Terminada a última etapa das eleições
municipais, é chegada a hora de os novos prefeitos interromperem as
comemorações e começar a agir para atender as expectativas de seus
eleitores. Entre os inúmeros desafios que estarão à frente da
administração das cerca de 5.600 cidades brasileiras está a gestão dos
resíduos. Como veremos mais à frente são poucos os municípios que
encaram esse problema com a urgência e relevância que o assunto faz por
merecer.
Ninguém é capaz de negar a importância
de termos uma gestão mais correta e eficiente dos resíduos como a
estabelecida na proposta da Política
Nacional de Resíduos Sólidos. Também é muito difícil desconsiderar
os enormes obstáculos para se conseguir a sua efetiva implementação.
Para começo de conversa com a nova Lei
de Resíduos Sólidos, o lixo deixa de ser lixo para virar resíduo. E,
esse tal resíduo, deverá ter um destino muito mais nobre que o pobre
lixo jogado por aí, sem qualquer serventia. Resíduo é material valioso
para ser usado novamente na cadeia produtiva, pronto para ser
reaproveitado, reutilizado, reciclado e não mais descartado. Do plebeu
lixo para o nobre resíduo. Do imprestável para se transformar em insumo
essencial.
Sabe aquele catador de lixo, em sua
maioria, subempregado e trabalhando em condições no mínimo pouco
favoráveis? Pois esses profissionais irão receber o valor que merecem
quando a lei estiver plenamente em vigor. Eles serão reconhecidos pelo
serviço essencial que exercem para toda a sociedade e para a manutenção
de um meio ambiente mais saudável.
A lei também determina, como uma de suas
premissas mais importantes, a responsabilidade compartilhada, ou seja,
será preciso a participação de todos para o alcance de seus objetivos.
Setores público e privado, sociedade civil, cidadãos e como citado
acima, dos catadores de material reciclável (notem que não mais os
chamamos de catadores de lixo) necessariamente vão ter de fazer parte da
mesma equação. Dependerá dessa união o sucesso ou o fracasso da lei.
Portanto, no bojo da Política de
Resíduos Sólidos, estão propostas pequenas e virtuosas revoluções
capazes de trazer enormes quebras de paradigma e grandes alterações no
comportamento social.
Obviamente, se existem tantas novas
situações por assim dizer, não se devem imaginar facilidades na sua
efetiva implantação em qualquer área.
Despreparo nos municípios
Hora de falarmos novamente nas
Prefeituras e de seus novos ocupantes ou daqueles reeleitos para um novo
mandato.
A lei previa para o começo de agosto
deste ano a entrega, por todos os municípios do país, de seus planos de
gestão de resíduos. Segundo o Ministério do Meio Ambiente (MMA), por
volta de 560 municípios, ou 10% do total das cidades brasileiras,
concluíram e entregaram esses planos. Os municípios que perderam o prazo
não terão direito a receber recursos federais e renovar novos contratos
com a esfera federal para o setor. Essa questão ficou, portanto, para
as novas administrações.
A baixa adesão das cidades pode parecer
simples descaso, mas conforme pesquisa da Associação Brasileira das
Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) com cerca de
400 municípios, o problema se deve muito à falta de pessoal qualificado
para atender aos requisitos previstos na lei. Afinal, para quem achava
que para cuidar do lixo bastava um terreno grande para o seu envio e
descarte, a lei veio para colocar ordem e mudar um cenário cada vez mais
criminoso e urgente. O lançamento indiscriminado de materiais perigosos
e contaminantes sem cuidado ou tratamento compromete o futuro e a saúde
das pessoas, entre os seus principais e nefastos resultados.
O fim dos lixões até 2014 em todas as
cidades brasileiras, será uma tarefa com enormes dificuldades em se
tornar realidade, se a maioria das cidades permanecerem distantes dessa
discussão. No lugar dos lixões, os resíduos só poderão ser enviados para
aterros sanitários. Mas a realidade atual, segundo o Ministério do Meio
Ambiente, é a de que ainda existem mais de 3 mil lixões no Brasil sendo
que nada menos de que 60% dos municípios do país despejam lá seus
resíduos.
A união faz a força
Em recente workshop realizado pelo
Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM), no Rio de
Janeiro, diversos especialistas apontaram a necessidade de se unirem
esforços entre o setor privado e os municípios para que a lei alcance os
efeitos desejados. Capacitar gestores, realizar um trabalho integrado
de educação e conscientização ambiental, garantir incentivos fiscais e
justiça tributária para a cadeia de recicláveis são algumas das tarefas a
serem trabalhadas em conjunto. Nesse último item, Mauricio Sellos,
coordenador do Programa Jogue Limpo que realiza a logística reversa na
cadeia de lubrificantes, apontou durante o workshop carioca, o apoio à
indústria de reciclagem como urgente e fundamental. “São necessários
incentivos fiscais para a cadeia, para quem faz a logística, para quem
recicla e para quem consome o material reciclável, do contrário,
poderemos ter um volume grande de material reciclado, mas não ter sua
utilização” afirmou Mauricio.
Para as cidades médias e pequenas, os
especialistas apontam a formação de consórcios como um bom caminho para a
gestão dos resíduos. Assim, as administrações municipais podem unir
esforços para a montagem de seus planos, reduzem seus custos, aumentam a
escala na coleta de resíduos e garantem melhores contratos com as
empresas do setor, entre outros benefícios.
Camilla Passarela Bortoletto, da
Abrelpe, apontou que um dos maiores gargalos na gestão de resíduos é o
conhecimento técnico sobre o assunto. A ausência de cultura de separação
é outro fator complicador na gestão de resíduos.
O Brasil produz 220 mil toneladas de
lixo domiciliar, o que representa mais de um quilo por pessoa. Ao menos
90% de todo esse material poderia ser reaproveitado, reutilizado ou
reciclado. Apenas 1% acaba sendo aproveitado para ter um destino mais
nobre do que o de se degradar e contaminar o nosso ambiente. Mesmo
assim, mais de um milhão de pessoas trabalham e sobrevivem da reciclagem
desse lixo. Os especialistas calculam que o Brasil deixa de ganhar ao
menos R$ 8 bilhões por ano ao não reciclar toda essa grande quantidade
de resíduos gerados no país.
E o lixo continua a aumentar
De acordo com o Panorama dos Resíduos
Sólidos no Brasil, divulgado pela Associação Brasileira das Empresas de
Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), a quantidade de resíduos
sólidos gerados no Brasil em 2011 totalizou 61,9 milhões de toneladas,
1,8% a mais do que no ano anterior. Do total coletado, 42% do lixo
acabaram em local inadequado.
O crescimento na “produção” desses
resíduos de 2010 para 2011 foi duas vezes maior do que o aumento da
população, que ficou em torno de 0,9% no período.
O estudo revela também que, em 2011,
foram coletados 55,5 milhões de toneladas de resíduos sólidos. Sendo que
42% desses resíduos foram parar em locais inadequados como lixões e
aterros controlados. E, ainda pior, cerca de 10% de tudo o que é gerado
acaba tendo destino ainda pior em terrenos baldios, córregos, lagos e
praças.
Uma política para chamar de
nossa
A PNRS talvez seja uma das primeiras
iniciativas que finalmente, enxerguem o mundo como ele é, ou seja,
redondo e finito! Afinal como podemos viver e consumir imaginando que
tudo, matérias-primas renováveis ou não, possam ser utilizadas sem
qualquer controle ou parcimônia, e depois “jogadas fora”! Apesar de
óbvios, foi preciso surgir situações críticas na capacidade de armazenar
lixo; casos gritantes de contaminação de solo e água e a ocorrência de
sérios problemas de saúde pública. Isso tudo acompanhado de estudos
apontando a redução substancial e mesmo o esgotamento de reservas de
matérias-primas estratégicas, para concluirmos que esse estado de coisas
não poderia continuar do jeito que estava.
As cidades, as pessoas e o
futuro comum
Toda a sociedade, mas às administrações
públicas particularmente, caberá também a tarefa de levar as informações
sobre a lei de resíduos para todos os seus cidadãos.
Hoje, se os setores público e privado
avançam vagarosamente no conhecimento e na aplicação da lei, o mais
grave em todo esse processo está no desconhecimento dos brasileiros
quanto à discussão dessa nova e revolucionária política. Sem a
participação do consumidor essa equação não fecha! O cidadão é parte
integrante e determinante para a viabilização de todo o projeto.
É, portanto, fundamental que as novas
prefeituras façam todos os esforços a seu alcance para levar às pessoas,
informações sobre os objetivos da nova política e os deveres e direitos
nela embutidos.
O poder público pode e deve contribuir,
por meio da autoridade que lhe foi investida pela população, para
promover parcerias com todos os setores da sociedade na implantação de
projetos de educação ambiental em escolas e empresas, acompanhadas de
campanhas de esclarecimento, com o apoio e o engajamento vital da mídia
local. Tais ações vão contribuir substancialmente para reduzir o abismo
informativo entre a lei e a população brasileira.
Por: Reinaldo Canto - jornalista, consultor
e palestrante. Foi diretor de Comunicação do Greenpeace e coordenador
de Comunicação do Instituto Akatu. É colunista da revista Carta Capital,
colaborador da Envolverde e professor de Gestão Ambiental na Fappes.
www.cartacapital.com.br
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