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O
trabalho escravo ainda existe no Brasil, é produto da miséria e
patrocinado por atividades produtivas que estão diretamente relacionadas
ao crescimento do país.
O
trabalho escravo ainda existe no Brasil, é produto da miséria e
patrocinado por atividades produtivas que estão diretamente relacionadas
ao crescimento do país. O diagnóstico, registrado 124 anos depois da
Lei Áurea, é do Atlas do Trabalho Escravo no Brasil, produzido pelos
geógrafos Eduardo Paulon Girardi, da Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho (Unesp), Hervé Théry, Neli Aparecida de Mello e
Julio Hato, da Universidade de São Paulo (USP), e lançado no mesmo mês
em que a Lei Imperial 3.353, de 1888, que abolia a escravatura, foi
assinada pela princesa Isabel. O trabalho traz o perfil do escravo
brasileiro do século 21: “migrante maranhense, do norte de Tocantins ou
oeste do Piauí, de sexo masculino, analfabeto funcional, levado para as
fronteiras móveis da Amazônia, em municípios de criação recente, onde é
utilizado principalmente em atividades vinculadas ao desmatamento”, como
diz o documento, preparado a partir de uma proposta da organização
Amigos da Terra — Amazônia Brasileira, que atua na promoção de direitos
humanos, cidadania e desenvolvimento.
Os
pesquisadores utilizaram dados disponibilizados pelos relatórios do
Ministério do Trabalho e por denúncias recebidas pela Comissão Pastoral
da Terra (CPT), organização ligada à Igreja Católica. “Além das
informações que já eram de domínio público, o atlas traz novidades em
relação à origem e ao destino dos trabalhadores escravizados, e à
associação da escravidão com atividades produtivas”, diz o pesquisador
Eduardo Girardi.
Em todo o país
Ele
explica que o documento foi elaborado após um mapeamento exploratório e
exaustivo das informações disponíveis, que indicam predominância de
trabalho escravo nas regiões de extrema pobreza — apesar de haver
registros de trabalhadores cativos em todo o país. O atlas registra um
maior número de casos no oeste do Maranhão, norte de Tocantins e leste
do Pará. Mato Grosso e estados da região Nordeste também apresentam
número expressivo. Outro fator em comum entre a maioria dos casos de
escravidão é a sua localização em “fronteiras agropecuárias”,
propriedades rurais situadas em regiões remotas, cujo isolamento
dificulta a saída dos trabalhadores e a fiscalização do poder público.
Os
trabalhadores, explica Eduardo, são aliciados por atravessadores
(chamados de gatos) em sua terra natal, onde geralmente não há
oportunidades, e levados para locais distantes. Eles já chegam
endividados: além dos custos de transporte, são obrigados a arcar com as
despesas de instrumentos de trabalho e alimentação, resultando em
valores sempre superiores ao que recebem. “Os gastos são debitados do
salário, e a dívida crescente é impagável”, observa o pesquisador. Além
disso, ficam impossibilitados de fugir, já que são vigiados por uma
guarda armada formada por jagunços. Em muitos casos, os trabalhadores
são escravizados mais de uma vez, já que se retornarem às suas cidades,
voltam também à situação de miséria e falta de oportunidades,
submetendo-se, assim, a novas contratações nas mesmas condições, por
pura falta de opção.
Índices
Além
da iniciativa inédita de mapear as áreas e as atividades com maior
concentração da escravidão no país, o atlas oferece duas ferramentas,
que contribuem para o combate ao problema: o Índice de probabilidade de
trabalho escravo e o Índice de vulnerabilidade ao aliciamento. O
primeiro deles é definido como uma “ferramenta de avaliação de risco” e
age como norteador de políticas públicas. Eduardo explica que este
índice aponta a conjugação de fatores que possibilitam o trabalho
escravo, indicando municípios com características semelhantes àqueles
onde já há escravidão. É elaborado após a análise das principais
atividades nas quais há trabalho escravo — em especial, pecuária,
abertura de novas pastagens e produção de carvão vegetal — e o
mapeamento das características econômicas das regiões onde ele ocorre.
Na
apresentação do atlas, os pesquisadores apontam que há, pelo menos,
vinte municípios com alto grau de probabilidade de trabalho escravo,
localizados nas regiões de fronteira da Amazônia brasileira. Nessas
áreas, “coincidem a queima de madeira para a fabricação do carvão
vegetal, as altas taxas de desmatamento, o trabalho pesado de destoca
para formação de pastagem e atividades pecuárias nas glebas rurais
ocupadas”, indica o mapa.
Já
o índice de vulnerabilidade aponta a fragilidade econômica e social dos
trabalhadores que correm risco de aliciamento, e indica municípios onde
Ministério do Trabalho e Polícia Federal devem intensificar
diligências, mesmo quando não há denúncias. Eduardo lembra que há
dificuldade logística em cobrir todas as denúncias, já que a maioria dos
casos ocorre em áreas remotas, e muitas vezes há vazamento de
informações sobre as operações.
Contradições
O
pesquisador considera que a utilização do mapa é essencial no combate
às contradições decorrentes do modelo de crescimento econômico baseado
na exploração de trabalhadores, e que leva à escravidão. Além disso, ele
enxerga uma relação conjuntural entre a prática e a produção de
iniquidades em saúde. Mesmo trabalhando com dados secundários, sem ter
feito pesquisa de campo sobre o assunto, Eduardo enxerga na condição
cativa sérios riscos à saúde mental — os trabalhadores são expostos a
situações de estresse, humilhações e pressões diversas — e à integridade
física dos que ali se encontram. Estes são submetidos a condições
insalubres de vida, com má alimentação e super exploração do trabalho.
“Em muitos casos, bebem a mesma água que os animais”, exemplifica.
Resultados
A
expectativa de Eduardo é que o Atlas da Escravidão no Brasil chegue ao
maior número de estudiosos possível e desperte o interesse pela
geografia crítica entre jovens pesquisadores. “Espero que os resultados
possam ter alguma utilidade para que a sociedade enfrente os problemas
sofridos pelas classes miseráveis”, diz. Ele também acredita que, ao
lado da Proposta de Emenda Constitucional 438 (conhecida como PEC do
Trabalho Escravo, aprovada em segunda instância em maio, na Câmara dos
Deputados), que prevê o confisco de propriedades, o atlas pode ser um
aliado no combate aos criminosos que insistem em uma prática que não
pode ser aceita em pleno século 21.
Trabalho escravo mapeado
O
mapa Trabalhadores resgatados mostra onde ocorreram resgates de
trabalhadores escravizados — revelando que há ou já houve escravidão
ali. Os círculos roxos, em tamanhos que variam conforme a legenda,
mostram em números absolutos a quantidade de libertados e a localização
da ocorrência. Entre 1995 e 2006, dos 29 estados, somente Roraima,
Amapá, Pernambuco, Alagoas e Sergipe, não tiveram registros, sendo que o
maior número de resgates estava no Pará, seguindo-se Mato Grosso, Bahia
e Goiás.
No
mapa Denúncias de trabalho escravo os círculos roxos indicam que a
maioria das denúncias situava-se no Pará, seguindo-se Bahia, Mato
Grosso, São Paulo e Minas Gerais. No Amazonas, Roraima, Ceará, Paraíba e
Sergipe não ocorreram denúncias.
Por: Adriano De Lavor, da Agência Fiocruz de NotíciasAdriano
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