quinta-feira, 30 de maio de 2013

Falta gestão, mas alternativas surgem para a conservação dos ecossistemas marinhos

Nesta terceira matéria da série Oceanos, apresentamos um panorama de como anda a gestão dos nossos mares e algumas novidades, como a contribuição das análises forenses no combate à pesca ilegal


Assim como na questão agrícola, a produtividade do ambiente marinho é tratada no Brasil em total dissociação com políticas de conservação e planejamento para o desenvolvimento, é o que mostrou Jorge P. Castello, do Instituto de Oceanografia da Universidade Federal do Rio Grande (FURG)6.
Mesmo com os estoques pesqueiros comprovadamente sobreexplotados, o governo federal traçou uma meta através do Plano Safra de alcançar a produção de dois milhões de toneladas de pescado (marinho, água doce e cultivado) até 2014. Aquicultura e novas tecnologias são as ferramentas.
Entretanto, se os estoques estão entrando em colapso, o aumento do esforço de captura com o uso de novas tecnologias apenas mascara a realidade: estamos caminhando para um futuro próximo extremamente crítico.
A essa situação fora de controle, somam-se dezenas de problemas no setor pesqueiro, como o abandono do pescador artesanal em benefício do industrial, a outorga de carteiras de pescador a quem não exerce a atividade, a gestão das instituições por pessoas com interesses político-partidários e industriais, entre outros.
“Pode-se dizer que no presente ainda não temos gestão pesqueira funcional no Brasil”, lamenta Castello. Ele traz os exemplos “bem sucedidos” de manejo dos recursos pesqueiros na costa oeste dos Estados Unidos e Canadá, na Austrália e na Nova Zelândia.
“Em todos esses casos tratam-se de recursos dentro da Zona Economia Exclusiva de um ou dois países, com acesso controlado e alguma forma de propriedade do bem natural (o recurso) e um bom sistema de governança”, explica.
“Em função disso, as perspectivas parecem-me pouco auspiciosas. Falta ainda alcançar um maior grau de conscientização do público em geral, dos usuários e dos tomadores de decisão em particular”, conclui.
Enquanto o planejamento e a gestão demoram para ser efetivados no Brasil, ações de fiscalização se tornam imperativas para fazer valer as poucas regras que existem sobre o setor pesqueiro.
Inovação tecnológica
Já que as formas para burlar as regras que tentam conter o avanço do setor industrial sobre os recursos marinhos são cada vez mais variadas, avanços no setor de genética molecular e biotecnologia são elementares.
Por exemplo, um estudo realizado por pesquisadores da Universidade Federal do Pará utilizou sequenciamento genético para avaliar a venda de pescado em mercados de Vigia e Bragança e revelou que 55% das amostras analisadas eram provenientes de captura ilegal. A principal vítima era o peixe serra (Pristis perotteti), criticamente ameaçado de extinção. 
“Esses resultados mostram que a fiscalização da pesca e o monitoramento não tem sido efetivos na proibição do comércio dessa espécie altamente ameaçada”, concluem os pesquisadores.
Avaliações recentes têm colocado em destaque os números alarmantes de espécies altamente exploradas, como os tubarões, cujas populações remanescentes equivalem a cerca de 10% do que havia no início da década de 1980. Nesse período houve uma retomada do costume chinês de servir sopas de barbatana de tubarões e raiais como uma forma de afirmar seu status social.
Atualmente, um quilo de barbatana custa entre US$ 500 e US$ 1 mil, comentou Fausto Foresti, do Instituto de Biociências de Botucatu. Assim, todos os países que têm pesca iniciaram a captura de tubarões. Grande parte realiza o finning, uma técnica cruel na qual a barbatana é retirada do animal, que é jogado ainda vivo de volta ao mar para morrer agonizando.
O resultado: Segundo a lista vermelha da IUCN de 2012, no Brasil 31 espécies de tubarão e raia estão em estado menos preocupante, 24 estão vulneráveis, oito estão ameaçadas, 29 criticamente ameaçadas, duas foram extintas e incríveis 59 não tinham dados suficientes para avaliação. Cerca de 256 mil tubarões são mortos por dia ao redor do mundo, segundo Foresti.
O pesquisador coloca que há vários entraves para a avaliação da pesca, como a similaridade morfológica entre as espécies e a prática do finning e da dilaceração antes do desembarque.
Recentemente, em lotes de nadadeiras de tubarões que seriam exportadas para a China e foram apreendidas pelo IBAMA7, cerca de 45% do total das amostras analisadas eram de espécies cuja pesca não é permitida, como o tubarão-martelo e galha-branca. O lote somava oito toneladas ou cerca de 12 mil barbatanas, relata Foresti.
O comércio de tubarões no Brasil não é proibido, mas os animais precisam ser identificados, existem regras, explica. Por exemplo, as carcaças não podem ser descartadas justamente para evitar o finning e permitir a identificação dos animais.
Da mesma forma, estudos realizados7 entre o sul da Bahia e o Uruguai mostraram a captura contínua da raia-viola (Rhinobatos horkelli), espécie ameaçada e protegida pela legislação brasileira. O estado de Santa Catarina foi o que mais surpreendeu pela quantidade de pesca: todas as raias coletadas no estado eram dessa espécie, sendo que a média dos outros estados foi de 56%.
Foresti aponta também um programa que está sendo desenvolvido junto ao Ministério Público Federal no Rio Grande do Sul para a identificação genética de espécies vendidas em duas grandes redes de supermercados.
O Instituto Justiça Ambiental (IJA) encabeçou a ação que pedia a suspensão liminar da venda de postas de cação em dois supermercados das redes Walmart e Carrefour em Porto Alegre. (Mais informações).
Foresti relata que o Ministério do Meio Ambiente também tem planos de incluir a identificação genética como um padrão na fiscalização do desembarque e comércio de pescados.
A biotecnologia se mostrou uma grande aliada dos esforços de fiscalização e, consequentemente, da conservação. A tendência é que, com a popularização e a enorme redução de custos que vêm sofrendo, as novas ferramentas sejam muito aplicadas e isso, de fato, já parece estar acontecendo.
Citações:
6.    Castello, Jorge P. A pesca no Brasil. Passado, presente e futuro. In: Congresso Brasileiro de Biologia Marinha, 4º  edição, 2013. Florianópolis. Anais. Associação Brasileira de Biologia Marinha, 2013. 194 p.
7.    Foresti, Fausto & Mendonça, Fernando F. Identificação forense de elasmobrânquios pescados no Brasil. In: Congresso Brasileiro de Biologia Marinha, 4º  edição, 2013. Florianópolis. Anais. Associação Brasileira de Biologia Marinha, 2013. 194 p.

Crédito Imagens: Fabrício Basílio

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