Josias Munduruku, Alaíde Silva e Eduardo Baker, da Amazon Watch, criticam uso da suspensão de segurança em audiência na OEA.
Na semana em que o Brasil lembra os 50 anos do golpe de 1964, o Estado brasileiro foi questionado publicamente nesta sexta-feira (28), na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA), sobre o uso de uma legislação que marcou a Ditadura Militar. Representantes de organizações da sociedade civil e lideranças indígenas estiveram presentes na audiênia, em Washington (EUA), para denunciar a chamada “suspensão de segurança”, instrumento que hoje vem atropelando direitos conquistados constitucionalmente, em especial de populações indígenas e tradicionais e relativos ao meio ambiente, para defender grandes interesses econômicos.
Instados pelo governo e grandes empresas, presidentes de tribunais vêm lançando mão da medida, pela qual podem suspender unilateralmente decisões de instâncias inferiores diante de um suposto risco de “ocorrência de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas”. Em suma, esse instrumento permite cassar decisões que esses presidentes julguem impertinentes, mesmo que elas não façam mais do que aplicar a lei em vigor no país.
O uso notório dessa medida se dá principalmente para suspender decisões dos tribunais sobre a ilegalidade de grandes empreendimentos. A suspensão de segurança foi usada, por exemplo, contra os direitos de comunidades afetadas pelas hidrelétricas de Belo Monte (PA) e Teles Pires (MT), e pela estrada de ferro de Carajás (PA/MA).
Entretanto, artigos da Constituição e tratados internacionais referendados pelo Brasil têm sido descumpridos pelo uso desse instrumento. Um dos mais importantes deles é a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que dita que qualquer medida administrativa ou empreendimento que afete territórios indígenas e tradicionais exige a consulta prévia, livre e informada às comunidades atingidas.
O líder indígena Josias Munduruku (PA), Alaíde Silva, morador de Buriticupu (MA), município atravessado pela estrada de ferro de Carajás, e a juíza federal Célia Bernardes, da Associação Juízes pela Democracia, foram alguns dos representantes de organizações civis e vítimas diretas da suspensão de segurança que estiveram na comissão para denunciar esse instrumento autoritário como uma ameaça ao Estado de Direito no Brasil.
“Sofremos com as consequências das barragens que estão sendo construídas em cinco de nossos rios. Só na minha aldeia, 250 famílias serão afetadas”, lembrou Josias, que representa os 13 mil indígenas do povo Munduruku, distribuídos por 118 aldeias ao longo do rio Tapajós.
“O Ministério Publico Federal apresentou uma ação na Justiça para parar as obras no Tapajós, mas o governo derruba tudo, usando a Suspensão de Segurança. As obras continuam. O governo não fez consulta prévia aos índios. Nossas famílias nunca foram consultadas e isso, para nós, é quase uma declaração de guerra. Não queremos barragem e queremos ser consultados sobre o que nos afeta. Queremos ver preservados os nossos rios e santuários sagrados. Fazemos protestos para reconhecerem nossos direitos, mas o governo segue sem reconhecer nossos líderes e nossas reivindicações”, completou.
Uma decisão proferida pela Juiza Célia Bernardes sobre a necessidade de consulta prévia ao povos indígenas Munduruku, Kayabi e Apiaká, no caso da usina hidrelétrica de Teles Pires, foi suspensa unilateralmente pelo Presidente do Tribunal Regional Federal da 1a Região (TRF-1), com seus efeitos se mantendo até o trânsito em julgado, conforme lembrado em seu depoimento.
Quanto à obra de duplicação da Estrada de Ferro Carajás, Alaíde Silva declarou: "Mesmo sendo uma nova ferrovia de quase 900km, não foi feito EIA-RIMA [Estudo de Impacto Ambiental], nem audiências públicas. Tive que sair de Buriticupu e viajar a três cidades diferentes, para finalmente poder falar por três minutos em uma das poucas reuniões que o Ibama fez sobre a obra. Graças a essa tal de suspensão de segurança, a licença foi liberada logo depois e tudo o que as pessoas como eu falaram foi ignorado."
O exemplo de Belo Monte
Um dos grandes exemplos do uso dessa medida é o controverso projeto da usina de Belo Monte (PA). A suspensão de segurança foi várias vezes aplicada pela presidência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) sob o argumento de que paralisar Belo Monte poderia ameaçar a segurança econômica do país.
Nesta quarta (26), a 5ª turma do TRF-1 julgou a apelação do Ministério Público Federal referente à Ação Civil Pública que apontou uma série de irregularidades no processo de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e da concessão da Licença Previa (LP) da usina de Belo Monte, que permitiu que o projeto fosse à leilão em 2010.
A decisão final dos desembargadores foi o estabelece cimento de um prazo de 10 dias (a partir da publicação oficial da decisão) para que o Ibama, como órgão fiscalizador e licenciador, determine ao consorcio Norte Energia que realize novo EIA, considerando todas as contribuições das audiências publicas, sob pena de invalidar a Licença Prévia.
O Greenpeace considera este um exemplo claro de como a suspensão de segurança tem sido usada para atropelar o processo de licenciamento e fazer passar, a qualquer custo, empreendimentos de interesse estritamente econômicos sem o devido respeito aos estudos de impacto ambiental e aos direitos das populações diretamente atingidas.
http://www.greenpeace.org/
Nenhum comentário:
Postar um comentário