quinta-feira, 2 de agosto de 2012

ICMBio: servidores divulgam carta aberta contra recorte de UCs


Ilustração de como será a Usina de Cachoeira dos Patos, uma das usinas que formará o complexo hidrelétrico de Tapajós. (Imagem: Eletrobras)
Chefes das Unidades de Conservação que tiveram sua área alterada para viabilizar o complexo hidrelétrico de Tapajós e analistas ambientais do ICMBio encaminharam carta aberta à Silvana Canuto, Diretora de Planejamento, Administração e Logística do Instituto Chico Mendes, contra as alterações feitas e afirmam que não há estudos preliminares que justifiquem a mudança do tamanho das unidades. A carta, finalizada na segunda-feira (23/07), tem duas páginas e foi assinada por 15 servidores do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, autarquia que rege as unidades de conservação do país. Procurado por ((o))eco, o presidente do ICMBio, Roberto Ricardo Vizentin, afirmou que a manifestação é legitima, mas rebateu dizendo que os estudos já foram iniciados. 

A opinião oficial do ICMBio não é a mesma dos gestores dessas unidades: “Somos todos contra [as alterações nos tamanhos da UCs]”, afirma Maria Lucia Carvalho, chefe do Parque Nacional da Amazônia. “A população leiga acredita que temos a mesma posição, que apoiamos a obra, quando não. Estamos lutando contra ela”. 

Não é a primeira vez que os gestores das unidades de conservação afetadas se unem para protestar contra as alterações feitas e a possibilidade da construção do complexo hidrelétrico de Tapajós. Desde o ano passado eles já emitiram parecer, nota técnica e carta aberta contra as mudanças. A carta divulgada essa semana é a terceira: "A carta aberta foi entregue à nossa Diretora [Silvana Canuto], por ocasião de sua visita à região, mas não foi dirigida à mesma. É uma carta aberta a todos os brasileiros, inclusive à Diretora e ao Presidente do ICMBio", retificou Maria Lúcia.

Os servidores do ICMBio consideram grave a ausência de transparência e de estudos sobre os impactos diretos e indiretos do empreendimento. Na carta, eles dizem:

"Sequer foram considerados significativos desdobramentos, como por exemplo, a necessidade de realocação de mais da metade dos 112 km da rodovia transamazônica que corta a PARNA da Amazônia que serão alagados. Entendemos que a compreensão dos impactos, bem como o licenciamento do empreendimento, não pode ser tratada de forma fragmentária, negligenciando as dimensões reais das consequências de todo o complexo. Os registros feitos até o momento apontam altíssima biodiversidade, com considerável taxa de endemismo e grande representatividade de espécies ameaçadas de extinção. Dessa forma, afirmamos que não há estudos sobre biodiversidade suficientes para embasar qualquer manifestação sobre perdas e estratégias de manejo e conservação supletivas
".

A construção de hidrelétricas na bacia do Rio Tapajós tem tudo para ser a principal polêmica ambiental nos próximos anos, mais acirrada até do que a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte.

Aréa alagada de 4 Belo Montes
A primeira das 5 usinas cotadas para ser construída será a Usina Hidrelétrica São Luiz do Tapajós, com capacidade de geração de energia 6.133 MW de energia.  A área alagada, de 722, 25 km², é 43% maior do que o reservatório de Belo Monte, com 503 km², com o agravante que o local onde ficará a usina é cortado pelo maior mosaico de unidades de conservação da Amazônia. A previsão é que o estudo de Impacto Ambiental esteja pronto até a metade do ano que vem.  Assim, o cronograma de construção da usina,prevista para entrar em operação em 2016, não se atrasa.

Levando em conta todas as 5 usinas que poderão ser construídas na bacia do rio Tapajós (o governoadmitiu ao jornal Valor Econômico que essas usinas podem ser revistas), será alagada uma área de 1.980 km², ou quase 4 vezes a área de Belo Monte. A energia produzida será de 10.682 MW (veja tabela), osuficiente para abastecer 28 milhões de residências. Para se ter uma ideia, Itaipu, a maior hidrelétrica do País, tem 14.000 MW de potência instalada, fornece 20% da energia consumida no Brasil e 94% do consumo paraguaio. 

Usinas do complexo hidrelétrico do TapajósTamanho da barragemEnergia gerada
UHE de São Luiz de Tapajós722,25 km²6.133 MW
UHE Jatobá646,30 km²2.338 MW
UHE Cachoeira de Caí420 km²802 MW
UHE Jamanxin74, 45 km²881 MW
UHE Cachoeira dos Patos116, 50 km²528 MW
Total1979,5 km²10.682 MW
Itaipu (como comparação)1 350 KM²14.000 MW

Presidente do ICMBio rebate
Procurado por ((o))eco, o presidente do ICMBio, Roberto Ricardo Vizentin, afirmou que os estudos de impacto ambiental e viabilidade dos empreendimentos só estão sendo realizados agora, porque antes havia as demarcações das unidades de conservação, o que proibia a realização desses estudos: “É importante que o público saiba que ainda não licenciamos nenhum empreendimento, nenhuma hidrelétrica e nenhum lago. As desafetações foram feitas de maneira formal, para que se possa estudar o potencial hidrelétrico da região. Os estudos de viabilidade técnica e impacto ambiental serão feitas e serão analisadas com o rigor técnico exigido. Esse é uma preocupação nossa, que será cumprida”, prometeu.

Os gestores afirmam na carta que a desafetação das UCs na bacia do rio Tapajós para dar lugar às hidrelétricas “subverte gravemente as normas constitucionais de proteção ao patrimônio ambiental e os princípios fundamentais de gestão das unidades de conservação”.  

Floresta Nacional de Crepori, teve 856 hectares diminuídos para viabilizar a construção da usina de Jatobá. (Foto: ICMBio)
Em respostas, Vizentin explicou que a área desafetada é muito pequena comparada à área total das UCs: “Há uma preocupação dos servidores, legítima, quanto à preservação da biodiversidade. É uma preocupação muito correta e será devidamente observada. No nosso atendimento, não há afirmação técnica que a área perdida afete a função do parque de proteção da biodiversidade. Essa opinião não tem base técnica”.

No caso do Parque Nacional de Amazonas, 70% da área destinada à visitação será atingida, pois as trilhas, passeio de barco e outros locais destinadas ao público que consta no plano de manejo do parque estão na margem do rio Tapajós, de acordo com informações passadas por Maria Lucia Carvalho, chefe da unidade.

Garimpos podem avançar
Outra preocupação é sobre os garimpos já existentes na área desafetadas nas Florestas Nacionais do Crepori, Itaituba I e Itaituba II. Com o alagamento da região, os garimpeiros procurarão outro lugar, avançando sobre a área preservada: “É uma grande preocupação nossa. São muitos garimpeiros que já estavam na região antes da criação das unidades. A área do garimpo ser alagada fará com que eles avancem sobre as áreas protegidas. E é difícil ter controle, é uma multidão de garimpeiros, que tiram sua sobrevivência do ouro”, afirma Maria Lucia Carvalho.

Os estudos de impacto ambiental estão sendo realizados nesse momento e deverá ficar pronto em pelo menos um ano. Mais de 96 pesquisadores estão coletando dados.

MP da desafetação 
O passo inicial para tirar o projeto da gaveta de aproveitamento hídrico para geração de energia foi a publicação da Medida Provisória 558, editada no dia 6 de janeiro, a primeira desse ano do governo Dilma. A MP tramitou na Câmara, onde sofreu alteração, passando para oito unidades de conservações atingidas.A versão do Planalto era de sete unidades. Duas semanas depois, a MP é aprovada com louvor pelo Senado, 68 votos a favor e 3 contra. No dia 26 de junho, menos de uma semana depois do término da Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, o Diário Oficial pública alei nº 12.678.

A Procuradoria Geral da República impetrou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) em fevereiro, contra a Medida Provisória 558. Até agora a ação não foi julgada pelo Supremo Tribunal Federal. 
Veja a íntegra da carta.

*Editada 30/07 - às 13:20h. Diferentemente do que afirmamos anteriormente, os garimpos na região das florestas do Crepori, Itaituba I e Itaituba II não são regularizados: "Com relação aos garimpos, nenhum deles é legalizado. A pretensão das chefias das Florestas Nacionais (FLONAS) onde eles são permitidos, é que haja um ordenamento, uma legalização, e consequentemente, que a atividade não seja uma porta para escoamento de dividendos sem que isso gere renda efetiva e maior desenvolvimento na região de origem dessa riqueza", afirmou por email Maria Lúcia Carvalho, chefe da Parna da Amazônia.

Daniele Bragança
http://www.oeco.com.br

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