“Para que possa ter água é necessário
ter florestas.” A afirmação é de Malu Ribeiro, Coordenadora do Programa
Rede das Águas, da ONG SOS Mata Atlântica, em palestra aos
parlamentares brasileiros nesta quinta-feira (22), Dia Mundial da Água,
para defender a não-aprovação do Novo Código Florestal brasileiro,
que, se acatado, poderá acarretar não só em uma perda de
biodiversidade, mas também no agravamento da situação dos recursos
hídricos de nosso país.
Em entrevista à Jéssica Lipinski do
Instituto CarbonoBrasil, 22-03-2012, Malu falou sobre a questão da água
como um direito humano universal, criticou a atual situação dos
recursos hídricos no Brasil, discutiu o papel do Fórum Mundial da Água e
apresentou suas opiniões e esperanças sobre o papel da água na
Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, a
Rio+20. Eis a entrevista.
Atualmente, como a senhora vê a questão da água como um direito humano? A água tem se tornado mais acessível?
Não, acho que a água não está se
tornando mais acessível para todos. No Brasil, por exemplo, muitas
pessoas só têm acesso à água por ‘gatos’, de forma irregular. Do mesmo
jeito que fazem ‘gatos’ para a televisão, fazem ‘gatos’ para a água. Há
uma exclusão hídrica, mesmo em grandes cidades onde não há falta de
recursos hídricos. Na cesta básica, por exemplo, a água não está
incluída. Então a água acaba tendo um custo alto para as pessoas de
baixa renda. Ela só é barata para quem está em condições regulares. Mas
muitas pessoas não têm essa condição.
Como a água pode se tornar mais disponível à população, sem isso representar mais desperdícios?
O reconhecimento da água como um direito
humano de todos não vai estimular desperdício. As pessoas que não têm
acesso à água sabem dar valor a ela. Quando a água é vista como um
direito humano, as pessoas passam a entender que esse bem não pertence a
ninguém, e que o ciclo hídrico não tem fronteiras. Assim, a água de um
rio no norte pode ter consequências no clima do sul, por exemplo.
Então, se a água é reconhecida como bem essencial, as pessoas passam a
dar valor, passam a entender que a água não tem dono, que é um bem da
humanidade. Mas ainda não há essa consciência. É por isso que datas
como essa [o Dia Mundial da Água] são importantes para despertar a
consciência nas pessoas.
Você concorda com os que dizem que o Brasil é privilegiado por seus recursos hídricos?
Nesse sentido, o Brasil parece bem, mas
não está. Temos muita água, mas ela está sendo poluída. Além disso,
nosso país tem a cultura da abundância, então muita água é
desperdiçada. Desde pequenos tomamos banho de mangueira, cantamos no
chuveiro…O Brasil ainda terá que aprender a usar a água de forma
consciente.
Em relação à discussão acerca do
Código Florestal: a senhora acha que há alguma ligação entre as duas
questões? Se o Novo Código for aprovado, o que pode acontecer com
nossas fontes hídricas?
O Brasil está tentando passar uma imagem
no exterior de que a agricultura pode ajudar a salvar os recursos
hídricos e a biodiversidade, mas isso não é verdade. Se o Novo Código
Florestal for aprovado, várias regiões vão enfrentar uma falta de água
drástica. Pesquisas mostram que cada 100 hectares de floresta armazenam
10 milhões de litros d’água. Se o Novo Código Florestal permitir que
sejam diminuídos, por exemplo, 50% de uma área de preservação, 50% da
água também será perdida. A aprovação de mais desmatamento
potencializará eventos extremos, tanto enchentes quanto secas. Isso já
foi provado cientificamente por várias entidades. Um grande número de
pessoas estará condenada à falta d’água. Para que possa ter água é
necessário ter florestas.
Qual é a sua opinião sobre a
privatização de recursos hídricos? A senhora acha que há benefícios ou
vantagens em tratar a água como commodity?
As pessoas costumam confundir o conceito
de colocar um preço na água com privatizá-la. Dotar a água de valor
econômico não significa privatizá-la. O que significa é que se você
gastar muito, você pagará mais. Isso faz com que se invista em novas
tecnologias para evitar o desperdício. A água já é uma commodity, não
dá para fingir que não. Isso é a realidade. Não dá para ter esse
purismo. Já a privatização não traz benefícios, pois visa o lucro das
empresas que passam a possuir a água. O que se precisa fazer é criar
uma boa gestão. Se não houver um preço, as pessoas não vão economizar.
Como a senhora vê o Fórum
Mundial da Água? A senhora concorda com alguns críticos que afirmam que
esse evento incentiva grandes empresas e governos a venderem a água?
Eu tive a oportunidade de ir a todos os
fóruns, e vejo que o Fórum Mundial da Água é um evento privado, mas é
também um espaço de diálogo. É um espaço para reconhecer a água como
bem universal, que deve ser disponível a todos. Por isso mesmo, não se
pode proibir as empresas privadas de utilizarem a água, desde que elas
utilizem esse bem com responsabilidade. O importante é saber como
utilizá-la. Por exemplo, uma empresa de cerveja tem direito de utilizar
a água para seus propósitos, desde que não retire a água de suas
utilizações mais primordiais, como o consumo básico da população. É
importante garantir a água para todos.
Sobre a Conferência da ONU sobre
Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), quais são as suas perspectivas
em relação aos recursos hídricos? O que podemos esperar da conferência
nesse sentido?
Os documentos que estão sendo redigidos
para a Rio+20 são muito diplomáticos. Isso acontece para não haver
tensões, então eles criam documentos mais brandos. Acho que o Capítulo
18 da Agenda 21 da ONU, que trata do acesso à água, precisa ser
reescrito. A água tem que ser um tema de destaque na Rio+20, e não um
assunto periférico. Tenho esperança que isso aconteça para que as
decisões nesse sentido possam tirar o Brasil desses índices medievais
que ele apresenta com relação à acessibilidade à água.
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