O Brasil também não está preparado, com lacunas de adaptação que ameaçam a segurança alimentar do brasileiro nas próximas décadas.
O combate à fome em nível mundial pode sofrer um retrocesso de várias décadas caso medidas de adaptação às mudanças climáticas não sejam colocadas em prática imediatamente. Isso é o que revela um estudo da Oxfam, divulgado na semana em que se espera o 5° Relatório sobre Impactos, Vulnerabilidade e Adaptação do Clima do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), no dia 31 de março. O alerta é de que as mudanças climáticas levarão ao declínio de até 2% dos rendimentos agrícolas globais em cada próxima década, ao mesmo tempo em que a demanda por alimentos aumenta 14% por década.
O estudo “Um mundo quente e faminto: como impedir que as mudanças climáticas comprometam o combate à fome” analisa dez fatores crucias que terão influência cada vez maior sobre a capacidade dos países de alimentar a população num mundo em processo de aquecimento. Abrangendo dez áreas, a Oxfam encontrou sérias defasagens entre o que os governos estão fazendo e o que necessitam fazer para proteger nossos sistemas alimentares, desde já. Nenhum país está em condições hoje de responder aos desafios que as mudanças climáticas já representam para a segurança alimentar no mundo.
Os resultados também mostram que, embora muitos países – tanto ricos quanto pobres –, estejam despreparados para o impacto das mudanças climáticas sobre a segurança alimentar, os mais pobres e com maior insegurança alimentar estão, naturalmente, em desvantagem.
As dez áreas de defasagem do sistema alimentar global destacadas no relatório:
1. Financiamento para adaptação (pontuação: <1 2="" a="" adaptarem="" ajudar="" aos="" apenas="" as="" clima="" dinheiro="" do="" doaram="" g8="" mas="" mudan="" necess="" os="" p="" pa="" pobres.="" pobres="" prometeram="" rio="" s="" se="" ses="">
2. Irrigação (pontuação < 1/10): Na Califórnia, a irrigação abrange mais de 80% das terras cultiváveis. No Níger, Burkina Fasso e no Chade, onde os agricultores estão enfrentando secas cíclicas, a irrigação cobre menos de um 1% das terras cultiváveis.
3. Seguro agrícola (pontuação < 1/10): Apenas aproximadamente 1% de agricultores de países pobres como Malaui tem suas lavouras seguradas, em comparação com 91% de agricultores dos EUA – ameaçando sua sobrevivência quando os choques climáticos destroem suas colheitas.
4. Pesquisa e desenvolvimento em agricultura (P&D) (pontuação: 2/10): A diversidade global de sementes diminuiu 75% nos últimos 100 anos, privando os agricultores de variedades de lavouras mais apropriadas a condições meteorológicas variáveis. Os países pobres gastam um sexto da quantia que os países ricos gastam em P&D na agricultura.
5. Proteção social: (pontuação: 3/10): Apenas 20% das pessoas do mundo têm acesso a sistemas sociais de proteção adequados, como merenda escolar ou transferências de renda, quando há falta de alimento ou ele se torna muito caro.
6. Previsão meteorológica (pontuação: 3/10): Informações de estações meteorológicas ajudam os agricultores a evitar a perda das lavouras. Na Califórnia, há uma estação a cada 2.000 km2. No Chade, há apenas uma estação a cada 80.000 km2 – aproximadamente o tamanho da Áustria.
7. Discriminação de gênero (pontuação: 5/10): As mulheres compõem 43% da força de trabalho agrícola de países em desenvolvimento, mas a discriminação torna difícil o investimento em sua preparação para adaptação aos impactos das mudanças climáticas. Por exemplo, as mulheres raramente são donas das terras onde trabalham, assim, é difícil mudar seus métodos agrícolas para lidar com mudanças no clima.
8. Estoques de alimentos: (pontuação 5/10): As reservas mundiais de grãos nunca estiveram em níveis tão baixos. Caso condições meteorológicas extremas ou instáveis destruírem as colheitas em importantes países produtores, os preços dos alimentos podem disparar, desencadeando sérias crises de falta de alimentos.
9. Investimento público em agricultura (pontuação: 7/10): Apenas quatro dos 20 países africanos acompanhados pela Oxfam seguiram com seu compromisso de investir 10% de seu orçamento nacional em agricultura.
10. Ajuda humanitária para crises alimentares (pontuação: 6/10): As mudanças climáticas podem significar mais crises de falta de alimentos, pois a ajuda humanitária já não acompanha a demanda – a defasagem entre a quantia de ajuda necessária e a quantia fornecida triplicou desde 2001.
O Caso do Brasil
O Brasil teve reconhecido desempenho no quesito proteção social, o que se explica pela adoção de políticas públicas voltadas para promoção da segurança alimentar nos últimos 10 anos no país. No entanto, apresenta lacunas importantes como a discriminação de gênero – mulheres não detêm a posse da terra ou acesso à crédito, o que diminui sua produtividade – e os investimentos do Brasil em agricultura para a adaptação e resiliência ainda são insuficientes e localizados.
O Brasil é um importante produtor de alimentos, tanto em termos de agricultura comercial e commodities para exportação, quanto da agricultura familiar para o consumo doméstico, e é provável que enfrente sérios impactos devido às mudanças climáticas. Além de perdas na agricultura de subsistência, a flutuação dos preços de commodities em função da escassez pode acarretar na perda de renda para agricultores.
Para a Oxfam, “a segurança alimentar e nutricional brasileira evoluiu amplamente, apesar da crise econômica global e do modesto crescimento econômico desses últimos anos, graças a programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, programas de segurança alimentar e nutricional como o ‘Fome Zero’, bem como com a criação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN). Entretanto, 13 milhões de pessoas ainda passam fome no Brasil (FAO, Relatório do Estado da Fome, 2013)”, destaca Analuce Freitas, Oficial de Programas – Gênero, Agricultura e Mudanças Climáticas, da Oxfam no Brasil.
No entanto, acrescenta, “em cenário de mudanças climáticas, poderá haver um retrocesso considerável nessas conquistas, às quais se atribui grande parte dos avanços sociais no Brasil. Por isso, é necessário estimular cada vez mais as praticas agro-ecológicas, e ciclos curtos de produção e consumo para um sistema alimentar mais resiliente e sustentável. O Brasil tem sido exemplo para o mundo em políticas públicas para erradicação da fome, e poderia aproveitar este prestígio para ser pioneiro na questão da adaptação às mudanças climáticas visando a segurança alimentar em um horizonte bem próximo”.
Ainda é possível erradicar a fome
No relatório, exemplos positivos de adaptação em países como Gana, Vietnã e Malaui são citados, incluindo medidas de proteção social, irrigação de lavouras e investimentos agrícolas. Os sistemas alimentares destes países apresentam melhores condições de adaptação que Nigéria, Laos e Níger quanto à segurança alimentar, apesar de terem níveis semelhantes de renda e riscos climáticos.
Segundo a diretora executiva da Oxfam Internacional, Winnie Byanyima, as mudanças climáticas são a maior ameaça à luta contra a fome e podem trazer graves consequências. “Se os governos agirem em relação às mudanças climáticas, e mostrarem avanços nas áreas apontadas, ainda será possível erradicar a fome na próxima década e garantir que nossos filhos e netos tenham o suficiente para comer na segunda metade do século.”
Ao lançar sua campanha por Justiça Climática e Alimentar, a Oxfam conclama os governos e a sociedade civil em todo o mundo a pressionar por uma meta explícita de eliminação da fome no mundo até 2025 na agenda de desenvolvimento pós-2015.
A Oxfam está também incitando governos e empresas a agir agora para impedir que as mudanças climáticas provoquem a fome mediante o fortalecimento de resiliência das comunidades às mudanças climáticas, a redução das emissões de gases de efeito estufa e a garantia de acordos internacionais para o enfrentamento do impacto da variação do clima na fome.
* Publicado originalmente pela Oxfam e retirado do site CarbonoBrasil.
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