Dois estudos que associam o uso de agrotóxicos ao surgimento do câncer na população brasileira foram lançados na semana passada.
O dossiê feito pela Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco) sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde aponta que um terço dos alimentos consumidos cotidianamente pelos brasileiros está contaminado.
O estudo foi feito a partir da análise de amostras coletadas em todas as 26 estados do Brasil, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2011.
Estudo do Instituto Nacional de Câncer (Inca) sobre o câncer relacionado ao trabalho, revela que há em torno de 500 mil novos casos da doença por ano, e muitos desses casos ocorrem por contaminação por agrotóxicos (seja na sua aplicação e exposição pelos trabalhadores nas lavouras, seja no acúmulo de veneno nos alimentos).
O estudo afirma que os venenos agrícolas devem estar no centro da preocupação da saúde pública, devido ao grande número de estudos anteriores que apontam o potencial cancerígeno dos agrotóxicos, além da ocorrência de outros agravos relacionados a esses produtos.
Uma série de agrotóxicos comprovadamente causa câncer, como o DDT/DDE, o 2,4-D, o lindane, o clordane, o agente laranja, o aldrin, o dieldrin, o alaclor, a atrazina, o glifosato, o carbaril, o diclorvos, o dicamba, o malation, o MCPA e o MCPP ou mecoprop.
O estudo relaciona câncer de mama, estômago e esôfago, cavidade oral, faringe e laringe e leucemias ao uso dos agrotóxicos.
Essas substâncias produzidas por grandes empresas transnacionais do agronegócio
contaminam os alimentos consumidos e causam doenças nos trabalhadores que que aplicam os produtos nas lavouras.
De acordo com o estudo, a população rural é uma das mais afetadas, pois é o setor mais exposto aos agrotóxicos. Por fim, os venenos também são responsáveis por contaminar as águas e tornar terras inférteis.
Indústria do agrotóxico
Apesar de todos os efeitos negativos apontados por estudos, a indústria dos agrotóxicos não pára de crescer.
Dados do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) mostram que, entre 1990 e 2010, o Brasil se tornou o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Nesse período, o mercado brasileiro de agrotóxicos cresceu 576%, dando um lucro de US$ 7,3 bilhões às empresas produtoras de venenos.
Sob o discurso de acabar com a fome do mundo por meio do aumento da produtividade, o agronegócio se utiliza dos agrotóxicos para controlar pragas causadas pelo próprio modelo, baseado na monocultura.
Ao plantar apenas uma cultura em larga escala, o agronegócio acaba com a diversidade local, o que dá origem a várias pragas, que demandam a utilização dos venenos para ser extintas. Além disso, a legislação brasileira permite a comercialização e uso de diversos compostos químicos que já são proibidos em outros países, especialmente na Europa e nos Estados Unidos, cujas leis são mais rígidas. Segundo a Anvisa,14 agrotóxicos comercializados no país são comprovadamente prejudiciais a saúde e já foram proibidos em outros países.
A maior utilização dos agrotóxicos se dá nas lavouras das commodities. Em 2010, a soja utilizou 44,1% de todos os venenos do país; algodão, cana-de açúcar e milho foram responsáveis por 10,6%, 9,6% e 9,3%, respectivamente.
As plantações de outras culturas representam 19% do consumo total. Como as commodities são tratadas como qualquer mercadoria, o intuito do agronegócio e do uso abusivo de agrotóxicos não é acabar com a fome, mas obter lucro.
Crescimento desenfreado
Por que os agrotóxicos dominaram a produção rural brasileira? Segundo cartilha lançada pela Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, a chamada “Revolução Verde” imposta pela Ditadura Militar abriu a porta para a entrada dos venenos no Brasil.
Com essa “revolução”, a agricultura do Brasil foi aberta para a exploração de empresas transnacionais, que venderam aos latifundiários máquinas responsáveis por expulsar boa parte dos camponeses, aumentar a concentração de terra e a pobreza, além dos agrotóxicos para o controle das pragas na lavoura.
A “Revolução Verde” buscou apagar da memória as formas antigas de proteção das lavouras, substituindo-as pelos agrotóxicos. Esses venenos se tornaram, de lá para cá, um dos pilares para o modelo de desenvolvimento agrário adotado pelo Brasil, o agronegócio.
A criação e uso das sementes transgênicas também incentiva o consumo de agrotóxicos, pois estas sementes são resistentes a um tipo de veneno específico produzido pela mesma empresa que vende as sementes.
Transição Agroecológica
O que se fazer para reverter este quadro? A Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, assim como o dossiê da Abrasco, apontam o modelo agroecológico não só como alternativa ao agronegócio, mas também ao uso dos venenos.
A campanha propõe o resgate das técnicas naturais de proteção das lavouras, que foram deixadas para trás com a imposição do modelo do agronegócio.
É possível, segundo a cartilha, que agricultores que utilizam agrotóxicos realizem uma “transição agroecológica”, na qual gradualmente parem de utilizar os venenos, pois quanto mais agrotóxico se aplica, mais caro é o gasto na produção, o que aumenta a dependência do agricultor para com as grandes empresas. Além disso, o modelo agroecológico propõe que se plante diversas culturas na mesma terra, de modo a se preservar a diversidade, o que diminui a incidência de pragas.
Abaixo, algumas das técnicas naturais sugeridas pela Campanha para proteção da lavoura:
EXTRATO DE FOLHA DE NIM
Secar e moer folhas de nim. Colocar 60g de folhas de nim em 1 litro de água. Deixar em repouso por 8 horas. Coar e aplicar na forma de pulverizações para controle de pragas.
CALDA DE FUMO
Picar 100g de fumo e colocar em meio litro de álcool. Acrescentar meio litro de água e deixar curtir por 15 dias. Depois dissolver 100g de sabão neutro em 10 litros de água e acrescentar a mistura. Aplicar na forma de pulverizações para controle de vaquinhas, cochonilhas, lagartas
e pulgões.
CALDA DE FUMO COM PIMENTA
Colocar 50g de fumo picado e 50g de pimenta picante dentro de 1 litro de álcool. Deixar curtir por uma semana. Misturar em 10 litros de água com 250g de sabão neutro ou detergente. Aplicar na forma de pulverizações para o controle de vaquinhas, lagartas e cochonilhas e insetos em geral.
CALDA DE CEBOLA
Colocal 1kg de cebola picada em 10 litros de água. Curtir por 10 dias. Coar e colocar 1 litro deste preparado em 3 litros de água para aplicar na forma de pulverizações. Age como repelente aos insetos como pulgões, lagartas e vaquinhas.
CRAVO DE DEFUNTO
Colocar 1kg de folhas e talos de cravo de defunto em 10 litros de água. Ferver por meia hora deixando de molho por duas horas. Coe e pulverize, visando o controle de pulgões, ácaros e algumas lagartas.
CALDA DE CAMOMILA
Colocar 50g de flores de camomila em um litro de água. Deixar de molho por 3 dias, agitando 4 vezes por dia. Coar e aplicar 3 vezes na semana, evitando doenças fúngicas.
ARMADILHA COM LEITE
Utilizar estopa ou saco de aniagem, água e leite. Distribuir no chão ao redor das plantas a estopa ou saco de aniagem molhado com água e um pouco de leite. Pela manhã, virar a estopa ou o saco utilizado e coletar as lesmas e caracóis que se reuniram embaixo para serem queimadas e enterradas em um buraco.
LEITE CRU E ÁGUA
Pulverizar sobre as plantas uma solução de água com 5 a 20% de leite de vaca sem pasteurizar para o controle do oídio, doença que ataca diversas hortaliças. O oídio é também conhecido como “cinza” porque causa grandes manchas brancas acinzentadas principalmente nas folhas e nos ramos.
Por José Coutinho Júnior
Da Página do MST
www.mst.org.br
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