Imagem: divulgação/internet
O
Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações Biotecnológicas
(ISAAA, em inglês), divulgou em fevereiro que em 2011, pelo terceiro ano
seguido, o Brasil foi o principal responsável pela expansão das
lavouras transgênicas no mundo, que cresceram 8%. Conforme informação
publicada pelo jornal Valor Econômico e reproduzida pelo Boletim da Campanha
por um Brasil Livre de Transgênicos, “o Brasil, sozinho responde por
40% dessa expansão. No ano passado, a área ocupada com transgênicos no
país somou 30,3 milhões de hectares, um aumento de quase 20% ou 4,9
milhões de hectares em relação à safra anterior”1.
Os
dados revelam que a aposta de governos e das grandes corporações na
tecnologia como “o futuro da agricultura” continua de pé. E nos lembram
dos crescentes debates sobre Economia Verde, apoiada centralmente em
respostas tecnológicas, no caminho para a Rio+20. Afinal, o que a
experiência dos transgênicos nos mostrou até agora?
Na FASE,
acreditamos que impera uma visão reducionista na avaliação de riscos
pelos interessados nessa tecnologia. E a segurança alimentar é
praticamente ignorada nessa visão. Pesquisa do Prof. Rubens Nodari,
identificou na base de dados da CAPES e do Scielo, no período 1987 a
2008, em um total de 716 estudos, apenas oito com abordagem a partir da
segurança alimentar sobre exposição a riscos e incertezas para a saúde e
meio ambiente oriundos dos transgênicos2.
A incerteza
é apenas um dos motivos pelo qual a FASE se mantém contra a liberação
dos transgênicos e considera a importância estratégica da adoção do
princípio da precaução, estabelecido em acordos internacionais como
princípio ético e a alternativa um imperativo diante de tantas
incertezas e riscos da ciência. Compartilhamos a proposta da ciência
precaucionária como alternativa, como nos fala Nodari3, coerentemente com a defesa da soberania alimentar, segurança alimentar e nutricional.
As
promessas das empresas sobre aumento do rendimento e de produção para
diminuir a fome, assim como para a redução do uso de agrotóxicos,
revelaram-se falaciosas. Tanto a fome no mundo cresceu exponencialmente
como o consumo de agrotóxicos tem aumentado e o Brasil, lamentavelmente,
sustenta o título de campeão mundial pelo uso destas substâncias há
alguns anos. A difusão da soja transgênica aqui foi a principal
responsável pelo maciço uso do glifosato, o herbicida conhecido como
mata-mato. Há evidências científicas, em pesquisa recente realizada na
Argentina, de que entre seus efeitos estão microcefalia e malformação de
fetos4.
Seriam motivos suficientes para termos
atuado no processo de criação da Campanha por um Brasil Livre de
Transgênicos, na década de 1990, assim como estarmos engajados também na
Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.
Mas outros aspectos podem ser lembrados. Entre eles, a questão da
propriedade intelectual das sementes geneticamente modificadas,
possibilitado pela aprovação da Lei de Cultivares em 1997. Este fato
determinou a aceleração do processo de transnacionalização da indústria
de sementes e o crescente controle de poucas empresas sobre a cadeia
agroalimentar. Esta concentração nega a soberania alimentar e tem sido
apontada como fator que dificulta a reação à tendência de alta no preço
dos alimentos.
Além disso, a simplificação dos agroecossistemas
provocada pela uniformização desses novos cultivares gera graves
conseqüências sobre a diversidade alimentar e a manutenção de animais
como abelhas e insetos polinizadores, aumentando o risco de impedir a
reprodução de centenas de milhares espécies cultivadas e de seus
parentes silvestres. Por outro lado, as plantas geneticamente
modificadas produzem a contaminação de néctar, dos pólens, etc, com as
toxinas, gerando riscos para a qualidade dos alimentos e para a saúde. É
grave o impacto dos transgênicos sobre a produção familiar: eles ferem a
autonomia dos agricultores e agricultoras e desencadeiam processos de
contaminação das sementes e erosão das espécies.
Por tudo isso,
em contrapartida, adotamos o enfoque da agroecologia como estratégia
para o fortalecimento da agricultura camponesa e a construção de outro
modelo de agricultura. Vemos na prática, através de inúmeras
experiências no país das quais faz parte também o trabalho de assessoria
e acompanhamento realizado pelas equipes da FASE que este é o caminho
para ganhos reais do ponto de vista da soberania e segurança alimentar e
nutricional das famílias e da sustentabilidade econômica, social e
ambiental.
Temos uma posição crítica em relação às escolhas
definidas pelas políticas científicas reduzidas às necessidades da
tecnologia e transformadas no que se chama hoje de tecnociência.
Consideramos que mesmo de forma tímida, há um crescimento de interesse
do debate no Brasil, especialmente nos últimos tempos, com a aproximação
e diálogo entre saúde, meio ambiente e a agricultura camponesa
agroecológica, apesar de ainda estarmos longe do cenário europeu, onde
crescem os movimentos de resistência à aceitação dos transgênicos,
abrangendo cada vez mais amplos setores de consumidores.
Não se
trata, a nosso ver, de perguntar se a população está apta a este tipo de
debate, pois a oposição entre “peritos e leigos” tem um viés ideológico
e é recorrentemente utilizada por defensores dessa tecnologia, que de
forma falaciosa, em nome da ciência, querem desautorizar ou deslegitimar
o debate cidadão. Foi o que assistimos recentemente na resposta dada
por pesquisadores da CTNbio – comissão responsável pela liberação de
transgênicos no Brasil - ao Conselho Nacional de Segurança Alimentar e
Nutricional (Consea) a propósito da liberação do feijão transgênico.
É
por isso que hoje – a caminho da Rio+20 – consideramos fundamental
restaurar o princípio da precaução acordado no Princípio 15 da
Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, de
junho de 1992 que afirma: “De modo a proteger o meio ambiente, o
princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de
acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou
irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser
utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente
viáveis para prevenir a degradação ambiental”.
Duas décadas
depois da Rio92, a Rio+20 pode ser também a base de lançamento para
negociações de um novo tratado: uma Convenção Internacional para a
Avaliação de Novas Tecnologias (ICENT, por sua sigla em inglês),
assegurando que cidadãos e cidadãs participem do debate público sobre
decisões que afetam suas vidas e a natureza.
___________________
1 Gerson Freitas Jr., Jornal Valor Econômico, edição de 08/02/2012
2
Nodari, Rubens – “Ciência precaucionária como alternativa ao
reducionismo científico aplicado à biologia molecular” in Transgênicos
para quem? – Agricultura, Ciência e Sociedade, Org. Magda Zanoni e
Gilles Ferment, MDA, Brasilia, 2011, pag. 40 e seguintes.
3 Idem, pag.45
4 Londres, Flavia – Agrotóxicos no Brasil – um guia para ação em defesa da vida – Articulação Nacional de Agroecologia e Rede Brasileira de Justiça Ambiental, Rio de Janeiro, 2011.
www.fase.org.br
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