Representantes indígenas e organizações da sociedade civil alertam sobre a importância de um acordo climático que garanta a sobrevivência dos povos indígenas e tradicionais
Os povos indígenas querem ter acesso direto a financiamentos para projetos relacionados às mudanças climáticas e que seus conhecimentos tradicionais sejam incorporados ao novo acordo climático internacional como elementos de adaptação e inovação. Também demandam o reconhecimento de seus direitos e consideram que o acordo é uma questão de sobrevivência.
Esses foram os principais recados dados pelo Caucus Indígena na rodada de negociações realizada nesta semana em Bonn, na Alemanha, a última antes da próxima Conferência do Clima (COP-21), que será realizada em Paris, em dezembro.
O Caucus é o apelido do Fórum Internacional de Povos Indígenas sobre Mudanças Climáticas, instância da Convenção do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU) onde lideranças de povos indígenas de diferentes regiões do mundo discutem e tenta, aproximar conceitos e posicionamentos em relação a essas negociações (saiba mais sobre o Fórum de Povos Indígenas).
Ouvir as demandas dos povos indígenas e tentar refleti-las no acordo de Paris e prolongar esse diálogo foi a intenção declarada por Laurence Tubiana na reunião em Bonn, representante especial do Governo francês para a COP-21.
“Nós indígenas colocaremos muita energia para construir uma linguagem forte de direitos humanos, incluindo direitos indígenas e conhecimentos tradicionais indígenas no acordo”, afirmou Hindou Oumarou Ibraim, liderança africana do Caucus.
“Os povos indígenas trazem um enfoque do lado humano do problema, na perspectiva de resolver violações de direitos fundamentais e o deslocamento dos povos”, conta Estebancio Castro Días, liderança indígena Kunayala do Panamá
Membros dos governos da França e da Noruega explicaram aos líderes indígenas que pretendem defender a inclusão dos conhecimentos indígenas no texto de Paris. Já a proposta do Caucus de garantir acesso direto ao financiamento no combate e adaptação às mudanças climáticas é apoiada por países como a Noruega e organizações da sociedade civil. Líderes indígenas veem a COP21 como uma oportunidade para se concretizá-la.
Com posição favorável a essa proposta, a Guatemala reforçou a necessidade da construção de capacidades para que os países e populações mais excluídas possam participar dos fundos climáticos. O país explicou que, no seu compromisso nacional de redução de emissões (INDC, na sigla em inglês), os indígenas tiveram uma participação especial.
“É preciso reconhecer o papel dos povos indígenas nesse processo. Em muitos lugares eles estão sendo os verdadeiros protetores das florestas e podem contribuir enormemente para evitar que mais emissões [de gases de efeito estufa] aconteçam”, explicou Mark Luttes, assessor das negociações do WWF.
Sociedade civil reclama compromissos justos e mais ambiciosos
A sociedade civil lançou em Bonn o relatório denominado “Repartição Justa”, em evento organizado na véspera das negociações. Ele explica como os objetivos de redução de emissões já registrados por 146 países – que englobam 87% das emissões globais de gases de efeito estufa – só atingiriam a metade da redução necessária, em 2030, para evitar que o mundo ultrapasse o aumento 2º C da temperatura média do planeta, limite considerado seguro pelos cientistas. Os próximos 15 anos serão chave se queremos evitar os efeitos mais dramáticos da mudança climática, reforça o relatório.
Por outro lado, graças a uma metodologia que considera as emissões históricas e atuais e as capacidades dos países, o documento mostra o que seria uma repartição “justa” dos compromissos de redução de emissões. No acordo internacional anterior, o Protocolo de Quioto, havia uma solução binária, de países desenvolvidos e o resto. Agora, em um mundo mais complexo, é necessária uma maneira de estabelecer metas dependendo da responsabilidade e capacidade de cada país, explica Mark Luttes, do WWF. O relatório é um trabalho de consenso das principais organizações da sociedade civil que acompanham as negociações internacionais.
Segundo a metodologia, Estados Unidos, Japão e União Europeia estariam bem abaixo do nível de redução de emissões com o qual deveriam se comprometer. Rússia nem sequer registrou seu compromisso ainda. E o Brasil também não atingiria o nível de ambição adequado
Ambiente político quer evitar o fracasso de Copenhague
Segundo Manuel Vidal, presidente peruano da COP-20, o objetivo central da Conferência de Paris é fechar um acordo de longo prazo que incorpore todos os países. “Não podemos barganhar a vida”, declarou o co-presidente argelino Ahmed Djoghlaf na plenária em Bonn. Em suma: ninguém quer ver a negociação fracassar, como aconteceu em Copenhague, em 2009.
As palavras eloquentes e o objetivo nobre tropeçam nos contenciosos mais importantes, principalmente a promessa de US$ 100 bilhões que anualmente deveriam ser transferidos dos países desenvolvidos aos países em desenvolvimento a partir de 2020 para o financiamento climático.
Os países grupo G-77 e China não validaram o relatório feito pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que calcula que, em 2014, foram disponibilizados US$ 62 bilhões para o combate às mudanças climáticas
“É uma questão de vida ou morte. Precisamos de financiamento agora e no futuro. Paris terá sucesso se essa questão for parte do núcleo do acordo”, concorda a embaixadora da África do Sul, Nozipho Mxakato-Diseko.
Em uma reunião com os observadores de ONGs, em Bonn, Christiana Figueres, secretária executiva da Convenção do Clima, afirmou, em um tom mais otimista, que a ação climática será incrementada exponencialmente a partir 2015. Para ela, Paris deverá ser um divisor de águas: o centro de comando deve sair do espaço diplomático e espalhar-se nos países, cidades, empresas, para o conjunto da sociedade. “Senão não teremos feito nosso trabalho direito”, afirmou.
“Agora, precisamos urgentemente nos envolver no nível micro. As pessoas podem ser parte da solução, a pedra que cai na água e espalha as ondas”, destaca Iara Pietricovsky do Inesc. “Na Alemanha, quando tem uma enchente, todo o mundo entende que tem uma relação com o clima. Já no nosso Brasil, para as pessoas realizarem esse vínculo, é muito raro”, explica Pietricovsky.
Por: Por Juliana Splendore, de Bonn, e Carlos García Paret, de Paris
Fonte: ISA
Fonte: ISA
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