O
novo Código Florestal pode agravar a depredação dos manguezais,
ecossistemas que se estendem por dezesseis estados e são a base da
biodiversidade no litoral. Foram escolhidas cinco regiões na costa
brasileira, nos estados do Pará, Maranhão, Piauí, Paraíba, São Paulo e
Paraná, onde serão feitas experiências de gestão e preservação dos
recursos.
Quando se fala em ecossistemas ameaçados
pela ação humana no Brasil, logo vêm à mente a Floresta Amazônica e a
Mata Atlântica, que sofrem desmatamento acelerado, e o Pantanal ocupado
de forma desordenada. Menos lembrados são os manguezais, embora eles
tenham importância crucial para a manutenção da vida na costa
brasileira. Os manguezais estão presentes em dezesseis estados que têm
litoral – a única exceção é o Rio Grande do Sul.
O Brasil abriga a terceira maior área de
manguezais do planeta, mas estima-se que um quarto da região de mangue
original já tenha sido destruído, em parte para a instalação de salinas e
de fazendas marinhas para a criação de camarões. Se o novo Código
Florestal, que deve ser votado na Câmara dos Deputados nos próximos
dias, for aprovado com o texto que já passou pelo Senado, a situação dos
manguezais poderá se deteriorar ainda mais. Pelo código atual, os
mangues são áreas de preservação ambiental, ou seja, não podem ser
ocupados nem desmatados. O texto do novo código prevê o uso de 10% a 35%
dos manguezais – dependendo do estado – justamente para a instalação de
salinas e para a criação de camarões.
Os manguezais são basicamente o
ecossistema de transição entre o mar e o continente. Encontram-se apenas
nas regiões mais quentes do globo, principalmente na faixa entre os
dois trópicos. Para se desenvolverem plenamente, necessitam de muita
irradiação solar, chuvas fartas e grande amplitude de marés Na costa dos
estados do Amapá, Pará e Maranhão, os manguezais chegam até 40
quilômetros de largura e suas árvores alcançam mais de 40 metros de
altura. O terreno lodoso característico desse bioma é formado por
sedimentos de origem marinha e continental, restos de folhas, galhos e
animais em decomposição. Isso toma o ambiente rico em matéria orgânica, o
que atrai espécies de micro-organismos e animais que usam aquela região
como fome de alimento e refúgio contra predadores.
Ao longo de toda a costa brasileira, as
pessoas que moram próximo ao manguezal dependem de sua riqueza para a
subsistência. É comum a coleta de crustáceos e moluscos que vivem
enterrados na lama para o comércio. “Cerca de 70% das espécies de
peixes, moluscos e crustáceos que são pescadas comercialmente no litoral
brasileiro têm relação com os manguezais em alguma fase de sua vida”,
diz a bióloga Yara Schaeffer Novelli, orientadora do programa de
pós-graduação em oceanografia da Universidade de São Paulo. Os
manguezais também servem de refúgio para aves migratórias. Os mangues do
Maranhão e Pernambuco, e também os da região de Cubatão, no litoral
paulista, recebem batuíras e maçaricos, aves típicas do norte do Canadá e
Estados Unidos, que se recuperam ali após a longa viagem.
A flora dos manguezais não apresenta
grande variedade. Existem basicamente seis espécies de planta nesse
ecossistema no litoral brasileiro. Suas raízes expostas servem como
filtro dos sedimentos que correm misturados à água e também como fator
atenuante de tempestades em áreas costeiras. Em Cubatão, as folhas e os
troncos das árvores de mangue às vezes se cobrem de uma película oleosa,
composta de resíduos da queima e refino de petróleo na região. Sem esse
filtro natural, a poluição na área poderia ser ainda mais imensa,
afetando diretamente as praias da Baixada Santista.
Hoje, no Brasil, a faixa de manguezal
mais ameaçada é a área conhecida como apicum, palavra de origem tupi que
significa “brejo de água salgada”. Os apicuns ocorrem geralmente nas
regiões onde as marés têm dificuldade em avançar na costa por encontrar
terras elevadas. A água que chega a essas terras se evapora rapidamente e
o chão acumula tamo sal que nele sobrevive apenas a vegetação rasteira.
A aparência desolada dos apicuns é enganosa. Seu solo abriga boa parte
da reserva de nutrientes do manguezal. Ele também serve de abrigo para
os caranguejos na fase final de seu desenvolvimento. E nos apicuns que
se instalam as criações de camarão, principalmente no Ceará, Rio Grande
do Norte e Piauí. Escavam-se enormes tanques que acabam por mudar
permanentemente as características da região.
Diz a bióloga Flávia Mochel, do
departamento de oceanografia e limnologia da Universidade Federal do
Maranhão: “Para aumentarem a produtividade, os carcinicultores enchem os
criadouros de pesticidas e antibióticos. Na época da coleta dos
camarões, esse material é escoado sem filtragem para o manguezal. Os
tanques têm vida útil de, no máximo, dez anos. Depois desse período, os
criadores os abandonam e escavam novos tanques, destruindo outra área de
manguezal”.
A deterioração dos manguezais
brasileiros nas últimas décadas é também resultado da ausência de
projetos, em escala nacional, que visem à sua preservação e ao uso
sustentável. Durante muito tempo, os únicos trabalhos produzidos sobre o
tema eram de cunho científico, com circulação limitada às universidades
e com foco em regiões restritas. O primeiro mapeamento nacional dos
manguezais foi feito apenas em 2008, pelo Ibama. Um projeto lançado há
três anos pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
(ICMBio), batizado de Manguezais do Brasil, recebeu financiamento do
Pnud, órgão das Nações Unidas que lida com questões ambientais. Foram
escolhidas cinco regiões na costa brasileira, nos estados do Pará,
Maranhão, Piauí, Paraíba, São Paulo e Paraná, onde serão feitas
experiências de gestão e preservação dos recursos. O mapeamento do
ecossistema também será atualizado, em parceria com o Ibama e o lnpe.
Espera-se que a iniciativa ajude a preservar os berçários da vida do
litoral brasileiro.
http://istoepiaui.blogspot.com.br
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