Confira artigo de Diogo Cabral e Inaldo Serejo, da CPT Maranhão, sobre os assassinatos no campo em 2012, que já somam 14 pessoas. Violência e impunidade incentivam o capital a manter a violência contra camponeses e camponesas em todo o Brasil.
1. INTRODUÇÃO
O presente dossiê, baseado num
levantamento sobre violências no campo ocorridas em 2012 no Brasil,
objetiva apresentar uma série de fatos que exemplificam a real situação
do conjunto dos trabalhadores rurais, quilombolas, ribeirinhos,
indígenas, sem terra e outros, historicamente submetidos a um processo
de violência em todos os campos (físico e simbólico). Essas violências
tornam visível uma série de violações que a União e agentes privados
cometem contra esses grupos sociais.
2. VIOLÊNCIAS E OMISSÕES DO ESTADO BRASILEIRO FACE AOS DIREITOS HUMANOS DO CONJUNTO DOS TRABALHADORES DO CAMPO
Nos quatro primeiros meses de 2012, o
Brasil contabiliza 14 assassinatos de lideranças rurais, camponeses e
índios, um aumento de 75%, em relação ao mesmo período do ano passado.
Esta onda de assassinatos de defensores
do Bem Viver se associa com ameaças de morte contra lideranças
camponesas, quilombolas, extrativistas e indígenas, num processo
coordenado pelo agrobanditismo, com anuência do Governo Federal, que
abandonou a política de reforma agrária, titulação de territórios
quilombolas e demarcação de terras indígenas e passou a investir
massivamente no agronegócio, a quem disponibiliza recursos bilionários.
A onda de violência tem como cenário um
Brasil cujos deputados e senadores aprovaram o Código Florestal do
Desmatamento, alinhados à bancada ruralista com apoio da base do Governo
Dilma; um Brasil que viu a Comissão de Constituição e Justiça, CCJ, da
Câmara Federal, aprovar a PEC 215[3],
que quer transferir a competência do reconhecimento das áreas indígenas
do Executivo para p Legislativo; e que vê sendo votada a ADIN 3239, dos
Democratas, que visa tornar inconstitucional o Decreto 4887/2003[4] que estabelece os critérios para o reconhecimento dos territórios quilombolas.
Os assassinatos e chacinas aqui
registrados ocorrem, em grande parte, nas áreas de expansão da fronteira
agrícola brasileira. Com o deslocamento da fronteira agrícola nacional e
consequente expansão da mesma, ocorre uma multiplicação de conflitos
territoriais, representados por ações jurídicas de reintegração de
posse, derrubada das florestas, intimidações, ameaças de morte,
tentativas de homicídio e assassinatos, muitos destes com a participação
de agentes estatais, como policiais, juízes, donos de cartório,
prefeitos e deputados, agravando o quadro de violência.
A extensão dos conflitos violentos, não
sendo um dado contingente pode se tornar uma ação genocida, entendida
enquanto extermínio físico de uma determinada categoria social,
simbolizada tanto por indígenas, quanto por posseiros e sem-terra. Esta
ação pode se tornar ainda etnocida pela destruição sistemática dos
recursos naturais e dos meios de vida, que asseguram a reprodução física
e social de uma dada etnia[5].
Em 2011, a Comissão Pastoral da Terra
encaminhou à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República
extensa lista com várias pessoas ameaçadas de morte, de modo particular
na Amazônia. Infelizmente, não houve qualquer ação eficaz suficiente
para dar garantia de segurança aos ameaçados. Prova é que uma das
vítimas de execução estava nas listas encaminhadas pela CPT à SEDH-PR.
Os assassinatos ocorridos em 2012
repetem a mesma violência extrema contra os trabalhadores que se arrasta
há décadas. Nos meandros deste sistema agrário repressivo a violência
tornou-se um instrumento tão efetivo de controle e coerção, quanto a
única forma de comunicação entre as estruturas de poder e os segmentos
camponeses e indígenas. A força bruta e os constrangimentos físicos
constituíram-se numa forma de relação legitimada, de maneira implícita
pelos aparatos de poder. A banalidade das chacinas, tornadas rotineiras e
a inexistência de medidas efetivas para a apuração dos delitos e para a
transformação da estrutura fundiária tornam-se um corolário desse
sistema repressor da força do trabalho.[6]Trabalhadores
rurais denunciam a existência de grupos de extermínio no campo, de
associações de pistoleiros, de valores de tabela para cada serviço e o
Estado Brasileiro permanece inerte.
Como exemplo dessas violações, pequenas
comunidades que vivem do extrativismo em reservas legalmente
reconhecidas no sul do município de Lábrea, no sudeste do estado do
Amazonas, têm estado na mira de madereiros e grileiros. Os líderes
dessas comunidades têm sido vítimas de espancamentos, ameaças, ataques
incendiários e roubo de propriedade, na tentativa de forçá-los a sair de
suas terras. Muitos fugiram da região temendo por suas vidas. Depois de
ter denunciado a situação, Dinhana Nink foi morta a tiros na frente de
seu filho em uma cidade vizinha do estado de Rondônia, para onde ela
havia se mudado depois que sua casa no sul de Lábrea foi incendiada. Sua
amiga Nilcilene Miguel de Lima, líder comunitária que tinha tornado
pública a invasão de exploradores ilegais de madeira nas reservas, foi
espancada e ameaçada com uma arma, e teve sua casa incendiada enquanto
estava fora.[7] Em
03 de janeiro de 2012, após retornar da Delegacia de Polícia de
Itapecuru-Ma, quando prestava depoimento sobre ameaças de morte e
perseguições no Território Aldeia Velha, Pirapemas-MA, o quilombola João
Batista, no momento do retorno ao Território, por volta das 19 horas,
foi perseguido por dois homens numa moto. Teve que se esconder no mato,
para não ser morto pelos perseguidores. Durante alguns minutos, os
ocupantes da moto rondaram a área em que se escondia João Batista,
anunciando que “ ele não escaparia”.
As violações aos direitos humanos de
índios, ribeirinhos, quilombolas e camponeses são decorrência da
estrutura agrária injusta e violenta em si mesma, enquanto produtora
massiva de miséria, fome, desesperança e dor. Em outubro de 2009, foram
divulgados oficialmente os resultados do Censo Agropecuário de 2006, do
IBGE, evidenciando as desigualdades que marcam a estrutura fundiária
agrária com um nível de concentração de terra cada vez mais grave.
Consoante os dados do IBGE, enquanto os estabelecimentos de menos de 10
hectares ocupam 2,36% da área agrícola, os estabelecimentos com mais de
1.000 hectares concentram 44,42% da área. O índice de Gini, que é uma
medida internacional de desigualdade, chegou no meio rural a 0,854 muito
próximo aos dos anos de 1985 (0,857) e de 1995 (0,856). Quanto mais
perto do nº 1, maior a desigualdade[8].
3.CONCLUSÃO
A violência no campo está diretamente
associada à concentração da terra. A sua superação só é possível com a
democratização do acesso à terra através da realização de uma política
de reforma agrária, titulação de terras de quilombos e demarcação e
homologação das terras indígenas que desconcerte de fato a atual
estrutura fundiária. Além disso que é preciso que os ameaçados incluídos
no Programa de Defensores dos Direitos Humanos sejam verdadeiramente
protegidos pelo Estado Brasileiro. Os primeiros meses de 2012 atestam
que a violência está aumentado assustadoramente. Em razão das políticas
adotadas pelo governo Dilma contra quilombolas, índios, camponeses, sem
terra, associadas à sua leniência em estabelecer mecanismos capazes de
proteger a vida de lideranças do meio rural, mais mortes poderão ocorrer
no campo em 2012.
ASSASSINATOS EM 2012
MINAS GERAIS
VALDIR DIAS FERREIRA E O CASAL MILTON SANTOS NUNES E CLESTINA LEONOR SALES NUNES
Valdir Dias Ferreira,40 anos e o casal
Milton Santos Nunes,52 anos, e Clestina Leonor Sales Nunes,48 anos,
foram executados com tiros na cabeça na tarde de 24 de março de 2012.
Somente o neto do casal, uma criança de cinco anos, sobreviveu e só não
foi morto porque ficou embaixo do corpo de Clestina, logo que ela foi
alvejada. As três vítimas eram acampadas da Fazenda São José dos Cravos,
em Prata, na região de Uberlândia, junto com outras 80 famílias. A
polícia suspeita que os três companheiros foram executados por uma
milícia ligada aos proprietários da fazenda. Silva e Clestina
participaram de um protesto realizado em janeiro deste ano, em Belo
Horizonte, com cartazes que dizem: “Este crime não pode ficar impune!”,
em referência à chacina de Unaí (cerca de 600 km de Belo Horizonte).
PERNAMBUCO
ANTÔNIO TININGO
Numa sexta-feira, 23 de março, o
trabalhador Antônio Tiningo foi vítima de uma emboscada quando se
dirigia para o acampamento da fazenda Açucena, no município de Jataúba
(PE). Tigingo era uma das lideranças do MST da região. Ele coordenava o
acampamento que já estava ocupado há três anos.
PEDRO BRUNO
Em 2 de abril de 2012, o trabalhador
rural Sem Terra Pedro Bruno foi assassinado com vários tiros, próximo ao
engenho Pereira Grande, no município de Gameleira, Zona da Mata Sul de
Pernambuco. Pedro Bruno era assentado no Assentamento Dona (Margarida
Alves), e se dirigia a outro assentamento, Frescudim, ambos também no
município de Gameleira, quando foi alvejado por vários tiros de arma de
fogo. O MST acredita que o assassinato de Pedro Bruno tenha sido uma
retaliação à reocupação do engenho Pereira Grande, que ocorreu na
madrugada de 1º de abril de 2012.
RONDÔNIA
RENATO NATHAN GONÇALVES PEREIRA
Renato Nathan Gonçalves Pereira
(professor Renato) foi assassinado covardemente no dia 09 de abril de
2012 em Jacinópolis-Ro. Renato era um apoiador das comunidades
camponesas em Rondônia, trabalhando pela alfabetização e estruturação de
escolas no campo. Trabalhou na Escola Família Camponesa em Corumbiara,
região onde aconteceu um dos mais graves massacres de camponeses na
história do Brasil, a fazenda Santa Elina, diretamente promovido pelo
Estado, em 1995. Ele ajudou a dar assistência às vítimas. Depois,
trabalhou na criação de outras Escolas Populares por toda Rondônia. Ele
sempre apoiou a organização do povo, como na construção de pontes e
estradas e exigindo serviços de saúde e eletricidade. De acordo com
relatos, ele retornava para casa no dia 9 de abril, quando foi parado em
um bloqueio e covardemente assassinado por agentes de polícia
disfarçados. Ele foi executado com três tiros à queima roupa, dois na
nuca e um no rosto. Sua moto foi encontrada com o capacete ainda no
guidom, portanto, uma clara demonstração de que teria sido rendido e
depois executado. Segundo moradores, o motivo seria uma provável
vingança contra a morte de um agente penitenciário e um policial civil
dias antes. Segundo informações, os policiais estariam envolvidos em
vários crimes e assassinatos de trabalhadores e camponeses na região de
Buritis a mando de latifundiários e grileiros de terra.
GILBERTO TIAGO BRANDÃO
Gilberto Tiago Brandão, liderança do
Acampamento Canaã II, no dia 23/02/2012, foi vítima de emboscada e
alvejado pelas costas com balas de espingarda calibre 12, disparadas por
um homem que usava capacete e jaqueta de cor escura. O crime acontece
nas proximidades do Distrito do 5º BEC (Batalhão de Engenharia de
Construção do Exército), quando a vítima voltava do Acampamento Canaã,
situado em área de conflito com a fazenda Paredão. Gilberto foi
socorrido e levado com vida para o hospital João Paulo II, em Porto
Velho, porém não resistiu aos ferimentos, vindo a falecer no dia
25/02/2012.
Consta que um japonês que foi
vice-prefeito do Vale do Anari reivindica a propriedade da fazenda
Paredão, a qual está ocupada por um grupo de 20 (vinte) famílias.
ERCIAS MARTINS DE PAULA
Ercias Martins de Paula, outra liderança
do Acampamento Canaã II, foi assassinado, no dia 012 de março de 2012.
Consta que o crime também está relacionado a conflitos com a fazenda
Paredão.
AMAZONAS
DINHANA NINK
Incluída na lista de pessoas “marcadas
para morrer” da Comissão Pastoral da Terra (CPT), a extrativista Dinhana
Nink, de 27 anos, foi assassinada com um tiro no peito, dentro de sua
casa, em Nova Califórnia, município de Porto Velho (RO), dia 30 de
março. Ela foi executada com um tiro no peito, na frente de Tiago, seu
filho de seis anos. Dinhana era ocupante de uma área no Ramal Mendes
Júnior, PDS Gedeão, município de Lábrea, AM, tendo saído de lá por
receber ameaças e por ter tido sua casa queimada. O pai de Dinhana,
Ermelindo Nink, disse que o barraco de Dinhana foi queimado a mando de
uma mulher suspeita de extração ilegal de madeira e grilagem de terras.
Dois suspeitos do assassinato foram detidos, mas liberados após
prestarem esclarecimentos.
MARANHÃO
FRANCISCO DAS CHAGAS GUAJAJARA
Francisco da Conceição Souza Guajajara,
34 anos, agente indígena de saúde, foi executado com quatro (04) tiros
na cabeça na porta de sua casa, por dois pistoleiros numa moto, fato
ocorrido às 18:30, na cidade de Grajaú, no dia 9 de março de 2012.
Francisco Guajajara debatia entre os Guajajaras de sua aldeia, situada
na Terra Indígena Bacurizinho, a constituição de mais um pólo indígena
com outras lideranças. Além disso estava envolvido no processo de
denúncia contra invasores da Terra Indígena Bacurizinho, extração de
madeira e tráfico de drogas.
RAIMUNDO ALVES BORGES
RAIMUNDO ALVES BORGES “Cabeça”,
liderança camponesa e presidente do Assentamento Terra Bela,
Buriticupu-MA, foi executado a tiros por pistoleiros, nas imediações de
sua casa, por volta de 14 horas, no momento que se dirigia para sua
residência, dia 14 de abril de 2012. Os assassinos, em moto dispararam 5
tiros contra o mesmo, que teve morte instantânea. O Sr. Raimundo Cabeça
fez várias denúncias contra criminosos que compravam e vendias terras
de assentamento, destinadas à reforma agrária. Além disso contra o Sr.
Raimundo havia várias ações de reintegração de posse, movidas por
grileiros de terra. Numa delas, a audiência de instrução e julgamento
estava marcada para o dia 9 de maio. A omissão do INCRA foi responsável
também pela morte desta liderança.
MARIA AMÉLIA GUAJAJARA
No dia 28 de abril, a cacique da aldeia
Coquinho II,Terra Indígena Canabrava, Grajaú-MA, Ana Amélia Guajajara,
de 52 anos, foi executada com 2 tiros por pistoleiros, que estavam numa
moto, fato ocorrido em frente à sua família, às 18:30, na sua Aldeia.
Ana Amélia e outras lideranças denunciavam o tráfico de drogas,
assaltos, exploração ilegal de madeira na Terra Indígena Canabrava
cometida por invasores.
PARÁ
EDVALDO DA SILVA, DIVALDINHO
O assentado Edvaldo da Silva,
“Divaldinho”, 35 anos, morador do P. A. Areia, em Itaituba, Pará foi
assassinado no dia 16.01.2012. Conforme denúncias feitas pela CPT,
“Divaldinho” foi assassinado por um pistoleiro conhecido como “Netão”,
que age sob as ordens de madeireiros que devastam as florestas da
região. Nesse contexto, várias pessoas estão ameaçadas de morte.
BAHIA
EDVALDO BISPO DE SANTANA
Edvaldo Bispo de Santana, conhecido por
Vardinho, 54 anos, casado com Maria Cerqueira, pai de 6 filhos, foi
assassinado, no dia 12.04.2012, com um golpe de estaca desferido por
Valmir Bispo Campos, 30 anos, filho do fazendeiro Emar Pinto Campos,
após discussão entre os dois pois o fazendeiro estava cercando o
principal acesso das famílias acampadas na fazenda Boa Esperança. Emar
alega que comprou parte da fazenda. Porém, as famílias que lutam pela
desapropriação da área dizem que o documento de compra e venda
apresentado é falsificado.
[3] A
PEC 215 inclui dentre as competências exclusivas do Congresso Nacional a
demarcação de terras indígenas e a ratificação das demarcações já
homologadas, que atualmente são atribuições da União e também titulação
de terras de quilombo
[4] O
decreto 4887/2003 estabelece os procedimentos de titulação das terras
de quilombo. Na votação da Adin, o Ministro-Relator Cesar Peluso deu
voto favorável ao DEM, pela inconstitucionalidade do Decreto. A votação
final ainda não tem data definida no STF
[5] Alfredo Wagner, Povos e Comunidades tradicionais atingidos por conflitos de terra e atos de violência
[6] Alfredo Wagner, Rituais de Passagem entre a Chacina e o Genocídio: conflitos sociais na Amazônia
[8]Alfredo Wagner,Povos e Comunidades tradicionais atingidos por conflitos de terra e atos de violência
http://www.cptnacional.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1089:ja-chega-de-tanto-sofrer-chacinas-e-massacres-no-campo-em-2012&catid=12:conflitos&Itemid=94
http://racismoambiental.net.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário