Breve
Contextualização
Os estudos sobre a capacidade de incidência da Bancada Ruralista no processo legislativo indicam para uma controvérsia de difícil solução. Há poucas análises que, baseadas em dados concretos, possam indicar se o grupo vem ou não perdendo forças, apesar de ter aprovado, nesta década, os principais projetos de seu interesse. Por isso, a proposta é realizar uma avaliação político-comparativo da votação do Substitutivo ao Código Florestal e do Projeto de Lei da Câmara (PLC[1]) N0 30/2011) para investigar se podemos ou não atribuir uma resposta à questão colocada.
Para isso, é necessário considerar, de início, que as diferenças entre os contextos históricos e políticos da Câmara dos Deputados (2011 e 2012) conduziram a articulações específicas. O objetivo do presente texto, portanto, é comparar as votações do Código Florestal, entremeada pela votação da Emenda de Plenário N0 164(2), que foi a mais significativa, e concluir se há ou não perda de potência articuladora por parte da Bancada Ruralista. Para isso, foi necessário contextualizar as votações e os acordos políticos realizados entre os ruralistas, o governo, partidos políticos, movimentos e organizações sociais e sindicais ao longo das sessões legislativas(3).
Votação Plenária do Substitutivo da Comissão Especial
No dia 24 de maio de 2011, foi colocado em votação o Substitutivo do relator-deputado Aldo Rebelo (PCdoB), originário do projeto de lei (PL) Nº 1.876/1999, do Deputado Sérgio Carvalho, que ao ser aprovado passou a tramitar com a designação de Projeto de Lei da Câmara (PLC Nº 30/2011). Para os parlamentares chegar ao PLC e sua votação final, a sociedade testemunhou a tramitação de uma proposta que demorou 12 anos para ser concluída. Esse tempo não foi um tempo de debate com os segmentos organizados da sociedade civil, sindical, científica e acadêmica, mas um tempo inerte onde o projeto ficou engavetado e a discussão obstruída pelos setores ruralistas.
O Substitutivo(4) colocado na Ordem do Dia da Câmara, em março de 2011, mobilizou, de imediato, setores ambientalistas, agrários e científicos que aportaram uma série de estudos e propostas aos parlamentares, partidos e governo. Diante de uma negociação intensa e pressionados pelos altos interesses em jogo os ruralistas acenaram ao governo um acordo onde a Emenda N0 164 seria retirada de pauta para viabilizar a aprovação do Substitutivo. Essa emenda, que representava uma radicalidade da Bancada Ruralista, não era aceita pelo governo federal que ameaçava a fechar questão(5) contra a aprovação do Substitutivo. Nestas condições dificilmente os ruralistas sairiam vitoriosos e, por isso, negociaram em troca da aprovação do Substitutivo a retirada da Emenda N0164.
O governo por diversos motivos, menos ingenuidade, acatou o acordo e votou junto com a Bancada Ruralista pela aprovação do Substitutivo ao Código Florestal. O PSOL e o PV foram os únicos partidos que mantiveram o voto contrário, além de algumas dissidências em outros partidos, em especial os da base do governo. Dessa forma, os ruralistas puderam festejar uma vitória demolidora onde conseguiram 86,5%, dos 474 parlamentares presentes, contra apenas 13,3% dos que se opuseram a proposta, conforme o Quadro 01.
Com essa votação arrasadora começava a escalada da estratégia dos ruralistas para a aprovação do Código Florestal de acordo com seus interesses. Pode-se observar no Quadro 01 que a diferença percentual entre os votos dos que acompanharam o relator e os que se opuseram foi de 73,2 pontos percentuais. A vitória da articulação ruralista foi inquestionável.
Quadro 01 – Votação do Substitutivo ao Código Florestal na Câmara dos Deputados (24/05/2011)
Fonte: Câmara dos Deputados. Elaboração: Inesc
Art. 17 do Regimento Interno: O presidente da Câmara é liberado de votar, exceto
no caso de escrutínio secreto ou para desempatar o resultado de votação ostensiva.
A vitória por uma diferença de 73,2 pontos percentuais embeveceu os ruralistas de tal forma que esqueceram o acordo ajustado com o governo. Avaliaram que a força de articulação provinha da legitimidade de suas propostas e não de uma sinalização do Executivo para que sua base de apoio acompanhasse o voto do relator.
O governo ao fechar o acordo para a retirada da Emenda de Plenário N0 164 com a Bancada Ruralista auxiliou o fortalecimento da imagem do grupo ruralista no Congresso, junto à sociedade e à mídia nacional e internacional. Esse simbolismo advindo de uma sociedade agropatriarcal é de especial apreço aos ruralistas na medida em que conota uma representação de prestígio e poder real. O acordo reforçou a imagem que a Bancada, desde seu início, vem trabalhando para construir.
Votação Plenária da Emenda N0 164
Na votação a Emenda N0164, que reduziria áreas de preservação no país ao regularizar a situação de ocupações ilegais em áreas de preservação permanente (APPs), como beira de rios, topos de morros e encostas que foram desmatadas ilegalmente, a Bancada "patriarcalmente” quebrou o acordo com o governo e manteve a proposta na pauta.
Nesta votação, mesmo com a mobilização da base governamental, os ruralistas derrotaram o governo, os partidos e os parlamentares dissidentes que se posicionaram contra a Emenda. Porém, a margem em pontos percentuais em relação à votação do Substitutivo, que obteve uma diferença de 73,2 pontos percentuais, caiu substancialmente para 20 pontos percentuais, conforme o Quadro 02. Com isso ficou evidente que a força de articulação dos ruralistas não é tudo o que eles dizem, que os políticos imaginam e que a mídia reporta.
Quadro 02 – Votação Emenda de Plenário N0 164 – Código Florestal
(24 e 25/05/2011)
Fonte: Câmara dos Deputados. Elaboração: Inesc
Art. 17 do Regimento Interno: O presidente da Câmara é liberado de votar,
exceto no caso de escrutínio secreto ou para desempatar o resultado de votação ostensiva.
A experiência da votação da Emenda N0 164 foi amarga para o governo e os fatos evidenciaram os princípios pelos quais se pauta a Bancada Ruralista. Essa vitória reforçou na mídia e em certos setores da opinião pública que os ruralistas são grupo mais forte do Congresso. O governo avaliou que no Senado Federal, por ter maioria, poderia recompor o Substitutivo aprovado na Câmara, que ganhou nova designação: PLC 30/2011.
Votação do PLC N030/2011 no Senado Federal
A tramitação do PLC no Senado passou por três comissões: a de Constituiçao e Justiça, de Ciência e Tecnologia e de Meio Ambiente. A bancada de apoio ao governo no Senado indicou como relator na Comissão de Meio Ambiente o senador Jorge Viana (PT-AC). Os ruralistas sabiamente indicaram o senador Luiz Henrique (PMDB-SC), também da base governamental, mas simpático aos setores agroprodutivistas, para ser relator nas outras duas comissões (Constituição e Justiça e na de Ciências e Tecnologia).
A autoconfiança dos articuladores políticos do Planalto levou-os a desconsiderar que a experiência do senador catarinense sobrepor-se-ia a fidelidade do senador acreano ao governo. O senador Luiz Henrique avançou sobre o mérito do projeto nas duas comissões, a que foi designado, e ampliando seu espaço de poder fez do senador Viana um assessor de luxo.
O Substitutivo do Senado ao PLC N0 30/2011 elaborado pela dupla de senadores Luiz Henrique&Jorge Viana foi aprovado em 06/12/2011, por 59 votos contra sete. A senadora Kátia Abreu (PSD-TO), presidenta da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), declarou que não concorda com todo o teor do substitutivo, mas os "produtores rurais nunca ficarão totalmente satisfeitos, mas é o que pôde ser negociado. Não seremos birrentos” (Agência Senado, 23/11/2011). Essa declaração teve dois endereços: um para consumo interno, outro endereçado aos movimentos ambientais, sociais e sindicais a quem chama de "birrentos”, pois criticaram insistentemente o texto.
Votação na Câmara: Proposta do Senado versus o PLC N030/2011
A Bancada Ruralista tinha confiança de repetir na Câmara dos Deputados o mesmo placar da primeira votação (410 versus63) e ainda reinserir no texto diversos itens contidos na Emenda N0164 que foram retirados pelos senadores. Sob esta expectativa a Proposta do Senado Federal foi enviado para que a Câmara revisse as alterações e emitisse seu voto aprovando-as ou não.
A Bancada refez, inicialmente, o cenário de 2011 que indicava uma ampla maioria favorável. Os ruralistas aproveitando o clima da aprovação no Senado buscaram impor ao Presidente, deputado Marco Maia (PT-RS), que a votação final ocorresse até março de 2012. Essa urgência era parte de uma estratégia para diminuir o espaço de debates na Câmara e da incidência da sociedade civil organizada.
O deputado Marco Maia resistiu e a presidência da República começou a se mover. A Presidenta Dilma declarou diversas vezes que não sancionaria uma lei que anistiasse os desmatadores. Pressionados os partidos da base de apoio que tinham votado com os ruralistas, começaram a recuar. O enfraquecimento dos setores conservadores e a nova ofensiva dos movimentos sociais, com a criação do Comitê Brasil em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável(6), criado em junho de 2011 fortaleceu a posição do Presidente da Câmara de adiar a votação do Código Florestal.
Essa postergação de data da votação atingiu o limite quando diante da prioridade do governo de aprovar a Lei Geral da Copa abriu uma janela de negociação que envolveu a votação do Código Florestal. Os ruralistas apoiariam o governo na aprovação da Lei da Copa que, em troca, votariam o Código Florestal no dia 24 de abril de 2012. O governo aceitou a proposta e honrou o compromisso, diferentemente da Bancada Ruralista que lhe dera um passa-moleque no caso da Emenda N0 164. Porém, começou a mobilizar sua base de apoio contra qualquer alteração que o deputado-relator Paulo Piau (PMDB-MG), que fora um dos autores da Emenda N0164, propusesse ao PLC 30/2011.
A articulação do governo foi pesada, mas não o suficiente para barrar as intenções da Bancada Ruralista de tornar o texto mais agressivo ao meio ambiente do que já era. O mapa da votação do PLC expressou nova derrota do governo, conforme o Quadro 03.
Quadro 03 – Votação do PLC 30/2011 na Câmara dos Deputados
(25/04/2012)
Fonte: Câmara dos Deputados. Elaboração: Inesc
Art. 17 do Regimento Interno: O presidente da Câmara é liberado de votar,
exceto no caso de escrutínio secreto ou para desempatar o resultado de votação ostensiva.
A votação do PLC 30/201, na Câmara dos Deputados, quando os ruralistas não foram apoiados pelo governo é muito similar à votação da Emenda N0 164, tanto em termos percentuais quanto à diferença em pontos percentuais. Esta similaridade vai ser analisada mais adiante, no item das Conclusões Comparativas a partir do Quadro 05.
É importante, agora, ressaltar as alterações mais polêmicas que os ruralistas reintroduziram e aprovaram na proposta do Senado: a liberação de créditos aos desmatadores; a dispensa à proteção de nascentes e várzeas de rios e região com água na caatinga; a desobrigação por parte do pequeno proprietário de recompor as áreas desmatadas; a extinção da punição para quem não regularizar a propriedade desmatada; e, por fim, a delegação para os Estados da competência de definir as áreas que devem ter cobertura vegetal recomposta e quais atividades agropecuárias estarão liberadas para exploração nas Áreas de Preservação Permanente (APP). Enfim, aprovou tudo o que o governo e os setores ambientalistas e agrários rejeitavam.
Afinando a Análise:
Para buscar respostas mais próximas da realidade sobre a força de incidência e articulação política da Bancada Ruralista foi essencial lançar um olhar específico sobre a votação da Emenda N0 164, além das ocorridas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Assim, justifica-se uma breve analise sobre as diferenças e semelhanças que ocorreram nas votações entre o Substitutivo Aldo Rebelo e o PLC N0 30/2011. Em seguida analisaremos as mesmas características que ocorreram entre as votações da Emenda N0 164 e o PLC 30/2011, quando então se pode avançar para as observações finais.
Quadro 04 – Mapa Comparativo das Votações do Substitutivo Aldo Rebelo e o PLC 30/2011
Fonte: Câmara dos Deputados. Elaboração: Inesc
Art. 17 do Regimento Interno: O presidente da Câmara é liberado de votar,
exceto no caso de escrutínio secreto ou para desempatar o resultado de votação ostensiva.
O Quadro 04 demonstra que na votação do Substitutivo a liderança do governo orientou voto "Sim” (410), porque queria a permanência do texto e os ruralistas acompanharam o governo porque tinham intenção de aprovar a Emenda N0 164. Os demais partidos votaram "Não” (63). Na votação do PLC N0 30/2011, os ruralistas votaram "Não” (274), contra o PLC, pois eram favoráveis às alterações do relator deputado Paulo Piau, e os partidos da base do governo votaram "Sim” (184) e foram acompanhados pelos demais partidos a fim de manter o texto do PLC.
O que se observa no Quadro 04 é a enorme disparidade, tanto percentual quanto numérica, entre os resultados das duas votações. Na votação do Substitutivo o governo se aliou a Bancada Ruralista para garantir a aprovação do Substitutivo e a diferença de votos desequilibrou a correlação de forças na Câmara dos Deputados. Na votação do PLC 30/2011, não houve acordo entre o Governo e a Bancada Ruralista, mas o PMDB, maior partido da base governamental, orientou seus deputados a votar contra o governo e, mesmo assim, houve uma recomposição no equilíbrio das forças congressuais.
Das observações acima se pode deduzir que os ruralistas necessitam se aliar com outras forças parlamentares para atingir as exigências de um quorum majoritário ou vitorioso favoráveis aos seus interesses de classe produtora. Fica evidente quando se comparam as duas votações que os ruralistas dependem dos deputados simpatizantes do agronegócio, mas que não são membros da Bancada, para compor uma correlação de força que lhe seja favorável. Essa conclusão se consolida quando comparamos a votação da Emenda N0 164 e a votação do PLC 30/2011, no Quadro 05.
Quadro 05 – Comparativo Emenda N0 164 e o PLC 30/2011
Fonte: Câmara dos Deputados. Elaboração: Inesc
Art. 17 do Regimento Interno: O presidente da Câmara é liberado de votar,
exceto no caso de escrutínio secreto ou para desempatar o resultado de votação ostensiva.
A singularidade destas votações é que, apesar de serem de naturezas legislativas diferentes (uma é proposta de Emenda e a outra é um Projeto de Lei da Câmara), em ambas a Bancada Ruralista se articulou contra o governo. A peculiaridade não é que o governo perdeu nas duas votações, mas que perdeu com certo equilíbrio de votos (20%versus 19,6%). Assim, é necessário analisar a diferença de 0,4 pontos percentuais considerando a posição do PMDB, a segunda maior bancada da Câmara e da base governamental, que votou majoritariamente contra o governo. Dos 74 deputados peemedebistas apenas três seguiram a orientação governamental. Outros partidos da base parlamentar do governo liberam seus parlamentares ou orientaram o voto contra a proposta do Senado. A constatação dessas dissidências não é novidade para os responsáveis pela articulação política do governo no Congresso Nacional. A publicação do Inesc sobre "Bancada ruralista: o maior grupo de interesse no Congresso Nacional” (Ano VII - nº 12 - outubro 2007) demonstra que dos 90 deputados do PMDB, empossados em 2010, 29 compunham a Bancada Ruralista. Isso significa que o governo, assim como os ruralistas ou outros grupos de pressão parlamentar, depende de uma articulação forte para vencer as votações na Câmara.
A diferença entre ambos é que o governo é a institucionalização do poder nacional, enquanto a Bancada Ruralista é apenas um grupo parlamentar informal suprapartidário de interesse dentro do Congresso Nacional. Essa distinção coloca em relevo não somente a natureza diversa entre ambos, mas a seguinte indagação: Como a representação maior da vontade popular pode ser derrotada por um grupo de interesse privado? Como o governo, que mantém via benefícios (liberação de verbas, execução de obras de interesses específicos, liberação de emendas orçamentárias, etc.) uma bancada de apoio parlamentar, pode ser tão indolente na cobrança da fatura política?
Considerações Gerais
Este texto se propôs a concluir se há ou não perda de potencia articuladora e de incidência por parte da Bancada Ruralista. A análise dos dados revela que os ruralistas não possuem a força que a mídia e os adversários lhe emprestam. É um grupo que não sobrevive por si próprio e depende da necessária articulação para se colocar como um setor imbatível, utilizando a arrogância do poder patriarcal.
Outro fator de força ou de blefe dos ruralistas é a utilização do espírito de corpo dos deputados, em especial os que atuam de forma independente das orientações programáticas de seus partidos. A vivência congressual possibilita as trocas de apoios a partir dos interesses pessoais e dos grupos que financiam as campanhas de diversos candidatos em comum. A Bancada Ruralista serve, de certa forma, de guarda-chuva para diferentes interesses além dos do agronegócio.
O governo, politicamente não se sensibiliza com o varejo do Congresso Nacional, mas atua a partir das lideranças partidárias deixando de arregimentar um grupo de deputados que, muitasvezes, pode decidir uma votação. Inúmeras emendas parlamentares, que servem de moeda de troca nas negociações políticas entre congressistas e governo, favorecem uma ou outra comunidade de interesse eleitoral dos deputados e podem ser liberadas sem ferir a ética republicana. Neste sentido, o Executivo poderia atuar com maior refinamento do que tem feito nos diversos mandatos desde a redemocratização. Caso continue atuando de forma ambígua e deixando a passar o tempo de decisões importantes, como foi o caso do Código Florestal, continuará a fortalecer não só os ruralistas, mas um conservadorismo negativo que se opõem as políticas que induzam a formação de sujeitos de direito.
Diante da dinâmica das negociações e acordos realizados entre os poderes Legislativo e Executivo no sentido de ajustar os diversos interesses e a construção de uma maioria vitoriosa, o que se coloca como questão estrutural é se há possibilidade de criar alternativas para alterar radicalmente o sistema político eleitoral e de representação nacional. A sociedade civil organizada durante o Fórum Social Brasileiro (Recife, 2006) elaborou a minuta da "Plataforma da reforma do sistema político(7)” e formulou o conceito de"reforma do sistema político” para se contrapor ao da reforma política entendida unicamente como "reforma do sistema eleitoral”. Como se escreve como principio da Plataforma "é um debate muito mais amplo que da reforma do sistema eleitoral e da representação”.
A sociedade conectada com alguns setores do Estado tem avançado na constituição de legislações que indicam um saneamento da representação popular, como a "ficha limpa” e a obrigação da transparência das contas públicas. Parlamentares compromissados com os movimentos e organizações sociais e sindicais lançaram a "Frente Parlamentar pela Reforma Política com participação popular”, que inovou ao constituir uma coordenação mista entre parlamentares e organizações da sociedade civil.
São essas instituições e parlamentares que poderão alterar radicalmente a forma a de comportamento político tanto dos representantes como dos representados nos espaços de decisão do Estado. A análise da tramitação do projeto de alteração do Código Florestal revela a fratura exposta das relações entre dois poderes da República. Caso este estudo avançasse sobre o Poder Judiciário com certeza abrir-se-ia novos problemas do processo decisório republicano.
Notas:
(1) Quando uma proposição, no caso do Substitutivo, é aprovada pelo Plenário ela se torna um Projeto da Câmara e não mais do relator ou de uma Comissão.
(2) Emenda de Plenário N0164, apresentada pelas lideranças ruralistas, era uma proposta que reduziria áreas de preservação no país ao regularizar a situação de ocupações ilegais em áreas de preservação permanente (APPs), como beira de rios, topos de morros e encostas que foram desmatadas ilegalmente. Consequentemente, os proprietários seriam anistiados das multas ambientais aplicadas pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais (IBAMA).
(3) Cada legislatura comporta quatro sessões legislativas ordinárias que se inicia em 15 de fevereiro e termina em 15 de dezembro.
(4) A tramitação do PL 1876/1999 foi retomada em 2009 quando a Mesa Diretora designou uma Comissão Especial destinada a proferir parecer ao Projeto.
(5) Fechar Questão: significa impor à todos os partidos políticos da base de apoio votar de acordo com a orientação do governo.
(6) O Comitê Brasil em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável, lançado em 07 de junho de 2011, é uma coalizão formada por 163 organizações da sociedade civil brasileira contrária ao PLC 30/2011 aprovado pela Câmara dos Deputados.
(7) Acessar http://www.reformapolitica.org.br/
www.adital.com.br
Os estudos sobre a capacidade de incidência da Bancada Ruralista no processo legislativo indicam para uma controvérsia de difícil solução. Há poucas análises que, baseadas em dados concretos, possam indicar se o grupo vem ou não perdendo forças, apesar de ter aprovado, nesta década, os principais projetos de seu interesse. Por isso, a proposta é realizar uma avaliação político-comparativo da votação do Substitutivo ao Código Florestal e do Projeto de Lei da Câmara (PLC[1]) N0 30/2011) para investigar se podemos ou não atribuir uma resposta à questão colocada.
Para isso, é necessário considerar, de início, que as diferenças entre os contextos históricos e políticos da Câmara dos Deputados (2011 e 2012) conduziram a articulações específicas. O objetivo do presente texto, portanto, é comparar as votações do Código Florestal, entremeada pela votação da Emenda de Plenário N0 164(2), que foi a mais significativa, e concluir se há ou não perda de potência articuladora por parte da Bancada Ruralista. Para isso, foi necessário contextualizar as votações e os acordos políticos realizados entre os ruralistas, o governo, partidos políticos, movimentos e organizações sociais e sindicais ao longo das sessões legislativas(3).
Votação Plenária do Substitutivo da Comissão Especial
No dia 24 de maio de 2011, foi colocado em votação o Substitutivo do relator-deputado Aldo Rebelo (PCdoB), originário do projeto de lei (PL) Nº 1.876/1999, do Deputado Sérgio Carvalho, que ao ser aprovado passou a tramitar com a designação de Projeto de Lei da Câmara (PLC Nº 30/2011). Para os parlamentares chegar ao PLC e sua votação final, a sociedade testemunhou a tramitação de uma proposta que demorou 12 anos para ser concluída. Esse tempo não foi um tempo de debate com os segmentos organizados da sociedade civil, sindical, científica e acadêmica, mas um tempo inerte onde o projeto ficou engavetado e a discussão obstruída pelos setores ruralistas.
O Substitutivo(4) colocado na Ordem do Dia da Câmara, em março de 2011, mobilizou, de imediato, setores ambientalistas, agrários e científicos que aportaram uma série de estudos e propostas aos parlamentares, partidos e governo. Diante de uma negociação intensa e pressionados pelos altos interesses em jogo os ruralistas acenaram ao governo um acordo onde a Emenda N0 164 seria retirada de pauta para viabilizar a aprovação do Substitutivo. Essa emenda, que representava uma radicalidade da Bancada Ruralista, não era aceita pelo governo federal que ameaçava a fechar questão(5) contra a aprovação do Substitutivo. Nestas condições dificilmente os ruralistas sairiam vitoriosos e, por isso, negociaram em troca da aprovação do Substitutivo a retirada da Emenda N0164.
O governo por diversos motivos, menos ingenuidade, acatou o acordo e votou junto com a Bancada Ruralista pela aprovação do Substitutivo ao Código Florestal. O PSOL e o PV foram os únicos partidos que mantiveram o voto contrário, além de algumas dissidências em outros partidos, em especial os da base do governo. Dessa forma, os ruralistas puderam festejar uma vitória demolidora onde conseguiram 86,5%, dos 474 parlamentares presentes, contra apenas 13,3% dos que se opuseram a proposta, conforme o Quadro 01.
Com essa votação arrasadora começava a escalada da estratégia dos ruralistas para a aprovação do Código Florestal de acordo com seus interesses. Pode-se observar no Quadro 01 que a diferença percentual entre os votos dos que acompanharam o relator e os que se opuseram foi de 73,2 pontos percentuais. A vitória da articulação ruralista foi inquestionável.
Quadro 01 – Votação do Substitutivo ao Código Florestal na Câmara dos Deputados (24/05/2011)
Fonte: Câmara dos Deputados. Elaboração: Inesc
Art. 17 do Regimento Interno: O presidente da Câmara é liberado de votar, exceto
no caso de escrutínio secreto ou para desempatar o resultado de votação ostensiva.
A vitória por uma diferença de 73,2 pontos percentuais embeveceu os ruralistas de tal forma que esqueceram o acordo ajustado com o governo. Avaliaram que a força de articulação provinha da legitimidade de suas propostas e não de uma sinalização do Executivo para que sua base de apoio acompanhasse o voto do relator.
O governo ao fechar o acordo para a retirada da Emenda de Plenário N0 164 com a Bancada Ruralista auxiliou o fortalecimento da imagem do grupo ruralista no Congresso, junto à sociedade e à mídia nacional e internacional. Esse simbolismo advindo de uma sociedade agropatriarcal é de especial apreço aos ruralistas na medida em que conota uma representação de prestígio e poder real. O acordo reforçou a imagem que a Bancada, desde seu início, vem trabalhando para construir.
Votação Plenária da Emenda N0 164
Na votação a Emenda N0164, que reduziria áreas de preservação no país ao regularizar a situação de ocupações ilegais em áreas de preservação permanente (APPs), como beira de rios, topos de morros e encostas que foram desmatadas ilegalmente, a Bancada "patriarcalmente” quebrou o acordo com o governo e manteve a proposta na pauta.
Nesta votação, mesmo com a mobilização da base governamental, os ruralistas derrotaram o governo, os partidos e os parlamentares dissidentes que se posicionaram contra a Emenda. Porém, a margem em pontos percentuais em relação à votação do Substitutivo, que obteve uma diferença de 73,2 pontos percentuais, caiu substancialmente para 20 pontos percentuais, conforme o Quadro 02. Com isso ficou evidente que a força de articulação dos ruralistas não é tudo o que eles dizem, que os políticos imaginam e que a mídia reporta.
Quadro 02 – Votação Emenda de Plenário N0 164 – Código Florestal
(24 e 25/05/2011)
Fonte: Câmara dos Deputados. Elaboração: Inesc
Art. 17 do Regimento Interno: O presidente da Câmara é liberado de votar,
exceto no caso de escrutínio secreto ou para desempatar o resultado de votação ostensiva.
A experiência da votação da Emenda N0 164 foi amarga para o governo e os fatos evidenciaram os princípios pelos quais se pauta a Bancada Ruralista. Essa vitória reforçou na mídia e em certos setores da opinião pública que os ruralistas são grupo mais forte do Congresso. O governo avaliou que no Senado Federal, por ter maioria, poderia recompor o Substitutivo aprovado na Câmara, que ganhou nova designação: PLC 30/2011.
Votação do PLC N030/2011 no Senado Federal
A tramitação do PLC no Senado passou por três comissões: a de Constituiçao e Justiça, de Ciência e Tecnologia e de Meio Ambiente. A bancada de apoio ao governo no Senado indicou como relator na Comissão de Meio Ambiente o senador Jorge Viana (PT-AC). Os ruralistas sabiamente indicaram o senador Luiz Henrique (PMDB-SC), também da base governamental, mas simpático aos setores agroprodutivistas, para ser relator nas outras duas comissões (Constituição e Justiça e na de Ciências e Tecnologia).
A autoconfiança dos articuladores políticos do Planalto levou-os a desconsiderar que a experiência do senador catarinense sobrepor-se-ia a fidelidade do senador acreano ao governo. O senador Luiz Henrique avançou sobre o mérito do projeto nas duas comissões, a que foi designado, e ampliando seu espaço de poder fez do senador Viana um assessor de luxo.
O Substitutivo do Senado ao PLC N0 30/2011 elaborado pela dupla de senadores Luiz Henrique&Jorge Viana foi aprovado em 06/12/2011, por 59 votos contra sete. A senadora Kátia Abreu (PSD-TO), presidenta da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), declarou que não concorda com todo o teor do substitutivo, mas os "produtores rurais nunca ficarão totalmente satisfeitos, mas é o que pôde ser negociado. Não seremos birrentos” (Agência Senado, 23/11/2011). Essa declaração teve dois endereços: um para consumo interno, outro endereçado aos movimentos ambientais, sociais e sindicais a quem chama de "birrentos”, pois criticaram insistentemente o texto.
Votação na Câmara: Proposta do Senado versus o PLC N030/2011
A Bancada Ruralista tinha confiança de repetir na Câmara dos Deputados o mesmo placar da primeira votação (410 versus63) e ainda reinserir no texto diversos itens contidos na Emenda N0164 que foram retirados pelos senadores. Sob esta expectativa a Proposta do Senado Federal foi enviado para que a Câmara revisse as alterações e emitisse seu voto aprovando-as ou não.
A Bancada refez, inicialmente, o cenário de 2011 que indicava uma ampla maioria favorável. Os ruralistas aproveitando o clima da aprovação no Senado buscaram impor ao Presidente, deputado Marco Maia (PT-RS), que a votação final ocorresse até março de 2012. Essa urgência era parte de uma estratégia para diminuir o espaço de debates na Câmara e da incidência da sociedade civil organizada.
O deputado Marco Maia resistiu e a presidência da República começou a se mover. A Presidenta Dilma declarou diversas vezes que não sancionaria uma lei que anistiasse os desmatadores. Pressionados os partidos da base de apoio que tinham votado com os ruralistas, começaram a recuar. O enfraquecimento dos setores conservadores e a nova ofensiva dos movimentos sociais, com a criação do Comitê Brasil em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável(6), criado em junho de 2011 fortaleceu a posição do Presidente da Câmara de adiar a votação do Código Florestal.
Essa postergação de data da votação atingiu o limite quando diante da prioridade do governo de aprovar a Lei Geral da Copa abriu uma janela de negociação que envolveu a votação do Código Florestal. Os ruralistas apoiariam o governo na aprovação da Lei da Copa que, em troca, votariam o Código Florestal no dia 24 de abril de 2012. O governo aceitou a proposta e honrou o compromisso, diferentemente da Bancada Ruralista que lhe dera um passa-moleque no caso da Emenda N0 164. Porém, começou a mobilizar sua base de apoio contra qualquer alteração que o deputado-relator Paulo Piau (PMDB-MG), que fora um dos autores da Emenda N0164, propusesse ao PLC 30/2011.
A articulação do governo foi pesada, mas não o suficiente para barrar as intenções da Bancada Ruralista de tornar o texto mais agressivo ao meio ambiente do que já era. O mapa da votação do PLC expressou nova derrota do governo, conforme o Quadro 03.
Quadro 03 – Votação do PLC 30/2011 na Câmara dos Deputados
(25/04/2012)
Fonte: Câmara dos Deputados. Elaboração: Inesc
Art. 17 do Regimento Interno: O presidente da Câmara é liberado de votar,
exceto no caso de escrutínio secreto ou para desempatar o resultado de votação ostensiva.
A votação do PLC 30/201, na Câmara dos Deputados, quando os ruralistas não foram apoiados pelo governo é muito similar à votação da Emenda N0 164, tanto em termos percentuais quanto à diferença em pontos percentuais. Esta similaridade vai ser analisada mais adiante, no item das Conclusões Comparativas a partir do Quadro 05.
É importante, agora, ressaltar as alterações mais polêmicas que os ruralistas reintroduziram e aprovaram na proposta do Senado: a liberação de créditos aos desmatadores; a dispensa à proteção de nascentes e várzeas de rios e região com água na caatinga; a desobrigação por parte do pequeno proprietário de recompor as áreas desmatadas; a extinção da punição para quem não regularizar a propriedade desmatada; e, por fim, a delegação para os Estados da competência de definir as áreas que devem ter cobertura vegetal recomposta e quais atividades agropecuárias estarão liberadas para exploração nas Áreas de Preservação Permanente (APP). Enfim, aprovou tudo o que o governo e os setores ambientalistas e agrários rejeitavam.
Afinando a Análise:
Para buscar respostas mais próximas da realidade sobre a força de incidência e articulação política da Bancada Ruralista foi essencial lançar um olhar específico sobre a votação da Emenda N0 164, além das ocorridas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Assim, justifica-se uma breve analise sobre as diferenças e semelhanças que ocorreram nas votações entre o Substitutivo Aldo Rebelo e o PLC N0 30/2011. Em seguida analisaremos as mesmas características que ocorreram entre as votações da Emenda N0 164 e o PLC 30/2011, quando então se pode avançar para as observações finais.
Quadro 04 – Mapa Comparativo das Votações do Substitutivo Aldo Rebelo e o PLC 30/2011
Fonte: Câmara dos Deputados. Elaboração: Inesc
Art. 17 do Regimento Interno: O presidente da Câmara é liberado de votar,
exceto no caso de escrutínio secreto ou para desempatar o resultado de votação ostensiva.
O Quadro 04 demonstra que na votação do Substitutivo a liderança do governo orientou voto "Sim” (410), porque queria a permanência do texto e os ruralistas acompanharam o governo porque tinham intenção de aprovar a Emenda N0 164. Os demais partidos votaram "Não” (63). Na votação do PLC N0 30/2011, os ruralistas votaram "Não” (274), contra o PLC, pois eram favoráveis às alterações do relator deputado Paulo Piau, e os partidos da base do governo votaram "Sim” (184) e foram acompanhados pelos demais partidos a fim de manter o texto do PLC.
O que se observa no Quadro 04 é a enorme disparidade, tanto percentual quanto numérica, entre os resultados das duas votações. Na votação do Substitutivo o governo se aliou a Bancada Ruralista para garantir a aprovação do Substitutivo e a diferença de votos desequilibrou a correlação de forças na Câmara dos Deputados. Na votação do PLC 30/2011, não houve acordo entre o Governo e a Bancada Ruralista, mas o PMDB, maior partido da base governamental, orientou seus deputados a votar contra o governo e, mesmo assim, houve uma recomposição no equilíbrio das forças congressuais.
Das observações acima se pode deduzir que os ruralistas necessitam se aliar com outras forças parlamentares para atingir as exigências de um quorum majoritário ou vitorioso favoráveis aos seus interesses de classe produtora. Fica evidente quando se comparam as duas votações que os ruralistas dependem dos deputados simpatizantes do agronegócio, mas que não são membros da Bancada, para compor uma correlação de força que lhe seja favorável. Essa conclusão se consolida quando comparamos a votação da Emenda N0 164 e a votação do PLC 30/2011, no Quadro 05.
Quadro 05 – Comparativo Emenda N0 164 e o PLC 30/2011
Fonte: Câmara dos Deputados. Elaboração: Inesc
Art. 17 do Regimento Interno: O presidente da Câmara é liberado de votar,
exceto no caso de escrutínio secreto ou para desempatar o resultado de votação ostensiva.
A singularidade destas votações é que, apesar de serem de naturezas legislativas diferentes (uma é proposta de Emenda e a outra é um Projeto de Lei da Câmara), em ambas a Bancada Ruralista se articulou contra o governo. A peculiaridade não é que o governo perdeu nas duas votações, mas que perdeu com certo equilíbrio de votos (20%versus 19,6%). Assim, é necessário analisar a diferença de 0,4 pontos percentuais considerando a posição do PMDB, a segunda maior bancada da Câmara e da base governamental, que votou majoritariamente contra o governo. Dos 74 deputados peemedebistas apenas três seguiram a orientação governamental. Outros partidos da base parlamentar do governo liberam seus parlamentares ou orientaram o voto contra a proposta do Senado. A constatação dessas dissidências não é novidade para os responsáveis pela articulação política do governo no Congresso Nacional. A publicação do Inesc sobre "Bancada ruralista: o maior grupo de interesse no Congresso Nacional” (Ano VII - nº 12 - outubro 2007) demonstra que dos 90 deputados do PMDB, empossados em 2010, 29 compunham a Bancada Ruralista. Isso significa que o governo, assim como os ruralistas ou outros grupos de pressão parlamentar, depende de uma articulação forte para vencer as votações na Câmara.
A diferença entre ambos é que o governo é a institucionalização do poder nacional, enquanto a Bancada Ruralista é apenas um grupo parlamentar informal suprapartidário de interesse dentro do Congresso Nacional. Essa distinção coloca em relevo não somente a natureza diversa entre ambos, mas a seguinte indagação: Como a representação maior da vontade popular pode ser derrotada por um grupo de interesse privado? Como o governo, que mantém via benefícios (liberação de verbas, execução de obras de interesses específicos, liberação de emendas orçamentárias, etc.) uma bancada de apoio parlamentar, pode ser tão indolente na cobrança da fatura política?
Considerações Gerais
Este texto se propôs a concluir se há ou não perda de potencia articuladora e de incidência por parte da Bancada Ruralista. A análise dos dados revela que os ruralistas não possuem a força que a mídia e os adversários lhe emprestam. É um grupo que não sobrevive por si próprio e depende da necessária articulação para se colocar como um setor imbatível, utilizando a arrogância do poder patriarcal.
Outro fator de força ou de blefe dos ruralistas é a utilização do espírito de corpo dos deputados, em especial os que atuam de forma independente das orientações programáticas de seus partidos. A vivência congressual possibilita as trocas de apoios a partir dos interesses pessoais e dos grupos que financiam as campanhas de diversos candidatos em comum. A Bancada Ruralista serve, de certa forma, de guarda-chuva para diferentes interesses além dos do agronegócio.
O governo, politicamente não se sensibiliza com o varejo do Congresso Nacional, mas atua a partir das lideranças partidárias deixando de arregimentar um grupo de deputados que, muitasvezes, pode decidir uma votação. Inúmeras emendas parlamentares, que servem de moeda de troca nas negociações políticas entre congressistas e governo, favorecem uma ou outra comunidade de interesse eleitoral dos deputados e podem ser liberadas sem ferir a ética republicana. Neste sentido, o Executivo poderia atuar com maior refinamento do que tem feito nos diversos mandatos desde a redemocratização. Caso continue atuando de forma ambígua e deixando a passar o tempo de decisões importantes, como foi o caso do Código Florestal, continuará a fortalecer não só os ruralistas, mas um conservadorismo negativo que se opõem as políticas que induzam a formação de sujeitos de direito.
Diante da dinâmica das negociações e acordos realizados entre os poderes Legislativo e Executivo no sentido de ajustar os diversos interesses e a construção de uma maioria vitoriosa, o que se coloca como questão estrutural é se há possibilidade de criar alternativas para alterar radicalmente o sistema político eleitoral e de representação nacional. A sociedade civil organizada durante o Fórum Social Brasileiro (Recife, 2006) elaborou a minuta da "Plataforma da reforma do sistema político(7)” e formulou o conceito de"reforma do sistema político” para se contrapor ao da reforma política entendida unicamente como "reforma do sistema eleitoral”. Como se escreve como principio da Plataforma "é um debate muito mais amplo que da reforma do sistema eleitoral e da representação”.
A sociedade conectada com alguns setores do Estado tem avançado na constituição de legislações que indicam um saneamento da representação popular, como a "ficha limpa” e a obrigação da transparência das contas públicas. Parlamentares compromissados com os movimentos e organizações sociais e sindicais lançaram a "Frente Parlamentar pela Reforma Política com participação popular”, que inovou ao constituir uma coordenação mista entre parlamentares e organizações da sociedade civil.
São essas instituições e parlamentares que poderão alterar radicalmente a forma a de comportamento político tanto dos representantes como dos representados nos espaços de decisão do Estado. A análise da tramitação do projeto de alteração do Código Florestal revela a fratura exposta das relações entre dois poderes da República. Caso este estudo avançasse sobre o Poder Judiciário com certeza abrir-se-ia novos problemas do processo decisório republicano.
Notas:
(1) Quando uma proposição, no caso do Substitutivo, é aprovada pelo Plenário ela se torna um Projeto da Câmara e não mais do relator ou de uma Comissão.
(2) Emenda de Plenário N0164, apresentada pelas lideranças ruralistas, era uma proposta que reduziria áreas de preservação no país ao regularizar a situação de ocupações ilegais em áreas de preservação permanente (APPs), como beira de rios, topos de morros e encostas que foram desmatadas ilegalmente. Consequentemente, os proprietários seriam anistiados das multas ambientais aplicadas pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais (IBAMA).
(3) Cada legislatura comporta quatro sessões legislativas ordinárias que se inicia em 15 de fevereiro e termina em 15 de dezembro.
(4) A tramitação do PL 1876/1999 foi retomada em 2009 quando a Mesa Diretora designou uma Comissão Especial destinada a proferir parecer ao Projeto.
(5) Fechar Questão: significa impor à todos os partidos políticos da base de apoio votar de acordo com a orientação do governo.
(6) O Comitê Brasil em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável, lançado em 07 de junho de 2011, é uma coalizão formada por 163 organizações da sociedade civil brasileira contrária ao PLC 30/2011 aprovado pela Câmara dos Deputados.
(7) Acessar http://www.reformapolitica.org.br/
Por: Edélcio Vigna
Assessor para Políticas de Reforma
Agrária e Soberania Alimentar do Instituto de Estudos Socioeconômicos
(Inesc) e Conselheiro do CONSEAwww.adital.com.br
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