“A
partir da regulamentação do feijão transgênico dá para se ter uma ideia
de como está funcionando a lei de biossegurança no país. Na verdade,
ela está favorecendo o interesse do agronegócio e não da população”,
observa o membro da CTNBio
Evitar uma relação de causa e efeito
entre alimentos transgênicos e possíveis problemas de saúde. Essa é a
razão para alterar a legislação que determina a rotulagem de produtos
transgênicos comercializados no Brasil, diz o agrônomo José Maria
Ferraz à IHU On-Line. Na entrevista a seguir, concedida por
telefone, Ferraz esclarece que a legislação que permite a
comercialização de agrotóxicos no país determinava o monitoramento e a
rotulagem dos produtos. Hoje, o monitoramento foi flexibilizado
pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, e a rotulagem
pode deixar de ser obrigatória coso o Projeto de Lei 4148/08 seja
aprovado. “O grande problema é que o monitoramento e a rotulagem foram
condições sine quibus non para a aprovação, à época, do uso de
organismos geneticamente modificados (…) no Brasil. Mas, agora que
aprovaram o uso, querem retirar a legislação para não haver
responsabilidade do que estão fazendo”, lamenta.
De acordo com Ferraz, o tema ainda não
foi debatido pelos membros da CTNBio, mas a Comissão não deve se opor
ao PL 4148/08, porque apenas um grupo seleto de pesquisadores questiona a
liberação dos transgênicos. “Não vejo grandes possibilidades de haver
uma posição contrária à mudança. Isso porque, através de uma discussão
interna, feita por e-mail, propus uma reflexão sobre o PL PL4148/08 para
todos os membros da CTNBio, e três se manifestaram. Um deles disse que
a rotulagem era algo ‘nazista’, que estão querendo marcar os produtos
transgênicos tal como marcaram os judeus. Ocorre que outros produtos
também são rotulados e não há nenhum preconceito”, reitera.
José Maria Gusman Ferraz é mestre em
Agronomia pela Universidade de São Paulo – USP e doutor em Ecologia pela
Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Cursou pós-doutorado em
Agroecologia pela Universidade de Córdoba – UCO, Espanha. É professor do
curso de mestrado em Agroecologia e Desenvolvimento Rural da UFSCar e
professor convidado da Universidade Estadual de Campinas. Confira a
entrevista.
IHU On-Line – Como avalia o Projeto de Lei 4148/08, que propõe a não rotulagem dos produtos transgênicos?
José Maria Ferraz – Os organismos
geneticamente modificados – ou simplesmente OGMs – foram aprovados, à
época, com uma série de considerações para poderem ser aprovados. Uma
delas era o monitoramento dos produtos após a liberação comercial, e
outra era a rotulagem dos alimentos transgênicos. Essas foram as duas
condicionantes para a aprovação de sua comercialização propostas pelos
órgãos oficiais e por autoridades que instituíram a lei.
No entanto, este Projeto de Lei prevê a
retirada do monitoramento dos produtos transgênicos, e a não rotulagem
dos produtos. O monitoramento já havia sido flexibilizado pela CTNBio,
porque antes havia uma série de regras de monitoramento e, com a
flexibilização, uma empresa pode pedir o não monitoramento do produto
caso considerar conveniente. Então, não havendo monitoramento ou
ocorrendo de forma muito flexível – ou ainda, se os produtos deixarem de
ser rotulados –, não será possível estabelecer uma relação de causa e
efeito no sentido de identificar se determinado produto está, ou não,
causando algum efeito à saúde da população.
Os produtos orgânicos, por exemplo, são
rotulados e todo mundo gosta que assim seja. Então, por que não rotular
os transgênicos, se se acredita que eles são bons? Não tem lógica não
rotular, até por garantia de o consumidor poder optar se ele quer ou não
comer determinado produto.
IHU On-Line – Quais são as razões e
justificativas para alterar a legislação acerca da rotulagem de produtos
transgênicos neste momento?
José Maria Ferraz – A justificativa é
para não estabelecer uma relação de causa e efeito em um produto que
pode gerar problemas à saúde. Trabalhos de pesquisadores franceses
estabelecem claramente uma correlação entre o milho NK603 com tumores em
ratos testados em laboratórios no longo prazo. Os estudos realizados no
Brasil são de curtíssimo prazo, de 30 a 35 dias. Se os produtos
estiverem rotulados, será possível estabelecer uma relação de causa e
efeito caso aconteça algum problema.
IHU On-Line – A rotulagem de
transgênicos permite o monitoramento dos produtos transgênicos após a
introdução deles no mercado. Como será feito o controle dos produtos
transgênicos e os estudos sobre as implicações à saúde, caso o PL seja
aprovado?
José Maria Ferraz – A tentativa de não
rotular os produtos flexibiliza também o monitoramento deles. Assim, o
monitoramento acaba sendo parecido com o recall de carros: coloca-se o
produto no mercado – segundo os economistas é mais barato deixar o
produto no mercado do que fazer um controle de qualidade –, e, caso
ocorrer algum problema, ele é recolhido. O fato é que isso não pode ser
feito com alimentos que influenciam diretamente a saúde da população.
Entretanto, a flexibilização do monitoramento levará a uma situação
dessas. O produto será comercializado e, se apresentar algum problema,
será relatado e então serão realizados estudos para ver se o caso
procede. Só depois disso será tomada alguma atitude. Junto disso a não
rotulagem dos produtos forma um pacote “extremamente interessante” para a
flexibilização geral dos transgênicos no sentido de não poder
estabelecer uma relação de causa e efeito do que está acontecendo com
os OGMs.
O que me deixa estarrecido é o fato de
essa alteração estar sendo proposta pelo presidente da Câmara dos
Deputados, Marco Maia (PT), que está vinculado a um partido que sempre
defendeu os interesses públicos e sociais. Mas, agora há uma inversão
nos valores, porque as empresas têm interesse nesse governo e
vice-versa.
José Maria Ferraz – O PL 4148/08 é uma tentativa de evitar as pesquisas na área de transgenia?
José Maria Ferraz – Nem se trata do
aprofundamento das pesquisas, porque a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária – Anvisa não tem uma notificação para os OGMs. Ou seja, não há
uma notificação como há para os nortox, por exemplo, que quando ocorre
alguma contaminação tem de avisar a Anvisa.
O grande problema é que o monitoramento e a rotulagem foram condições sine quibus non para
a aprovação, à época, do uso de OGMs no Brasil. Mas agora que aprovaram
o uso, querem retirar a legislação para não haver responsabilidade do
que estão fazendo.
IHU On-Line – Como é feito o monitoramento entre a relação de causa e efeito dos produtos transgênicos comercializados?
José Maria Ferraz – A legislação que
determina o monitoramento é de 2002, mas apenas há dois anos estamos
vendo os produtos transgênicos serem rotulados de fato e, mesmo assim,
são os produtos que têm como base osOGMs, tais como o óleo de soja, o
amido de milho e algumas rações e proteínas de soja. A lei obriga a
rotulagem de produtos que tenham a partir de 1% de conteúdo
geneticamente modificado. Porém isso não é feito. A rotulagem é
obrigatória, mas não está sendo comprida a contento. Não há fiscalização
suficiente para acompanhar se esses produtos têm rotulagem ou não.
IHU On-Line – Como o PL 4148/08 tem sido discutido na CTNBio? Quem é favorável e quem é contrário a essa mudança?
José Maria Ferraz – O panorama é o mesmo
daqueles que são mais críticos à liberação do OGM sem estudos
aprofundados. Faço parte do grupo minoritário, que não é contra
o OGM por ser contra, mas quer que sejam realizados estudos em longo
prazo. Esse grupo defende a precaução porque, se existir a possibilidade
de causar algum dano à saúde, isso deve ser verificado antes. Dentro
da CTNBio essa questão ainda não foi discutida porque ela apareceu de
repente. Então teremos uma reunião nesta semana na qual provavelmente
esse tema será abordado.
Não vejo grandes possibilidades de haver
uma posição contrária à mudança. Isso porque, através de uma discussão
interna, feita por e-mail, propus uma reflexão sobre o PL PL4148/08 para
todos os membros da CTNBio, e três se manifestaram. Um deles disse que a
rotulagem era algo “nazista”, que estão querendo marcar os produtos
transgênicos tal como marcaram os judeus. Ocorre que outros produtos
também são rotulados e não há nenhum preconceito.
A rotulagem justamente oferece a
oportunidade de o consumidor optar pelo que ele quer consumir, e saber o
que está consumindo. Todos os produtos demarcam os percentuais de
proteína, sal, lipídio e todos os ingredientes. Embora a rotulagem seja
lei, dentro da CTNBio o debate será complicado.
IHU On-Line – Há previsão de autorizar a venda de novos produtos transgênicos?
José Maria Ferraz – Existem
muitos produtos transgênicos na lista; eles ainda aguardam alguma
autorização. Hoje já existem arroz e feijão transgênicos, que são a base
da nossa alimentação, e os estudos sobre os impactos à saúde foram
realizados sem profundidade. Foram estudados 30 ratos por 35 dias. O
problema é que todos os animais eram machos. Sabemos que há diferenças
hormonais entre machos e fêmeas, e cinco deles, sem exceção,
apresentaram reações como aumento de perda do fígado, diminuição dos
rins e problemas no intestino. No mínimo era necessário realizar mais
testes para ver o que continuaria acontecendo. Mas a possibilidade foi
desconsiderada. A discussão não é científica; é ideológica.
O pior é que tem no mercado uma série de
OGMs
cruzados
com outros OGMs. Esses produtos não passam mais na CTNBio, porque eles
foram aprovados isoladamente. Existem produtos feitos à base de sete
produtos modificados geneticamente, que dão origem a novos produtos.
Isso precisa ser avaliado porque sabemos que a maioria dos genes que
estão no nosso corpo são silenciosos. A situação é crítica e não vejo
possibilidade de mudança, a não ser que a população seja informada.
IHU On-Line – É possível estimar o percentual de alimentos brasileiros que são transgênicos?
José Maria Ferraz – Quase todos os
produtos derivados da soja, ou ao menos 90% deles, e do milho são
transgênicos. Uma parcela equivalente a 80% do algodão também é de
transgênicos.
Associado a isso há um aumento de
alterações hormonais, alterações em termo do surgimento de doenças
degenerativas, câncer, apesar de não termos um dado estatístico
específico. Os transgênicos são associados aos agrotóxicos, então há um
efeito sinérgico e as plantas passam a produzir as toxinas. Toda planta
produz a toxina já liberada para alimentação. Por isso que,
provavelmente, deu essa incidência de câncer associada ao glifosato, que
é a toxina mais utilizada. Hoje, as plantas de modo geral estão mais
tolerantes ao glifosato, e os OGMs utilizam herbicidas muito mais
fortes. Essa é uma exigência dos OGMs, ou seja, uma venda casada
entre OGMs e herbicidas. A tendência é aumentar o uso desses herbicidas
mais poderosos, mais prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.
Não sabemos por que o Brasil, sendo o
maior produtor de alimentos do mundo, é o maior consumidor de
agrotóxicos. É uma relação causal muito evidente com os OGMs.
IHU On-Line – Como a lei de biossegurança tem sido aplicada diante dos novos produtos transgênicos?
José Maria Ferraz – Ela tem sido
flexibilizada porque o princípio da precaução tem sido violado, apesar
de o Brasil ter assinado um acordo internacional. A lei de biossegurança
existe com o princípio de precaução estabelecido, mas no caso do feijão
transgênico, onde está aplicado o princípio da precaução? Nenhum país
do mundo, por pior que fosse, iria aceitar um trabalho científico com
cinco organismos, só sendo avaliados em termos de toxidade.
A partir da regulamentação do feijão dá
para se ter uma ideia de como está funcionando a lei de biossegurança no
país. Na verdade, ela está favorecendo o interesse do agronegócio e não
da população, de modo geral, porque só tem estimulado o uso de
agrotóxico casado e uma insegurança quanto ao produto que está sendo
colocado no mercado. Não é de hoje que tentam alterar a legislação.
O PL será votado e sabemos como a
maioria pensa. Boa parte dos representantes está ligada aos ministérios,
e os ministérios têm a recomendação de aprovação dos OGMs, com exceção
do Ministério da Saúde. Para você ter uma ideia, pessoas ligadas
ao Ministério da Agricultura analisavam os artigos científicos. Neles
mostravam-se os problemas de caso que se estava avaliando, mas não se
colocavam essas informações nos seus pareceres.
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