quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Trabalho Escravo: Ano novo, tragédia velha

Foto: Divulgação MPT/AM
Em setembro do ano passado 31 trabalhadores que
 atuavam em condição análoga a da escravidão foram resgatados em uma 
carvoaria na região de Rondon do Pará, a 150 km de Marabá. Autor: Foto: 
Divulgação MPT/AM
Em setembro do ano passado 31 trabalhadores que atuavam em condição análoga a da escravidão foram resgatados em uma carvoaria na região de Rondon do Pará, a 150 km de Marabá.


Em decisão liminar, STF suspende a publicação da nova “Lista Suja” do Trabalho Escravo, deixando trabalhadores e o mercado vulneráveis a empresas infratoras.

A publicação da nova versão da “Lista Suja” do Trabalho Escravo, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que deveria acontecer no último dia 30, foi suspensa graças a uma ação movida pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) junto ao Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão liminar foi expedida pelo ministro Ricardo Lewandowski, em caráter emergencial, durante o recesso de Natal. Com isso, empresas e instituições financeiras que utilizam a ferramenta para eliminar o trabalho escravo de seus negócios ficam descobertas até que o STF julgue em definitivo o processo.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade 5209 (Adin 5209) foi protocolada no STF em 22 de dezembro de 2014. Mesmo com o recesso de Natal, em apenas cinco dias (27), o ministro Lewandowski deferiu uma liminar determinando a suspensão da publicação do cadastro. Com a decisão, as portarias interministeriais que regulamentam o processo de inclusão dos nomes e de divulgação da lista, ficam suspensas. A decisão tem caráter provisório e pode ser derrubada caso a decisão definitiva do STF seja desfavorável à ação ou se a liminar for cassada até lá. O tribunal só retornará do recesso em fevereiro.

“É inadimssível que no início de um novo ano tenhamos que lidar com uma decisão que representa tudo que há de mais velho e horrível na história do Brasil”, classifica Rômulo Batista, da campanha da Amazônia do Greenpeace.

A última lista, publicada em julho de 2014, continha 609 nomes de empresários flagrados com trabalhadores atuando em condições análogas a da escravidão. Destes, 380 eram de estados da Amazônia Legal, sendo que 10% foram multados por desmatamento ilegal nos últimos cinco anos. A nova lista, que deveria ter sido publicada no penúltimo dia de 2014, traria quase 100 nomes adicionais, chegando perto de 700 empregadores que utilizam mão de obra escrava ou análoga a escravidão, segundo apurou o site Repórter Brasil.

A suspensão aconteceu no mês em que a “lista suja” recebeu um prêmio da Controladoria-Geral da União (CGU), na categoria de boas práticas da transparência.

Em nota, a Abrainc informou que agiu contra a inclusão de suas associadas na lista por considerar as portarias inconstitucionais, assim com o processo de inclusão dos nomes.

Conceito de Trabalho Escravo na mira do “progresso”

Decisões como esta do STF colocam o Brasil mais próximo de seu passado sombrio do que de um futuro promissor. Um tempo em que empresários que desmatavam, escravizavam e destruíam eram colocados em pé de igualdade com empresas responsáveis e que respeitavam os direitos socioambientais do País.

Mas a ofensiva contra a “lista suja” do trabalho escravo não é exatamente uma novidade. Durante 2014 a chamada bancada ruralista do Congresso trabalhou intensamente para tentar desconstruir os avanços garantidos pela PEC do Trabalho Escravo, aprovada no ano passado – depois de 19 anos de debates. A emenda à Constituição possibilita o confisco de terras de proprietários flagrados com trabalhadores atuando em condição análoga a escravidão. Mas agora, em sua fase de regulamentação, representantes do agronegócio tentam enfraquecer a proposta.

O projeto de regulamentação apresentado pelo senador Romero Jucá propõe a retirada dos termos “praticas humilhantes e degradantes” do conceito oficial de trabalho escravo, além de tornar mais difícil a inclusão de nomes de proprietários infratores na lista do MTE, que só poderiam ser inseridos depois de esgotadas as possibilidades de apelação judicial, o que pode levar até 20 anos no sistema judiciário brasileiro. Atualmente, basta o empregador ter sido flagrado e autuado em uma operação de fiscalização do MTE.

Mercado pode ser contaminado pelo trabalho escravo durante suspensão

As empresas que assinaram o Compromisso Público da Pecuária e a Moratória da Soja utilizam a lista do MTE para manter o trabalho escravo longe de suas cadeias produtivas, boicotando aqueles que constam no documento. Da mesma maneira, mais de 400 companhias de diversos setores utilizam a ferramenta para cumprir o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo.
Dos 609 nomes incluídos na última versão da lista, a maioria (27%) está no Pará. O Pará foi o estado da Amazônia Legal que mais desmatou em 2014. De acordo com o PRODES, foram perdidos 1.820 km2 de florestas no ano passado no estado. Segundo o MTE, a atividade pecuária é exercida por 40% dos empresários flagrados em todo o País, seguida da produção florestal (25%) e da agricultura (16%).

Manter fora do mercado empresários que cometem ilícitos sociais e ambientais deve ser uma prioridade do governo brasileiro. Mas enquanto a publicação da nova lista encontra-se bloqueada pela justiça, o mercado pode estar adquirindo, sem saber, produtos de empresas que mantém trabalhadores em condições análogas a da escravidão.

“A suspensão da publicação da nova lista e a retirada do site da lista antiga representam uma ameaça real às empresas e pessoas que não adquirem produtos e serviços de quem se encontra no cadastro. Por sorte, a última lista, que ficou disponível até 26 de dezembro, foi amplamente divulgada e ainda pode ser consultada. Afinal, o Brasil ainda é um País livre”, conclui Rômulo.

por Redação do Greenpeace

* Publicado originalmente no site Greenpeace.
http://www.forumcarajas.org.br/index.php

Nenhum comentário:

Postar um comentário