguintes métodos:

I – condução de regeneração natural de espécies nativas;

II – plantio de espécies nativas;

III – plantio de espécies nativas conjugado com a condução da regeneração natural de espécies nativas;

IV – plantio de espécies lenhosas, perenes ou de ciclo longo, sendo nativas e exóticas.

§ 14. Em todos os casos previstos neste artigo, o Poder Público, verificada a existência de risco de agravamento de processos erosivos ou de inundações, determinará a adoção de medidas mitigadoras que garantam a estabilidade das margens e a qualidade da água, após deliberação do Conselho Estadual de Meio Ambiente ou de órgão colegiado estadual equivalente.

§ 15. A partir da data da publicação desta Lei e até o término do prazo de adesão ao PRA de que trata o § 2º do art. 59, é autorizada a continuidade das atividades desenvolvidas nas áreas de que trata o caput, as quais deverão ser informadas no CAR, para fins de monitoramento, sendo exigida a adoção de medidas de conservação do solo e da água.

§ 16. As Áreas de Preservação Permanente localizadas em imóveis inseridos nos limites de Unidades de Conservação de Proteção Integral criadas por ato do Poder Público até a data de publicação desta Lei não são passíveis de ter quaisquer atividades consideradas como consolidadas nos termos do caput e dos parágrafos anteriores, ressalvado o que dispuser o Plano de Manejo elaborado e aprovado de acordo com as orientações emitidas pelo órgão competente do SISNAMA, nos termos do que dispuser regulamento do Chefe do Poder Executivo, devendo o proprietário, possuidor ou ocupante a qualquer título, adotar todas as medidas indicadas.

§ 17. Em bacias hidrográficas consideradas críticas, conforme previsto em legislação específica, o Chefe do Poder Executivo poderá, em ato próprio, estabelecer metas e diretrizes de recuperação ou conservação da vegetação nativa superiores às definidas no caput e nos §§ 1º a 7º, como projeto prioritário, ouvidos o Comitê de Bacia Hidrográfica e o Conselho Estadual de Meio Ambiente. “(NR)

“Art. 61-B. Aos proprietários e possuidores dos imóveis rurais que, em 22 de julho de 2008, detinham até 4 (quatro) módulos fiscais e desenvolviam atividades agrossilvipastoris nas áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente, é garantido que a exigência de recomposição, nos termos desta Lei, somadas todas as Áreas de Preservação Permanente do imóvel, não ultrapassará:

I – 10% (dez por cento) da área total do imóvel, para imóveis rurais com área de até 2 (dois) módulos fiscais; e

II – 20% (vinte por cento) da área total do imóvel, para imóveis rurais com área superior a 2 (dois) e de até 4 (quatro) módulos fiscais.” (NR)

“Art. 61-C. Para os assentamentos do Programa de Reforma Agrária a recomposição de áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente ao longo ou no entorno de cursos d’água, lagos e lagoas naturais observará as exigências estabelecidas no art. 61-A, observados os limites de cada área demarcada individualmente, objeto de contrato de concessão de uso, até a titulação por parte do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA.” (NR)

“Art. 78-A. Após cinco anos da data da publicação desta Lei, as instituições financeiras só concederão crédito agrícola, em qualquer de suas modalidades, para proprietários de imóveis rurais que estejam inscritos no Cadastro Ambiental Rural – CAR e que comprovem sua regularidade nos termos desta Lei. “(NR)

Art. 2º Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 25 de maio de 2012; 191º da Independência e 124º da República.

DILMA ROUSSEFF

 Veja aqui a íntegra em PDF.

 

 

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Veto desenvolvimentista ao Código Florestal brasileiro

Neste terreno submetido a queimada havia floresta amazônica. Foto: Mario Osava/IPS

O veto parcial da presidente Dilma Rousseff à polêmica reforma no Código Florestal do Brasil contraria os interesses “mais arcaicos do latifúndio”, mas determina a vitória do setor produtivo acima do desenvolvimento sustentável, afirmam ecologistas. A polêmica reforma foi aprovada pelo Legislativo em 25 de abril e modificada por Dilma um mês depois, mediante uma medida provisória e vetos a 12 artigos da lei. O veto pretende “impedir a anistia a quem desmata e a redução da proteção ambiental”, declararam porta-vozes da Presidência.

O Código de 1965 resguarda as selvas brasileiras existentes em propriedades rurais, especialmente as localizadas em ecossistemas protegidos como a Amazônia, e para isso penaliza de diversas formas os proprietários que cortarem árvores e desmatarem, e os obriga a restaurar o que destruíram. Mas sua aplicação foi limitada, pois o Estado tinha poucos instrumentos para punir as abundantes infrações. Este foi o argumento central para empreender uma reforma.

Os vetos e as modificações de Dilma se baseiam em premissas de “preservação das florestas e dos biomas brasileiros, produção agrícola sustentável e atenção para a questão social, sem prejudicar o meio ambiente”, disse a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, ao destacar os benefícios para os pequenos agricultores.

Os produtores rurais “terão que contribuir” para restaurar as áreas de preservação permanente, acrescentou o ministro da Agricultura, Mendes Ribeiro, confirmando a versão oficial de que “não haverá anistia” para quem desmatou irregularmente essas áreas sensíveis. Trata-se de nascentes e mananciais, costas de rios, zonas úmidas, inundáveis ou de grande declive, mangues, áreas sujeitas a deslizamentos ou picos de morros.
Entretanto, a primeira e positiva impressão deixada pelo anúncio governamental, feito no dia 25, deu lugar “à pior das notícias”, quando o Diário Oficial divulgou, no dia 28, as modificações completas, afirmam as 163 organizações não governamentais reunidas no Comitê Brasil em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável. O veto “manteve um Código ruim e o piorou ainda mais”, disse à IPS o biólogo João Paulo Capobianco, presidente do Instituto de Desenvolvimento Sustentável (IDS), uma das entidades que integram o Comitê. O agravante é a “estratégia do governo” para “enganar a imprensa”, ao publicar os documentos posteriormente, acrescentou.

Embora o veto parcial “contrarie os interesses dos setores mais arcaicos do latifúndio, foi insuficiente para o cumprimento da promessa” do governo de que não perdoaria quem desmatou, pois “mantém a anistia e a redução das áreas de proteção”, criticou o Comitê em um comunicado. Além disso, a medida provisória deve ser discutida e votada no Congresso, o que acontecerá logo depois da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), que será realizada no Rio de Janeiro, entre 20 e 22 de junho.

Segundo o Comitê, o veto não tocou na definição de “área rural consolidada” para caracterizar as ocupações de áreas florestais efetuadas até julho de 2008, e que serve de base para todas as anistias previstas na nova lei. “A anistia continua como eixo central do texto, já que a data de 2008 como linha de corte para a manutenção de áreas desmatadas ilegalmente continua inalterada e, consequentemente, promove” que se deixe de reflorestar “as áreas de proteção permanente e as reservas locais”, apontaram as entidades. O Comitê denuncia ainda que esta anistia também se estende a 80% dos casos em que se devia restaurar florestas ribeirinhas, de picos e ladeiras de morros e áreas de preservação permanente em nascentes e olhos de água, lagos e lagoas naturais.

“Estamos surpresos por a Presidente ter conseguido piorar o que já era muito ruim”, declarou à IPS o ativista Márcio Santilli, coordenador de política e direito do Instituto Socioambiental, que também faz parte do Comitê. Santilli destacou que praticamente se extinguem as áreas de proteção, pois se autoriza a reflorestar com espécies exóticas. A medida provisória inicialmente dava a possibilidade de replantar inclusive com cultivos comerciais polêmicos, como eucalipto e pinheiro.

No entanto, o governo voltou atrás e limitou as opções de reflorestamento exótico a árvores frutíferas, para dar aos pequenos produtores a opção de com ela obterem renda extra. Para que isto fosse um verdadeiro avanço, se deveria voltar à versão original que propunha apoio governamental aos agricultores familiares que reflorestassem com espécies nativas, criticou Capobianco.

Outra medida polêmica é a que Santilli chama de “eletroveto” e que beneficiaria as construtoras de grandes hidrelétricas em áreas de selva. Sua opinião é que o veto se dirige ao único artigo “bom” do projeto, que “estabelecia uma fonte concreta de recursos para a recuperação florestal”, pois obrigava as empresas concessionárias do setor energético a investirem 1% de seu lucro líquido na proteção das selvas situadas nas bacias de suas centrais hidrelétricas. O governo vetou esse ponto em nome de um “interesse social”, porque poderia levar as empresas a aumentaram o preço da eletricidade.

“O governo nunca teve tanto apoio fora do Congresso para fazer valer seu poder de veto de forma honrosa, e não o fez”, enfatizou Capobianco. A campanha “Veta Dilma” que promovia o veto total à reforma florestal, obteve apoios de setores empresariais, artísticos, científicos e políticos e reuniu mais de dois milhões de assinaturas. Porém, grande parte do setor agropecuário brasileiro e dos legisladores que o representam também está descontente com o veto, pois coloca “a produção agropecuária como função secundária do imóvel rural. A função principal é preservar a floresta e não produzir alimentos”, argumentou o presidente da Sociedade Rural Brasileira, Cesário Ramalho.

Na opinião do analista político Maurício Santoro, da Fundação Getulio Vargas, o veto e a aprovação de uma lei para reprimir o trabalho escravo “são passos importantes para reequilibrar o jogo político frente a um setor agrário cuja visão de país mostra, no mínimo, uma grande dificuldade para aceitar as demandas de uma democracia dinâmica que o restante do Brasil luta para consolidar”.

Outros, como a senadora e presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária, Kátia Abreu, consideram que a postura do governo foi equilibrada. “A cor da camisa não foi totalmente verde nem totalmente amarela. Foi meio termo”, apontou. Agora se antecipa uma guerra jurídica de interpretações sobre a medida provisória, que deve ser aprovada pelo Congresso. E as organizações ambientalistas estudam propor um recurso de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal.

Por: Fabiana Frayssinet
Fonte: IPS

Investimentos para reduzir desmatamento podem sustentar até 8 milhões de novos empregos

Cerca de US$ 30 bilhões que são gastos, por ano, em investimentos internacionais para a redução de desmatamentos e da degradação das florestas poderiam sustentar até 8 milhões de novos empregos nos países em desenvolvimento, mostra o relatório Rumo ao Desenvolvimento Sustentável: Oportunidades de Trabalho Decente e Inclusão Social em uma Economia Verde, divulgado hoje (31) pela Iniciativa Empregos Verdes.

emprego verde

Especialistas do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Organização Internacional de Empregadores (OIE) e da Confederação Sindical Internacional (CSI) mostram no documento como uma economia favorável ao meio ambiente pode garantir empregos e trabalho decente em qualquer país.

Na Alemanha, um programa de renovação de prédios para melhorar a eficiência energética, por exemplo, tem mobilizado 100 bilhões de euros em investimentos. Além da economia com as contas de energia, a medida criou quase 300 mil empregos diretos por ano.

Segundo o documento, pelo menos metade da força de trabalho mundial (cerca de 1,5 bilhão de pessoas) será afetada caso os países adotem a economia verde como novo padrão. As mudanças atingiriam todos os setores, mas teriam maior impacto em atividades como a agricultura, silvicultura, pesca, energia, indústria manufatureira, reciclagem, construção e o transporte.

“Dezenas de milhões de empregos já foram criados por essa transformação. Por exemplo, o setor de energia renovável já emprega cerca de 5 milhões de trabalhadores, mais que o dobro do número de empregos entre 2006 e 2010”, destacam os especialistas.

Outra fonte de empregos verdes apontada pelo levantamento é a da eficiência energética, principalmente na indústria da construção, que foi o setor mais afetado pela crise econômica. Os especialistas da OIT, do Pnuma, da OIE e da CSI dizem ainda que a reciclagem é decisiva para a questão da eficiência do setor, com a redução de desperdiço, o ratamento adequado de resíduos e a recuperação de materiais de valor, além do potencial de inclusão social e redução da pobreza.

“É provável que a produção de energia fóssil experimente a perda de empregos. São necessárias politicas para garantir uma transição justa para os trabalhadores”, destaca, como exemplo, o estudo.

Por: Carolina Gonçalves
Fonte: Agência Brasil- EBC
Edição: Graça Adjuto


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Agronegócio, agrotóxico e “agrocâncer”







As três palavras acima não são mera propaganda. Nos últimos dez anos tomou conta da forma de produzir na agricultura brasileira, o chamado agronegócio. Ele é um modelo de produção de mercadorias agrícolas, subordinado agora aos interesses do capital financeiro e das grandes empresas transnacionais. Aliados aos fazendeiros brasileiros, que entram com a natureza.

Nesse modelo, o capital financeiro entra com o capital. Do valor bruto de produção agrícola ao redor de 160 bilhões de reais, os bancos entram com aproximadamente 110 bilhões todos os anos, financiando a compra dos insumos e cobrando os juros, sua parte na mais-valia agrícola. E as empresas transnacionais fornecem os insumos agrícolas, máquinas, fertilizantes químicos e, sobretudo, os venenos agrícolas. A produção agrícola depois se destina ao mercado mundial, as chamadas commodities agrícolas.

Esse modelo construiu então uma forma de produzir, uma matriz tecnológica que combina grande propriedade, que vai aumentando a escala de produção a cada ano, monocultivo, se especializando num só produto de exportação, mecanização intensiva, pouco emprego de mão-de-obra direta e uso intensivo de venenos agrícolas. As conseqüências desse modelo que se tornou hegemônico nos últimos dez anos, e que atua independente de tudo, já apresentam seus resultados perversos, para o meio ambiente, para a economia brasileira, para o rendimento econômico dos próprios fazendeiros e, sobretudo para a saúde dos brasileiros.

Em termos econômicos, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), esse padrão de exploração econômica levou a uma matriz básica de custo de produção, em que os fazendeiros capitalistas brasileiros gastam em média, 24% com fertilizantes químicos, quase todos importados, 15% de todo capital investido em venenos, e mais 6% em sementes transgênicas. Pagam em média 2% de royalties para as empresas de sementes, totalizando 47% de todo seu custo. E gastam apenas 4% com mão-de-obra de trabalhadores rurais brasileiros e ficam, no final, com 13% de lucro. Ou seja, a conta é clara. Nossa agricultura está totalmente subordinada aos interesses do capital financeiro e estrangeiro e transfere a eles a maior parte do valor de produção.

Os resultados no meio ambiente são catastróficos. Hoje 80% de todas as terras cultivadas são utilizadas no monocultivo da soja/milho, cana de açúcar, algodão e na pecuária extensiva. Isso tem gerado um desequilíbrio da biodiversidade na natureza, que se agrava com aplicação dos venenos agrícolas, que matam tudo.

Com essa destruição da biodiversidade pelo monocultivo e pela aplicação dos venenos se gera um desequilíbrio também no regime das chuvas e nas condições climáticas de todo território brasileiro. Essa é a razão fundamental da ocorrência mais freqüente de secas mais duras e de enchentes mais torrenciais em todas as regiões do país.

Também se percebe as conseqüências na saúde humana e animal. O Brasil se transformou no maior consumidor mundial de venenos agrícolas. Consumimos sozinhos 20% de todos os venenos do mundo. As dez maiores empresas mundiais produtoras de venenos, que começaram na primeira e segunda guerra mundial produzindo bombas químicas, agora produzem venenos. São elas: Sygenta, Bayer, Basf, Dow, Monsanto, Dupont, Makhteshim (de Israel) Nufarm (Austrália) e Sumimoto e FMC (Japão). São todas empresas transnacionais que controlam os venenos no mundo e aqui no Brasil. Os fazendeiros gastaram 7,3 bilhões de dólares comprando venenos nessas empresas.

Os venenos, por serem de origem química, não se degradam na natureza. Eles matam os insetos, as bactérias no solo, afetam a fertilidade, contaminam as águas subterrâneas, contaminam as chuvas - muitos desses venenos secantes evaporam e ficam na atmosfera e depois retornam com as chuvas. E contaminam os alimentos que as pessoas consomem.

No organismo das pessoas estes venenos geram todo tipo de distúrbio, vão se acumulando, afetam órgãos específicos, até produzirem câncer com a destruição das células.

O Instituto Nacional do Câncer tem denunciado e o Brasil de Fato repercutido que no país devem ocorrer ao redor de um milhão de novos casos de câncer por ano. A maior parte deles originários de alimentos com agrotóxicos. Destes, se diagnosticados com tempo, os médicos podem salvar 40%. Portanto, estamos diante da iminência de um verdadeiro genocídio provocado pelos agrotóxicos: o “agrocâncer”. Inclusive o câncer de mama, agora aparece entre mulheres de todas as idades e tem entre suas causas principais os agrotóxicos!

Isso e muito mais foi agora denunciado por um extenso e profundo relatório produzido pela Associação Brasileira de Pós Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco). O documento alerta para os riscos e conseqüências que o uso generalizado de venenos agrícolas está provocando na saúde dos brasileiros.

O Brasil de Fato publica matérias sobre estas graves questões que a chamada grande imprensa, macomunada com os interesses do agronegócio e das empresas de venenos, silenciou.

Somamo-nos, assim, à Campanha Nacional Contra o uso de Agrotóxico e pela Vida que reúne mais de 50 entidades nacionais da sociedade brasileira, em sua missão permanente de conscientizar a população, os verdadeiros agricultores, as entidades e os parlamentares para que se ponha um fim ao uso de venenos em nosso país. E que, sobretudo, se penalize as empresas transnacionais fabricantes. Essas empresas deveriam, inclusive, serem obrigadas a pagar ao SUS o custo do tratamento do câncer e de outras enfermidades comprovadamente originarias do uso de venenos em nossa alimentação.

Do Brasil de Fato

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quarta-feira, 30 de maio de 2012

Pobreza rural: um dilema histórico. Entrevista especial com Lauro Mattei


“Não há dúvidas de que os principais obstáculos que entravam a realização da reforma agrária no Brasil se localizam em duas esferas: na estrutura política e no sistema judiciário brasileiro”, destaca o engenheiro agrônomo

“A questão agrária brasileira não pode ser relegada a um segundo plano quando se definem e se implementam políticas públicas com o objetivo de erradicar a pobreza, seja ela extrema ou qualquer outra expressão que se queira utilizar”. É com essa declaração que Lauro Mattei retoma o debate da reforma agrária e assegura que, embora o tema tenha ficado esquecido nos últimos vinte anos, ele deve retornar à agenda política do país, pois continua sendo “um instrumento decisivo para alterar o poder político rural que se impõe através propriedade da terra”.

Estudioso da temática há mais de 25 anos, o engenheiro agrônomo e professor da Universidade Federal de Santa Catarina acompanha o desenvolvimento das famílias que vivem no meio rural e diz que a má distribuição da terra ainda dificulta o desenvolvimento da agricultura familiar no país. “A pobreza rural tem sua maior expressão nos espaços geográficos dominados pelos latifúndios, locais onde se observam elevados índices de concentração da terra”, aponta.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail para a IHU On-Line, ele destaca ainda que os problemas da distribuição de terra são históricos, de ordem política e jurídica. “A atrofia da ordem jurídica sempre impediu que processos reformadores avançassem no Brasil, o que facilitou a constituição de uma das sociedades mais desiguais do mundo”. E dispara: “Particularmente entendo que um país com mais de 90 milhões de hectares de terras improdutivas e com mais de 4 milhões de famílias de sem terras, além de apresentar índices de desigualdades econômicas e sociais alarmantes, não pode prescindir do uso de um instrumento eficaz – como é o caso da reforma agrária – para tentar reverter este cenário, seguindo o exemplo de muitos países que hoje são considerados desenvolvidos”.

Lauro Mattei é graduado em Engenharia Agronômica pela Universidade Federal de Santa Catarina, possui especialização em Políticas Públicas pela Universidade do Texas. Cursou doutorado em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas e pós-doutorado na Universidade de Oxford. É professor associado dos cursos de graduação e de pós-graduação em Ciências Econômicas e do PPG de Administração da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Também trabalha como pesquisador do OPPA-CPDA-UFRRJ. Confira a entrevista.


IHU On-Line – Qual a estimativa da população que vive no meio rural brasileiro?

Lauro Mattei – Antes de apresentar alguns dados cabalísticos sobre a população que atualmente habita o meio rural do país, entendo ser necessária uma breve recuperação do processo histórico que culminou em uma das maiores transformações demográficas em um curto espaço de tempo de que se tem registro na história mundial.

Assim, é importante recordar que, ao se iniciar a industrialização efetiva do país (década de 1950), a imensa maioria dos brasileiros (mais de 70%) residia nas áreas rurais. Menos de 60 anos depois ocorreu uma inversão total desses percentuais, sendo que os dados oficiais recentemente divulgados revelam a existência de uma população majoritariamente domiciliada em áreas urbanas. Dessa forma, o Brasil é um caso excepcional de transformação da situação domiciliar em todo o mundo, não somente em termos da variável tempo, mas fundamentalmente em função da magnitude desse processo. Nesse sentido, entendo ser quase impossível compreender adequadamente a conformação urbana atual do país e todas as mazelas nela representada se não considerarmos os efeitos explicitados por esse fenômeno demográfico.

É nessa perspectiva que tratarei a dimensão demográfica do meio rural atual, chamando atenção que há, no mínimo, duas perspectivas analíticas. A primeira decorre de interpretações oriundas dos dados e estatísticas oficiais. Nesse caso, é sempre bom lembrar a forma com que essas informações são geradas. Mas antes de adentrar nessa essa questão delicada, gostaria de ressaltar que o Brasil tem um dos melhores sistemas de geração de estatísticas do mundo, não deixando nada a desejar em relação aos sistemas existentes em países como França, Inglaterra e Estados Unidos.

Dinâmica populacional

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE é o órgão oficial que há muitas décadas vem fazendo o acompanhamento da dinâmica populacional do país. A cada dez anos são realizados os Censos Demográficos, que nada mais são do que uma fotografia momentânea da população residente nas áreas urbanas e rurais. E aqui aparece a questão de fundo, uma vez que a definição do que é “área urbana” e o que é “área rural” não é uma prerrogativa do IBGE, mas sim uma definição político-administrativa das prefeituras municipais. Assim, a cada decênio cabe ao IBGE apenas atualizar as áreas censitárias com base nas informações fornecidas pelas administrações municipais. É nesse momento que – em função de interesses diversos – muitas informações administrativas não correspondem com a realidade.

Essa questão vem sendo amplamente discutida pela literatura especializada, mesmo que ainda não tenha sido incorporada pela metodologia oficial. Apenas destaca-se que, a partir do Censo Demográfico de 1991, foram criadas novas categorias censitárias que buscam atenuar os efeitos perversos das definições meramente administrativas.

É dessa forma que o Censo Demográfico de 2010 mostrou a conformação de uma sociedade brasileira eminentemente urbana, em que aproximadamente 85% do total da população reside em áreas consideradas administrativamente como sendo “urbanas”. Isso implica que a população rural se situava ao redor de 30 milhões de pessoas.

Mudanças em curso 


A segunda perspectiva analítica considera um conjunto de mudanças em curso no espaço rural, com destaque para as novas formas de uso dos recursos naturais, em que o rural passa a ser visto não apenas como local de produção agrícola, mas também para o aumento das relações de proximidade entre campo e cidade a partir de uma heterogeneidade de situações que se ampliam e para as relações mais interativas entre os dois meios geográficos – seja através de novas atividades produtivas que geram novas fontes de renda, seja através de movimentos pendulares de retorno no sentido urbano rural.

Com isso emergiram diversas metodologias alternativas para se delimitar o espaço rural e, consequentemente, a população que dele faz parte. Assim, com base em diversos critérios que também vêm sendo utilizados em outros países (áreas que não recebem os reflexos de regiões metropolitanas; municípios de pequeno porte; e áreas que possuem baixa densidade demográfica), é possível estimar que a população rural atual esteja ao redor de 50 milhões de pessoas, ou seja, quase o dobro daquela contabilizada pelo último Censo Demográfico.

IHU On-Line – O êxodo rural continua sendo um fenômeno presente no país?

Lauro Mattei – O êxodo rural assume atualmente uma característica bem distinta daquela verificada durante o período de modernização da agricultura brasileira. Naquela época (anos de 1960 a 1980), ocorreu um deslocamento massivo da população rural em direção aos centros urbanos em praticamente todas as regiões do país. Esse processo tinha duas vertentes básicas: por um lado, as transformações produtivas na própria agricultura, com a incorporação de modernas máquinas e equipamentos agrícolas e uso intensivo dos insumos químicos, especialmente dos agrotóxicos, e, por outro, a própria industrialização em curso no país que demandava mão de obra em escala ascendente.

A grande crise econômica vivida pelo país a partir da década de 1980 afetou fortemente o setor industrial, com efeitos negativos sobre a possibilidade de alocação da mão de obra rural. Mesmo após a estabilização da economia e recuperação das atividades industriais a partir da década de 1990, a possibilidade de alocação da força de trabalho oriunda das áreas rurais no setor industrial continuou limitada. Isso, porém, devido a um novo fator: a exigência cada vez maior de qualificação profissional.

Como as portas estão cada vez mais fechadas no setor industrial, desviou-se o fluxo da população rural em direção ao setor de serviços. Todavia, como esse é um movimento complexo que envolve o conjunto dos trabalhadores, não há espaço para todos. Decorre daí as taxas de desemprego, subemprego e o trabalho precário e informal, fatos que mantêm uma parcela expressiva da população em estado de pobreza e miséria, tanto no campo como nas cidades.

Situações distintas

Especificamente no meio rural ocorrem situações distintas. Por um lado, a modernização avança em vários setores, particularmente naqueles que estão sendo impulsionados pelo atual “boom internacional das commodities”. O problema está no fato de que são justamente esses setores que menos ocupam gente, uma vez que o processo produtivo é quase todo químico e mecânico. Por outro lado, o setor da agricultura familiar – por ter ficado por longo tempo sem ser priorizado pelas políticas governamentais – ainda é incapaz de gerar uma dinâmica socioeconômica que consiga absorver toda a população rural, especialmente em áreas que apresentam limitações histórico-estruturais, como é o caso da imensa região do Semiárido.

Mas existem outras razões que também explicam o êxodo rural em alguns estados e setores de atividades produtivas. Vou apresentar apenas dois exemplos regionalmente antagônicos, mas que fazem parte de um mesmo modo de produção. No primeiro exemplo, destaca-se a região de integração de suínos e aves no Oeste de Santa Catarina. Sabe-se que, com a reestruturação produtiva dos anos de 1990, as grandes empresas agroindustriais redefiniram suas plataformas produtivas visando ampliar a competitividade. Com isso o processo de integração se tornou verticalizado e passou-se a exigir escalas de produção a que parcelas expressivas de agricultores familiares – antes integrados – não conseguiram mais atender. A essas parcelas restou apenas o caminho da mudança domiciliar, fato este amplamente documentado pelos estudos demográficos catarinenses.

O segundo exemplo vem das regiões produtoras de frutas frescas que abastecem o mercado internacional. Além de esse processo estar cada vez mais assentado em sistemas produtivos ancorados na química e na mecânica, um fato novo passou a comandar o setor: a concentração e centralização do capital. Com isso pequenos produtores com dificuldades de competir nesses mercados acabam vendendo suas terras. Como o nível de geração de trabalho nesse setor é relativamente baixo, resta-lhes apenas o caminho da migração, geralmente em direção às cidades visando buscar novas oportunidades de reprodução social.

Em síntese, o êxodo rural continua existindo no país, porém sua magnitude é totalmente distinta dos períodos anteriores, bem como sua explicitação ocorre distintamente em cada espaço geográfico do país.

IHU On-Line – Quais as políticas públicas necessárias para mudar essa situação do meio rural do país e quais os principais desafios da conjuntura atual do meio rural?

Lauro Mattei – Há exatamente 25 anos (1987) quando iniciei minha carreira profissional como assessor dos movimentos sociais e sindicais rurais, discutia-se um conjunto de políticas de desenvolvimento rural que fosse capaz de articular as esferas da estrutura agrária, da produção e da comercialização agropecuária com políticas voltadas ao desenvolvimento humano dos trabalhadores rurais. Ao longo desse período são inegáveis os avanços nessa direção. Por exemplo, a extensão dos benefícios da previdência social à população rural representou um avanço extraordinário em termos de reconhecimento, por parte do Estado brasileiro, de uma parcela da população trabalhadora que estava excluída até aquele momento dos mesmos benefícios sociais auferidos pelos demais setores da sociedade.

E qual era o argumento que as forças conservadoras (rurais, urbanas, mídia, finanças, acadêmicos, etc.) utilizaram no início dos anos de 1990 para tentar impedir essa medida elementar de cidadania? Afirmavam que a Previdência Social iria quebrar! Vejam só a hipocrisia brasileira, pois enquanto todos os meses eram transferidos bilhões de dólares do conjunto da sociedade para setores específicos, particularmente para a banca, um simples salário mínimo para uma pequena parcela da população virou o pandemônio durante anos. Hoje está fartamente documentado que a extensão da previdência social aos trabalhadores rurais não somente não quebrou a previdência como foi fundamental para recuperar a economia de uma imensa quantidade de pequenos municípios no interior do país.

A cantilena de sempre

Da mesma forma, o debate sobre a necessária mudança da estrutura agrária do país continua sendo secularmente impedido por essas mesmas forças conservadoras. Continuamos sendo um dos países mais injustos ao apresentar uma das maiores taxas de concentração de terra do mundo.

Na mesma toada, recentemente começaram a surgir reações contrárias ao apoio governamental à produção familiar, que representa mais de 80% dos estabelecimentos agropecuários do país. Mesmo que os argumentos sejam refinados, a intenção é a mesma cantilena de sempre: o governo está jogando dinheiro fora ao incentivar a agricultura familiar, pois ela não é competitiva para atender aos desafios internacionais do país. No fundo, esse argumento é uma reação à possibilidade legal (Lei da Agricultura Familiar) de se iniciar um processo mais democrático de transferência dos recursos públicos para todos os setores produtivos rurais do país.

Vejamos como essa argumentação aparece nos subterrâneos dos orçamentos anuais destinados à função agricultura. No ano de 2010, por exemplo, a agricultura familiar recebeu ao redor de 15 bilhões de reais, enquanto o setor patronal obteve aproximadamente 100 bilhões. Agora vejamos os dados do Ministério da Fazenda do mês de julho de 2011 sobre a dívida agrícola. Essa dívida atingiu naquele mês cerca de 160 bilhões de reais, sendo a agricultura familiar responsável por menos de 30 bilhões desse total. Talvez essas cifras expliquem por que a “bancada ruralista” sempre age de forma coesa.

Em síntese, o problema me parece estar menos na existência de políticas públicas – afinal existem dezenas delas direcionadas para o meio rural atualmente – e mais no sentido da ineficácia dessas políticas em promover mudanças profundas nas estruturas econômica e política que persistem nas áreas rurais e que acabam subjugando os interesses do conjunto da sociedade aos interesses de uma pequena elite agrária cada vez mais articulada às estruturas do comércio e das finanças internacionais. Os episódios recentes sobre a definição de uma legislação ambiental condizente com os desafios do século XXI (Código Florestal) é o exemplo mais acabado dessa estrutura arcaica de poder político agrário que se explicita no Congresso Nacional.

IHU On-Line – A reforma agrária continua relevante no contexto atual do país? Por quê?

Lauro Mattei – É importante recordar que ocorreu um debate clássico sobre a questão agrária brasileira nas décadas de 1950 e 1960 envolvendo os principais pensadores do país, ao mesmo tempo em que um movimento social (Ligas Camponesas) atuava no sentido de colocar a temática da reforma agrária no centro da agenda pública nacional. Com a implantação do regime militar, esse debate ficou bloqueado por mais de vinte anos, somente retornando à agenda a partir do ano de 1985, quando o governo da Nova República lançou o primeiro plano nacional de reforma agrária.

Nesse período verificou-se que ocorreu uma forte expansão da concentração da terra, a qual é medida pelo Índice de Gini, que na década de 1980 atingiu seu pico ao redor de 0,870. Nas décadas seguintes houve apenas pequenas oscilações, sendo que atualmente esse índice permanece ao redor de 0,8, o que significa um parâmetro extremamente elevado que situa o Brasil no topo da pirâmide mundial da concentração agrária.
Concentração agrária brasileira
Mesmo diante dessa concentração agrária brasileira, uma pergunta tem sido recorrentemente colocada: A reforma agrária ainda é uma questão pertinente para a sociedade brasileira no início do século XXI? Obviamente que se admitirmos a existência da “questão agrária”, então a resposta é positiva, ou seja, a reforma agrária é ainda um instrumento decisivo para alterar o poder político rural que se impõe através propriedade da terra.

Mas há diferentes visões sobre essa temática. Para as organizações dos trabalhadores rurais, a questão anterior não faz o menor sentido, tendo em vista que a reforma agrária continua sendo um tema extremamente atual em suas pautas de reivindicações, com expressão decisiva nas diferentes formas de lutas que são desenvolvidas (ocupações de terras, organização de assentamentos, redefinição dos sistemas de produção, etc.).

Contradições 

Já no meio acadêmico residem as maiores contradições deste debate. Uma linha composta por diversos grupos de pesquisadores das áreas das ciências sociais e humanas vem afirmando que o desenvolvimento agrário brasileiro das últimas cinco décadas rebaixou o problema fundiário, fazendo com que a reforma agrária deixasse de ser uma reivindicação nacional e um instrumento decisivo capaz de alterar os destinos históricos do desenvolvimento do país. Com isso entendem que a questão agrária perdeu a centralidade no debate nacional porque deixou de ser um instrumento impeditivo do desenvolvimento social e econômico.
Em grande medida, esses argumentos estão amparados no diagnóstico de que há uma ampla segmentação produtiva regional; de que houve uma redução do papel da agricultura no âmbito das atividades econômicas; de que o atual modelo agropecuário tem capacidade de atender às demandas de alimentos e de matérias-primas; e no diagnóstico de que está havendo uma urbanização da vida rural. Nessa lógica, defende-se uma reforma agrária regionalizada (em áreas de fronteiras agrícolas ou em áreas de conflitos agrários) com capacidade para responder pontualmente aos problemas fundiários localizados.

Uma segunda linha de argumentação é defendida por outro grupo de pesquisadores que passaram a defender uma reforma agrária de caráter mais “social” do que “econômico”, por entender que ela teria a função de gerar empregos, conter os fluxos migratórios e evitar a lumpenização do campo. Nesse caso, o papel da reforma agrária seria o de auxiliar no equacionamento da questão populacional do país, até que fosse completada a transição demográfica iniciada na última década. Para tanto, as políticas de um programa agrário dessa natureza teriam que ser menos produtivistas e mais voltadas ao não agrícola existente no espaço rural.

Obstáculos estruturais 

Finalmente, uma terceira linha de pesquisadores entende que diversos obstáculos estruturais do meio rural continuam a existir devido à existência de uma questão agrária “não resolvida”. Tais obstáculos se situam nas esferas econômica, política, social e cultural e revelam que o desenvolvimento das forças produtivas está travado por normas, costumes, rotinas, relações de poder, entre outras; fatos que decorrem de relações entre os proprietários de terra e o restante da população rural. Essas relações são fortemente marcadas pela condição desigual de acesso à terra e pela desigualdade de renda. Na verdade, trata-se de um grupo que sustenta a ideia de que a não solução da questão agrária continua sendo um impeditivo ao desenvolvimento equilibrado do país.

Particularmente entendo que um país com mais de 90 milhões de hectares de terras improdutivas e com mais de 4 milhões de famílias de sem terras, além de apresentar índices de desigualdades econômicas e sociais alarmantes, não pode prescindir do uso de um instrumento eficaz – como é o caso da reforma agrária – para tentar reverter este cenário, seguindo o exemplo de muitos países que hoje são considerados desenvolvidos.


IHU On-Line – Qual sua análise sobre a atuação do MST na luta pela reforma agrária no país?

Lauro Mattei – Inicialmente gostaria de registrar que, ainda enquanto estudante universitário, acompanhei o surgimento desse movimento no sul do país, o qual logo se transformou em movimento nacional e, sem dúvida alguma, se tornou um dos movimentos sociais mais expressivos do país no final do século XX.

Ao longo desses quase trinta anos de existência do MST tenho tido a oportunidade de analisar as diferentes fases de organização e de concepção desse movimento social. É importante ressaltar a fidelidade que esse movimento sempre teve com a luta pela transformação da propriedade privada da terra, por entender – corretamente em minha interpretação – que esta posse é sinônima de poder político, um poder que no Brasil também é sinônimo de opressão, de crueldade e de assassinatos, os quais permanecem impunes sob o manto do poder Judiciário.

Para mim, uma das grandes virtudes e vitalidade desse movimento foi manter sua rebeldia diante das injustiças e barbáries que se cometiam e ainda se cometem no meio rural do país. Nesse período, as elites econômicas e políticas do país por centenas de vezes tentaram silenciar a luta pela terra através de brutais assassinatos de lideranças, a grande maioria deles sem julgamento até os dias atuais. Mas a cada integrante do MST que tombava sob a brutalidade das forças conservadoras, dezenas de novos membros se juntavam ao movimento, transformando-o na mais expressiva força social que este país já teve em seus cinco séculos de história.

Patrimônio político

É justamente esse patrimônio político e social que tanto incomodou e ainda incomoda as elites brasileiras. Quem quiser provas disso basta ler os editoriais recentes dos três principais jornais do país, todos eles condenando o movimento de forma sumária, como se a estes meios de comunicação estivesse dado o direito de julgar o que é bom ou ruim para o país e/ou para a sociedade.

Esse mesmo procedimento também aparece nas formas de representação política das elites brasileiras em todas as esferas públicas. Assim, das câmaras municipais às assembleias legislativas estaduais e Congresso Nacional, a estratégia é sempre a mesma há aproximadamente trinta anos : combate sem fim ao MST. No fundo, o que precisamos entender é que não se está apenas tentando combater o movimento dos sem terra, mas sim combater a luta pela reforma agrária.

É exatamente nesse contexto que as ações do MST se revestem de importância social e política, pois elas desvelam uma realidade social, econômica e política que sempre se buscou acobertar. Por isso, vejo com extrema preocupação comportamentos que começam a aflorar também na academia brasileira, cuja argumentação está indo na mesma direção da argumentação das elites anteriormente mencionadas.
Ressalto que a importância fundamental desse movimento está no fato de conseguir mostrar que a luta pela reforma agrária não deveria ser apenas uma bandeira dos trabalhadores rurais sem terra, mas do conjunto da sociedade brasileira. E isso decorre de um fato óbvio: todas as nações que fizeram a reforma agrária foram capazes de gerar também enormes benefícios para todos os segmentos sociais.

IHU On-Line – Quais os principais obstáculos para a realização da reforma agrária no Brasil?

Lauro Mattei – Parece-me que não há dúvidas de que os principais obstáculos que entravam a realização da reforma agrária no Brasil se localizam em duas esferas: na estrutura política e no sistema judiciário brasileiro.

No primeiro caso (a ordem política), observa-se que desde o processo colonizador existe uma continuidade que liga o passado ao presente, ou seja, que liga a sociedade agrária (passado) à sociedade industrial (presente). Essa abordagem evolutiva apresenta um conjunto de elementos da formação histórica que vão marcar toda a trajetória do desenvolvimento do país. Do descobrimento aos dias atuais algumas marcas permanecem intactas e atuando, inclusive, no sentido de perpetuar esse processo. Um primeiro aspecto a ser registrado nessa direção é a natureza exploratória dos recursos disponíveis no território. Se no passado colonial o caráter dessa exploração se encontrava assentado na grande propriedade privada da terra e no trabalho escravo, hoje ele permanece amparado na grande propriedade privada das terras e na propriedade privada dos demais meios de produção e encontrando no trabalho livre seu substrato de acumulação e de valorização.

Passado X presente

Esse movimento condicionou e ainda condiciona a vida material do país. Os traços gerais dessa materialidade econômica se circunscreviam – no passado colonial – à produção do excedente para exportação. Isso levou à organização de um sistema produtivo assentado na exploração agrícola em larga escala e nas monoculturas. No tempo presente, a exploração econômica agrícola continua organizada da mesma maneira e cumprindo – certamente de forma mais consistente – um papel decisivo no conjunto da produção econômica do país. Ao mesmo tempo, a evolução industrial mostrou uma trajetória semelhante, considerando-se que as grandes empresas dominam com frequência cada vez maior a lógica produtiva nacional.

A partir daí se estabeleceram relações de dominação que se perpetuam no tempo. Mesmo que de vez em quando se esboce um movimento de mudança, normalmente isso ocorre no sentido de preservar regalias e vantagens de uma determinada camada social sobre os demais. No passado colonial esse aspecto se explicitava na figura do coronel, o qual se sentia no direito de usar e abusar das camadas submissas em proveito próprio ou de seu grupo social.

No presente essa dominação política se explicita cada vez mais na defesa de interesses de castas privilegiadas que, sob o desígnio do interesse nacional, nada mais fazem do que defender seus próprios privilégios. A ação da bancada ruralista desde a Constituinte de 1987, tanto no Congresso Nacional como nas distintas estruturas governamentais, é o exemplo mais puro dessa forma de representação política.
Atrofia jurídica 

Obviamente que essas posições sempre encontraram e continuam encontrando eco e respaldo no poder Judiciário. Historicamente, a constituição dessa estrutura de poder nunca deixou de ser a representação legal de interesses de grupos privados, como se estes fossem os interesses do conjunto da sociedade. Se no passado colonial sua formação decorreu dos interesses das elites ligados ao império lusitano, no presente republicano o poder Judiciário nada mais é que a síntese da representação jurídica das camadas sociais elitizadas que dominam os diversos setores econômicos e que se revezam no exercício do poder político de forma secular.

É essa atrofia da ordem jurídica que sempre impediu que processos reformadores avançassem no Brasil, o que facilitou a constituição de uma das sociedades mais desiguais do mundo.

IHU On-Line – Qual o cenário atual da pobreza rural no Brasil?

Lauro Mattei – Em primeiro lugar, gostaria de deixar bem claro que as concepções sobre pobreza não podem ser reduzidas apenas à esfera monetária (renda per capita familiar). Entendo ser necessário um olhar mais profundo sobre diversos fatores relacionados às privações, os quais podem explicar de forma mais contundente as causas estruturais que estão na raiz de geração do fenômeno da pobreza.
Por isso, falar da pobreza rural requer situar o debate numa perspectiva histórica, o que pressupõe entender a conformação histórica e social do país e suas particularidades, especialmente nas áreas rurais. A partir daí é possível afirmar que a pobreza rural não pode ser concebida como um fenômeno natural, pois se trata de um processo sócio-histórico construído pelo homem e que tem na ordem estrutural o seu determinante fundamental.

Do ponto de vista histórico, é fundamental observar que a estrutura da economia agrária brasileira prevalece até o tempo presente, ou seja, um sistema de produção dominado pela grande propriedade da terra, pelas monoculturas e pela produção voltada fundamentalmente aos mercados internacionais, o que modernamente está sendo denominado de “agrobusiness”. Impulsionado recentemente pelo boom mundial das commodities, esse modelo de desenvolvimento excludente aprofunda suas raízes seculares no meio rural do país e caminha para consolidar os interesses de um setor (o agrobusiness) como se esses fossem os interesses do conjunto da nação.

Pobreza rural 

Combinando um conjunto de mecanismos antigos (concentração da terra; uso intensivo de tecnologias modernas; relações exploratórias de trabalho; concentração dos recursos públicos) com um novo discurso e novas formas de ação (domínio político no Congresso Nacional; imposição dos interesses de classe como se fossem interesses da nação; articulações com demais camadas das elites do país), busca-se desqualificar o problema da pobreza rural sob o argumento de que o “modelo do agrobusiness” está sustentando a economia e demais setores da sociedade brasileira.

Mesmo que se procure minimizar o problema, a pobreza rural ainda é extremamente expressiva no país. Os dados da PNAD (IBGE, 2009) revelaram que 8.4 milhões de pessoas que faziam parte da população rural total (30.7 milhões de pessoas) eram classificadas como pobres (renda per capita mensal de até 1/2 salário mínimo, que em valores de setembro de 2009 correspondia a R$ 207,50); e 8.1 milhões de pessoas eram classificadas como extremamente pobres (renda per capita mensal de até 1/4 salário mínimo, que em valores de setembro de 2009 correspondia a R$ 103,75). Isso significa que no ano de 2009 aproximadamente 54% da população rural total era enquadrada como pobre. A distribuição espacial da pobreza rural revela que 53% do total de pessoas classificadas como pobres viviam no Nordeste, sendo que a mesma região respondia também por 70% do total de pessoas extremamente pobres.

IHU On-Line – A formação histórica da economia rural brasileira continua sendo um dos principais fatores responsáveis pela pobreza rural?

Lauro Mattei – Caio Prado Júnior costumava resumir esse debate através da seguinte expressão: “somos hoje o que nós éramos ontem”. Na verdade, ao discutir a formação histórica da economia rural brasileira, esse autor entendia que a mesma se assentou em três pressupostos básicos: monocultura em grandes propriedades; relações de trabalho escravocrata; e produção voltada para o exterior. E é a partir desses três elementos que podemos encontrar os determinantes da pobreza rural, inclusive nos dias atuais.
Diversos estudos realizados recentemente em diferentes regiões do país comprovaram uma questão indiscutível: a pobreza rural tem sua maior expressão nos espaços geográficos dominados pelos latifúndios, locais onde se observam elevados índices de concentração da terra. Nestes locais, as privações (água, terra, mercados, bens públicos) destacam-se como determinantes essenciais da pobreza rural. Em todos esses espaços verifica-se um fenômeno correlacionado: as microrregiões com maior concentração de terras são exatamente aquelas que apresentam os maiores índices de pobreza rural.

Além disso, no caso brasileiro a pobreza rural também está fortemente associada ao rápido processo de industrialização e de urbanização do país ocorrido a partir da segunda metade do século XX, o qual revelou uma grande contradição: por um lado verifica-se que ocorreu uma forte expansão da produção física de mercadorias em todas as atividades econômicas, mas por outro foram estabelecidos mecanismos que restringiram o acesso a esse conjunto de bens produzidos, o que proporcionou um alto grau de exclusão social, cujo resultado mais visível é a existência até os dias de hoje de elevados índices de pobreza.
Por mais que as teses “produtivistas” defendam que o país já resolveu o problema da produção agropecuária sem precisar fazer qualquer reforma em sua estrutura agrária – porém sem resolver o problema da pobreza –, trata-se de afirmar que a questão agrária brasileira não pode ser relegada a um segundo plano quando se definem e se implementam políticas públicas com o objetivo de erradicar a pobreza, seja ela extrema ou qualquer outra expressão que se queira utilizar.

IHU On-Line – Que cenários se vislumbram para o meio rural do país nos próximos anos?

Lauro Mattei – Vimos que o desenvolvimento rural brasileiro, especialmente no pós-guerra, foi implementado de forma subordinada aos interesses dos grandes proprietários que faziam da exploração extensiva das terras e da exploração intensiva da mão de obra a essência do seu processo de acumulação de riqueza. Esse modelo produtivo assentou-se no paradigma da “Revolução Verde” que, em essência, buscava a artificialização do ambiente natural, de tal forma que o homem fosse capaz de dominar as variáveis naturais e, com isso, homogeneizar os sistemas produtivos para facilitar sua manipulação. A consequência foi que aos poucos os tradicionais sistemas de exploração agrícola foram sendo substituídos por grandes explorações com monoculturas mecanizadas, tornando a atividade agrícola dependente de fatores externos a ela. Ao mesmo tempo buscou-se reduzir ao máximo a dependência do fator de produção relativo ao trabalho humano.

Paralelamente a isso, observa-se que parte da agricultura tradicional seguiu a lógica das policulturas e da diversificação produtiva, combinando a produção agrícola com a criação de animais. Nesse caso, observa-se que a diversidade de culturas se contrapõe ao modelo da monocultura. Para isso, predominam unidades produtivas com uso intenso do trabalho familiar e com menor dependência de insumos externos. Quando apoiado adequadamente, este sistema responde com significativos aumentos de produtividade e de produção, conforme foi recentemente documentado pelo Censo Agropecuário do IBGE (2006).


Sistema dual 

Com isso conformou-se um sistema dual de desenvolvimento rural, porém com enormes diferenças entre si. Teoricamente essa diferença poderia ser reduzida, caso as políticas públicas fossem direcionadas no sentido de combater essas contradições. Todavia, em função da realidade econômica e, especialmente, da forma de representação política atual, imagino um cenário futuro em que essas distâncias tendem a se aprofundar. E uma das principais razões que suportam essa hipótese diz respeito ao fato de que a questão da reforma agrária praticamente saiu da agenda de prioridades do atual governo.
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