Maria Adélia Guterres,
a Dona Deca, como é conhecida no povoado de São Bento, foi lavradora e
quebradeira de coco babaçu
Sentada em sua cama, no primeiro quarto da casa feita de barro,
cheia de dores, sem um olho, mas ainda lúcida, Maria Adélia Guterres, com 100
anos completados em dezembro de 2015, se lembra de um tempo muito anterior à
vida deste repórter, quando ainda jovem, ela se dividia entre o roçado e a
quebração do coco de babaçu para sustentar os cinco filhos, nascidos de um
homem, que como ela mesma diz: “Foi só pra ter”.
Se queixando o tempo
todo do reumatismo, dona Deca, como é conhecida no povoado de São Bento, na
cidade de Santa Helena (a 119 km de São Luís), diz que a doença é fruto de sua
dura lida, incluindo a perda do olho, retirado em São Luís, após uma série de
complicações. Quando nova, e com os filhos ainda guris, ela não tinha terreno
para plantar, daí que se alugava para roçar a plantação alheia.
Arroz, milho, algodão, trabalhava em qualquer hora e
qualquer tempo. Às vezes, passava dias longe das crianças, dormindo em barracos
improvisados no campo, voltava em casa apenas com o dinheiro ganho das diárias,
fazia as compras, deixava com os meninos, cuidados pela então avó [mãe de
Deca], e retornava. “E aí que eu não tinha quem roçasse e o homem que era pai
dos filhos não ligava e não dava nada e eu que me virava para criar”, conta.
Puxando da memória, ela não se lembra mais de quanto ganhava
por cada diária trabalhada, mas ainda sabe o que dava para comprar: um pouco de
farinha, um pedacinho de toucinho - esses ela levava para comer na roça -, meio
quilo de arroz, um pote de querosene, café e açúcar.
Machado
Quando acabava o tempo do roçado, ela ia quebrar coco.
Pegava o machado e andava longe atrás do fruto típico maranhense. Lá, passava o
dia todo. E quando voltava os pequenos já estavam dormindo. Chegava em casa e
não tinha descanso: passava a noite alimentando fogo para cozinhar. Não tinha
fogão e haja catar lenha e abanar as chamas. Ainda preparava a comida para as
crianças, que, mesmo já no sono alto, acordavam para, quase sempre, ter a
primeira e única refeição do dia. No dia seguinte, fedendo a fumaça, voltava à
mesma rotina.
Rindo, nas poucas vezes em que conversou com a gente, dona
Deca se lembra de um dia, em que, voltando da quebração, saiu do mato e se
deparou com uma jumenta parida. Receosa pelo filhote, o animal se danou a
perseguir a mulher. Ela correu, desembestada. O máximo que podia, até que
conseguiu se safar dentro de uma moita de mato. “Fui vivendo essas coisas e fui
ajuntando doenças. Cheia de reumatismo e bregueços”, ressalta.
Mesmo assim, ela diz que tudo valeu à pena. Dos cinco
filhos, três ainda estão vivos. Estes lhe deram uma penca de netos, bisnetos e
tataranetos que ela não consegue nem contar. Hoje, são os descendentes que
cuidam dela. “Valeu a pena, porque meus filhos me ajudam. Eles pescam, eles roçam
hoje eles cuidam de mim, os filhos e netos”.
ADRIANO MARTINS COSTA Da equipe de O Estado
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