terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Manejo de capoeiras agrícolas é tema de oficina no ensino médio da Escola Poani Tuyuka

Famílias, alunos e professores da escola participaram ativamente das discussões sobre a degradação que vem sendo observada nas capoeiras do Alto Rio Tiquié, no noroeste amazônico, provocada pela forma de fazer a limpeza nas roças e ao final, fizeram recomendações, e assumiram compromisso.

Fazer limpeza nas roças durante o cultivo de mandioca sempre foi uma tarefa comum para os agricultores tuyuka na região do Alto Rio Tiquié, no noroeste amazônico. Apesar de ser importante para manter a produtividade das variedades de mandioca, a base alimentar dos povos da região, esta prática pode também ser prejudicial para a regeneração das plantas da capoeira tão importantes no processo de recuperação da floresta e para a fertilidade das terras agrícolas. Muitas delas aparecem logo após o plantio, no processo de sucessão natural, mas depois acabam sendo eliminadas com a limpeza e não conseguem regenerar novamente. Após três a quatro ciclos de uso, estas capoeiras tornam-se áreas abertas e sem vegetação. Esses fatores podem ser agravados com as chuvas características da região, que acabam lavando a camada de solos mais férteis, o que acaba também contribuindo para a sua degradação.


Capoeira onde acabou a colheita na comunidade tuyuka de São Pedro

Em torno da comunidade de São Pedro antigo existiam muitas áreas de “florestas de árvores velhas” - yuk¡b¡k¡ro - mas hoje há muitas capoeiras em estado de degradação. Os agricultores tuyuka reconhecem que a falta de cuidados com o manejo vem provocando esta situação, trazendo preocupações ao futuro da própria comunidade, com relação ao modo de como utilizar as capoeiras com sabedoria. Esse foi o tema da segunda oficina sobre a Dinâmica Florestal de Recuperação de Capoeiras Agrícolas realizada com os alunos do ensino médio da Escola Poani Tuyuka, na comunidade de São Pedro em setembro de 2011.

A oficina mobilizou a comunidade durante as discussões, envolvendo as famílias, os alunos e professores indígenas. Entre os temas discutidos, os agricultores relembraram os cuidados que devem ser tomados desde a escolha da área, o tipo de manejo e o tempo de descanso para que a floresta se regenere e a fertilidade dos solos seja restabelecida.


À frente do grupo, os conhecedores tuyuka Guilherme Tenório e Paulino Lima acompanham as pesquisas em uma capoeira de árvores adultas


Edilberto Barbosa Prado faz seus registros sobre os conhecimentos de uma capoeira de árvores adultas

O manejo das capoeiras pelos agricultores tuyuka

A agricultura da região é notadamente reconhecida por sua diversidade de recursos, considerada um dos centros de diversidade para algumas espécies que são cultivadas num sistema bastante elaborado. São as mulheres as responsáveis no processo produtivo, desde a escolha das novas áreas de plantio, bem como por toda a prática de cultivo, colheita e conservação dos recursos agrícolas e das árvores frutíferas. Cada família chega a ter em média três roças em uso por ano, sendo uma de floresta antiga e duas de capoeira.

Em muitas destas comunidades o terreno é montanhoso, com declividade acentuada, e a maior parte dos solos é arenosa, aparecendo pequenas porções mais argilosas. Esses fatores, aliados com o distanciamento das áreas férteis, localizadas nas capoeiras de floresta mais antiga, acabam fazendo com que as capoeiras novas sejam reutilizadas num curto período de tempo, inferior ao necessário para que estas desenvolvam uma vegetação secundária e recuperem sua fertilidade.


Roça de mandioca com plantio de cucura e açaí

Atualmente tem se observado uma preferência em se usar as capoeiras mais novas, sobretudo entre os agricultores mais jovens, em detrimento das áreas de florestas maduras ou em estágio mais avançado. As roças feitas na floresta antiga demandam muito trabalho, pois existem muitas árvores grossas que aumentam o esforço necessário para derrubar. É por esse motivo que as pessoas acabam utilizando as roças de capoeira, pois é mais rápido e requer esforço menor.



Felix Rezende Barbosa representa o ciclo de sucessão das capoeiras, depois da ampla discussão com os agricultores

Antigamente as roças eram abertas preferencialmente na floresta de árvores antigas (yuk¡b¡k¡ro) e não era costume fazer roças na capoeira nova. O uso do facão também facilitou a derrubada das capoeiras mais novas, pois o velho uso do machado de pedra só permitia a derrubada de árvores mais grossas e não havia meio de derrubar árvores finas. Os antigos sabiam que o uso demasiado, sem esperar o tempo certo da derrubada das capoeiras, acabava degradando os ambientes. Segundo os conhecedores tuyuka, o tempo certo para a abertura das capoeiras era a partir do florescimento de algumas árvores indicadoras. A floração do sunasã yuk¡ e do kasag¡ yuk¡, por exemplo, já sinalizavam o momento pelo qual a capoeira estava pronta novamente para ser cultivada. Para os alunos e agricultores de São Pedro, isso indicaria um estágio mais avançado da regeneração, onde as árvores típicas de capoeira já estavam crescidas e as sementes estariam sendo dispersas na terra. E quando a área for outra vez derrubada para abertura dos novos roçados, estas árvores podem se regenerar em maior abundância.

Para Paulino Ramos, um dos conhecedores tuyuka que participou da oficina de São Pedro, é preciso observar se as plantas de capoeira estão sendo substituídas pelas plantas da floresta antiga. “Isso é um bom indicador de que a capoeira está seguindo o seu desenvolvimento...”. Em sua opinião experiente, as capoeiras são como os seres humanos: “Se casam, têm filhos e criam seus netos.... que sempre vão se substituindo”.

Alguns problemas em relação ao uso não sustentável das capoeiras também são decorrentes da falta de conversa entre os familiares, para orientar e avaliar a situação do estado das áreas agrícolas. O envolvimento dos mais jovens nas atividades agrícolas não tem sido muito expressivo, tanto na derrubada ou roçada, bem como no plantio e na limpeza das novas áreas agrícolas. A falta de conhecimentos sobre o manejo das capoeiras também pode contribuir para degradá-las. É a conclusão de algumas mulheres agricultoras tuyuka que também admitiram não ter o costume de esperar as plantas de capoeira crescer para dar flores e frutos antes de roçar novamente.

Quando a população aumenta, as roças acabam ficando próximas umas das outras, eliminando os remanescentes das florestas mais desenvolvidas nas áreas próximas da comunidade. Os agricultores lembraram a importância de se reservar espaços de floresta mais desenvolvida entre as áreas cultivadas, para que outros tipos de recursos se tornem mais acessíveis. Estariam relacionados aos ambientes mais estáveis, como as plantas medicinais e as madeiras para as construções.

Antigos benziam as florestas

Os antigos benziam as florestas para proteger as pessoas antes das derrubadas, porque em sua crença existem árvores que podem afetar o agricultor. Antes de queimar, a terra precisa estar limpa e sem cheiro para que as mandiocas cresçam bem. Os benzimentos são importantes para ajudar na recuperação das capoeiras, mas hoje essa prática não é seguida por todos. Os antigos também controlavam as saúvas na época da revoada, procuravam o local de nidificação e eliminavam os ninhos dos formigueiros, antes mesmo deles se estabelecerem. Propostas para melhorar o uso das capoeiras.

A comunidade tuyuka de São Pedro elaborou um Plano de Manejo de Capoeiras na língua indígena e que procura orientar os agricultores sobre as principais práticas que eram conhecidas pelos mais velhos, mas que estavam sendo abandonadas por algumas famílias ou até desconhecidas pelos alunos.

Nas roças tuyuka as mulheres costumam plantar árvores frutíferas entre as manivas (ramas de mandioca), como o umari (Poraqueiba sericea Tul.), cupuaçu (Theobroma grandiflorum Willd. ex Spreng.), açaí (Euterpe oleracea Mart.), ingá de metro (Inga edulis Mart.), pupunha (Bactris gasipaes Kunth.), kukura ou mapati (Pourouma cecropiifolia Mart.), entre muitas outras. Durante o plantio das manivas, é importante considerar a época destas plantas cultivadas, como por exemplo, a da colheita do cará ou a safra de árvores frutíferas. Se o agricultor não atentar para esse procedimento, não terá nada para plantar junto com a mandioca e a roça ficará sem outros cultivos.


Representação de etapas do Plano de Manejo das Capoeiras desenhada por Edilson Villegas Ramos

Nesse sentido, os agricultores reconheceram que algumas vezes a capoeira é derrubada e queimada antes mesmo que estas árvores cresçam e produzam frutos para alimentação. A esse respeito, a comunidade determinou que, quando a capoeira for cultivada com árvores frutíferas, deve-se deixar crescer para produzir alimentos, e não deixar derrubar novamente e queimar para abrir o novo roçado.

Em relação à limpeza, existem experiências bem sucedidas onde foram tolerados alguns tipos de árvores que produzem alimentos, como a bacaba (Oenocarpus sp.) e o pequiá (Caryocar sp.). Para os agricultores estas práticas poderiam ser estendidas a outros tipos de árvores, como a sorva, além das que são boas para a recuperação das capoeiras e algumas madeiras de uso.

As mulheres aceitaram experimentar fazer o que chamaram de uma “limpeza seletiva” em suas roças, retirando as ervas daninhas, mas deixando algumas plantas da capoeira e da floresta antiga para ajudar a regenerar. A maior preocupação dasa mulheres tuyuka é não prejudicar o crescimento das manivas. Por fim, todas chegaram a um consenso: esperar mais para que capoeiras amadureçam e só depois reutilizá-las para fazer a roça.


Edilson Villegas Ramos representa a estrutura de uma capoeira de árvores velhas

Os jovens alunos expressaram suas preocupações com o manejo das capoeiras em seus textos e desenhos elaborados durante a oficina. Mas também manifestaram suas expectativas em obter mais apoio para continuar estes levantamentos em outras comunidades, para monitorar e animar as pessoas. É dessa forma que acreditam poder manter o pessoal na Terra Indígena e evitar que saiam para estudar na cidade.


Representação estrutural de uma capoeira de plantas adultas desenhada por Felix Rezende Barbosa

A apresentação final dos produtos da oficina foi realizada na maloca tradicional, em São Pedro. Os alunos, professores e conhecedores concluíram junto à comunidade, que a recuperação das capoeiras não acontecerá no curto prazo. Será um processo muito demorado, de várias gerações.


Avaliação e apresentação dos trabalhos da Oficina de Capoeiras, Dinâmica e Restauração Florestal

Continuidade e envolvimento de outras comunidades

A oficina trabalhou os indicadores de sustentabilidade e procurou valorizar práticas de cultivo compatíveis com a capacidade de recuperação ou resiliência destes ambientes. Para as capoeiras já degradadas pelo uso excessivo, que tornaram-se clareiras em solos arenosos e de difícil recuperação, foram selecionadas plantas recuperadoras - opataberitiri wiarirore yuk¡ wasonuko, para a recuperação das capoeiras abertas - wiariro yuku manirore otesaro. Os agricultores tuyuka propuseram a criação de uma nova categoria de capoeira, ou seja, as que foram recuperadas com o plantio de árvores - otesarĩ wiariro, considerando as práticas de manejo indígena e a incorporação de novas técnicas de agroflorestação.


Jonas Prado Barbosa explica para a comunidade a estrutura mais desenvolvida de uma capoeira de plantas adultas


Felix Rezende Barbosa apresenta os desenhos de biodiversidade e os critérios para a classificação das árvores das capoeiras em seis grupos ecológicos funcionais


Mulheres agricultoras participam da avaliação final e apresentação dos produtos obtidos durante a oficina de manejo de capoeiras tuyuka

As discussões durante a oficina de São Pedro foram posteriormente apresentadas para outras comunidades tuyuka, como em Cachoeira Comprida e Onça Igarapé, o que acabou trazendo mais reflexões positivas sobre o tema. O professor João Bosco deixou sua mensagem a todos os participantes, lembrou sobre a necessidade de realizar experimentos, pois somente assim é possível criar novos conhecimentos. “ (...) As comunidades possuem costumes diferentes, mas todos possuem conhecimento sobre esta região e sobre como manejar estes ambientes. A Escola Tuyuka vem procurando desenvolver estas atividades e foi uma boa experiência. Hoje o povo Tuyuka vive os dois conhecimentos, o dos brancos e o dos indígenas. Por isto precisamos ter cuidado para não enfraquecer o nosso conhecimento. A escola tem este objetivo de relacionar estas tecnologias e aplicar nas atividades do cotidiano.


ISA, Marcus Schmidt.
www.gta.org.br

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