No Brasil, com a redemocratização do
país em 1985, o governo federal assentou cerca de um milhão de famílias
em projetos de reforma agrária e colonização em aproximadamente 80
milhões de hectares desapropriados e arrecadados por interesse social.
Desse total, mais da metade ocorreu a partir de 2003 e, mesmo assim, os
índices de concentração fundiária continuam elevados e pouco se
alteraram nesse período.
A mídia atribui ao agronegócio, detentor
de grandes extensões de terra, uma pujança produtiva maior do que
efetivamente se observa. De acordo com dados oficiais do IBGE, a
agricultura familiar/camponesa, apesar de ocupar apenas ¼ da área,
responde por 77% das pessoas ocupadas no campo e por 38% do valor da
produção. Mesmo cultivando uma área bem menor, ela é responsável por
garantir a segurança alimentar do país, gerando mais de 70% dos produtos
da cesta básica, demonstrando a potencialidade da agricultura familiar
na ampliação da produção de alimentos para o mercado interno.
Ainda que a agricultura familiar
responda pela maior parte da produção de alimentos para o abastecimento
interno, o noticiário sobre o tema agrário indica que o debate
democrático está contaminado por dois fatores principais, interesse
econômico e preconceito cultural, que estão presentes nos meios de
comunicação, estigmatizando, junto à opinião pública, os sem terra,
assentados e agricultores familiares.
Pode-se inferir que o preconceito
cultural decorre da nossa herança colonial-escravista e da forma de
dominação histórica das oligarquias rurais no território brasileiro.
Pode-se também dizer que, no passado, os interesses econômicos entre os
meios de comunicação e o velho latifúndio não eram tão fortes como na
atualidade em relação ao agronegócio.
Grosso modo, isso pode ser explicado, já
que prevalecia um preconceito contra o meio rural associado ao modo de
vida atrasado, e isso incluía tanto os trabalhadores como proprietários
rurais. Hoje, multiplicam-se os interesses econômicos convergentes de
variados setores empresariais com forte influência na mídia: agronegócio
exportador, capital financeiro e multinacionais produtoras de alimentos
e de insumos agrícolas.
Isso pode ser exemplificado: no passado
não muito distante (até 1997, por ocasião da Marcha dos 100 Mil do MST),
a reforma agrária chegou a ser tema de novela e era percebida
positivamente como necessária pela opinião pública brasileira. Hoje, a
violência no campo é tratada e manipulada não como decorrente da
exploração no meio rural e da injusta estrutura fundiária, mas da
radicalidade “irresponsável” na luta pela terra e da ação “criminosa”
das organizações camponesas e de seus líderes.
Enquanto milhares de famílias vivem
acampadas em beira de estradas, trabalhadores rurais são escravizados em
pleno século 21 e camponeses, líderes sindicais, religiosos e advogados
são assassinados, deixando sem punição os crimes do latifúndio e de sua
pistolagem. Antes, a rebeldia dos escravos escandalizava, mas o açoite
neles não.
Foi o caso do escândalo orquestrado pela
mídia com a destruição de dois hectares de um laranjal plantado em
extensas terras da União, invadida ilegalmente por grande empresa
privada em São Paulo. Esse caso é emblemático onde a rebeldia dos sem
terra foi criminalizada pela mídia e a empresa grileira de terra pública
foi enaltecida.
A reforma agrária, moldada à realidade e
às exigências contemporâneas, continua sendo uma bandeira de luta dos
trabalhadores rurais e uma necessidade do Brasil. Mas, do ponto de vista
ideológico, ela é vista pelo patronato rural como um atentado ao
direito de propriedade e aos seus interesses e, sob a ótica econômica, é
vista pelas grandes corporações econômicas e financeiras como
desnecessária e improdutiva.
Daí a importância da democratização dos
meios de comunicação. A luta política intensa e desigual que os setores
conservadores hegemônicos travam na sociedade, no parlamento, no
governo, no judiciário e na mídia, em todos os níveis, visa enfraquecer a
luta camponesa e manter a sua dominação ideológica, política, econômica
e territorial.
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Por: Osvaldo Russo- Ex-presidente do Incra, é conselheiro
da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra).
http://www.correiocidadania.com.br
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