terça-feira, 1 de dezembro de 2015

“Não temos tempo de esperar 4 mil anos”: povo Gamela retoma território tradicional no Maranhão





 


Vamos minha gente jogar flecha no ar (bis)
Estão derrubando as palmeiras que ainda tem neste lugar (bis).
Vamos derrubar o arame para a terra libertar(bis).
Com o tema “Revitalizando a cultura e tecendo nosso futuro”, o povo Gamela realizou, entre os dias 27 e 29 de novembro, a II Assembleia do povo, no seu território, a qual contou a presença de indígenas do Povo Krenyê e do povo Ka’apor, e foi acompanhada por representantes da Associação Nacional de Ação Indigenista (Anai), de grupos de estudos da Universidade Federal do Maranhão (NURUNI, Nera), do Cimi e da Comissão Pastoral da Terra do Maranhão.
Após a assembleia, o povo Gamela decidiu partir para a retomada de seu território tradicional, que aconteceu na madrugada desta segunda-feira, dia 30. Com a intenção de pressionar a Funai a abrir o processo de demarcação da terra tradicional e vítimas de uma situação de confinamento, degradação ambiental e invasões constantes, cerca de 100 indígenas do povo Gamela, acompanhados por lideranças quilombolas e do povo Krenyê, retomaram uma fazenda que incide sobre o território tradicional e é denunciada pelos indígenas como fruto de grilagem.
A II Assembleia do povo Gamela
Durante os dias 27 e 29, com muita cantoria, animação, colaboração, num tempo próprio e com indignação frente à destruição ambiental no seu território, conforme fala o toré, ao som do maracá e pisada forte no chão, o povo Gamela refletiu sobre a situação que está vivendo e definiu ações para construir um projeto de futuro.
A memória do processo de luta pelo reconhecimento étnico e territorial que começou em 2013, apontou para a necessidade de superar os conflitos internos, causados por práticas colonialistas e seguir em frente. Refletiram sobre o momento conjuntural marcado por fortes ameaçadas aos direitos indígenas e de comunidades tradicionais como a PEC 215, os projetos do agronegócio, como o Matopiba, que avançam sobre o cerrado, as contínuas queimadas criminosas que afetam os territórios indígenas Araribóia, Alto Turiaçáu, Awá, Caru e Geralda Toco Preto, as ameaças a lideranças do povo Ka’apor e do Povo Gamela. Se animaram com as histórias de lutas de resistência e insurgência dos povos indígenas e comunidades tradicionais para manter o seu modo de vida.
Toda a assembleia foi contagiada por cantos, danças e rituais dos três povos indígenas compartilhando lutas, estratégias e sonhos. O povo Krenyê participou do momento de debate, mas, sobretudo, na preparação de um ritual de batizado, com Beberubu (comida tradicional), corrida de tora, cantos, pinturas, nomes na língua, contribuiu para a revitalização da cultura Gamela.
Com a experiência de autogestão e autoproteção partilhada pelo povo Ka’apor, e pelos quilombolas do território Camaputiua, o povo Gamela apontou flechas para o futuro, tecendo um acordo de convivência e organização.
Entre as decisões tomadas pelos Gamela, estava a necessidade de retomar o território que foi tirado do povo. No encerramento da assembleia, os indígenas fizeram uma manifestação parando a MA 014 por quase uma hora e seguiram em caminhada dentro das comunidades do território.
“Não temos tempo de esperar 4 mil anos”
A retomada de uma fazenda dentro do território tradicional ocorreu na madrugada desta segunda-feira (30/11), após a decisão do povo Gamela de não esperar mais e  pressionar a Funai para que inicie o processo de demarcação da terra reivindicada pelos indígenas.
A fazenda retomada fica dentro de uma área de 14 mil hectares reivindicada pelo povo gamela, a qual lhes foi doada pelo Estado do Brasil ainda no período colonial, no ano de 1759. Desde então, o território foi sendo invadido e grilado, e o povo gGamela foi sendo confinado em um espaço cada vez menor.
Atualmente, mais de 700 famílias do povo Gamela vivem numa área de apenas 530 hectares, sem espaço para praticar agricultura e, ainda, sofrendo com a grilagem e a destruição de árvores e plantas importantes para sua sobrevivência, como é o caso dos açaizais, utilizados para alimentação, e dos guarimãs, cuja palha é utilizada para confecção de artesanatos.
Os Gamela denunciam que, na fazenda ocupada, áreas inteiras de açaizais e guarimãs foram destruídas para a construção de açudes.
Há algum tempo, frente à deterioração de seu território e à situação de confinamento a que foram sendo submetidos ao longo dos anos, os Gamela vêm buscando a regularização de seu território tradicional junto à Funai.
Uma liderança ouvida pela reportagem, cuja nome não é revelado por questões de segurança, contou que os Gamela foram a Brasília reivindicar o início do processo demarcatório para a Funai, mas foram informados de que não seria possível abrir um novo processo, pois já havia muitos outros em andamento. “Depois, nos disseram na Funai que o nosso processo seria o de número 401 ou 402, porque já tem outros 400 na frente. E disseram que cada processo leva em torno de dez anos pra ser concluído. Mas nós não temos tempo de esperar 4 mil anos”, afirmou a liderança.
Cerca de 100 indígenas das comunidades Gamela de Taquaritiua, Centro de Antero, Nova Vila e Tabocal encontram-se na retomada e pretendem resistir na área e pressionar a Funai a iniciar o processo de demarcação da “Terra dos Índios”, como eles chamam o território reivindicado.
Segundo o indígena ouvido pela reportagem, o dono da fazenda retomada já ameaçou os Gamela, que temem a ação de pistoleiros durante a noite. “O invasor esteve duas vezes aqui. Ele ameaçou trazer a polícia ou, caso não consiga, nos expulsar ‘de outra forma’”. O Ministério Público Federal (MPF) já foi avisado da retomada e a Funai deve ser notificada ainda hoje.
(CIMI)

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