Segundo dados oficiais do Governo Federal, até o final de agosto passado, das 3.524 comunidades quilombolas mapeadas pela Fundação Cultural Palmares (FCP), apenas 1.711 (48,55%) obtiveram o certificado de “comunidade remanescente de quilombo” e, entre 1995-2010, somente 189 (5,36%) obtiveram o reconhecimento de suas terras, por meio de 120 títulos de terra(1). Conclusão: há muitas comunidades por certificar e um número ainda maior esperando para ter seu território reconhecido e titulado.
O novo Governo Federal está diante de dois grandes desafios: em primeiro lugar, saldar a dívida deixada pelo seu antecessor; em segundo lugar, ir mais além dos resultados alcançados no que se refere à titulação das terras e territórios quilombola. A Agenda Social Quilombola, por exemplo, estabeleceu como metas em 2007 a produção de 713 Relatórios Técnicos de Identificação e Delimitação (RTIDs) e uma área total titulada e indenizada de 2.580.00 hectares; o Plano Plurianual (PPA) 2008-2011, por sua vez, previu como meta a titulação de 264 territórios quilombola, dos quais 198 somente entre 2008-2010. Passados três anos de implementação da Agenda Social Quilombola (2008-2010) foram emitidos apenas 36 títulos de terra, número bastante aquém da meta estabelecida em 2007.
Enviado ao Congresso Nacional no final de agosto, o novo Plano Plurianual (PPA 2012-2015) está dividido em 65 programas temáticos, com 491 objetivos e 2.503 iniciativas. Para sua execução, o Governo federal prevê um investimento global de aproximadamente R$ 5,4 trilhões. Lamentavelmente, no novo PPA, as comunidades quilombolas não mais contam com um programa específico; na transição para o novo PPA não mais existe o programa Brasil Quilombola. Por outro lado, constatamos que as comunidades quilombola aparecem como público-alvo em treze programas temáticos, em alguns casos em ações voltadas para outros grupos sócio-culturais, como povos indígenas, ciganos, agricultores familiares e assentados etc.
De qualquer forma, é possível dizer que há um programa temático de referência para os próximos quatro anos, que se intitula Enfrentamento ao Racismo e Promoção da Igualdade Racial, e que tem na Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial o órgão gestor responsável. A esse programa está sendo proposto pelo Governo Federal, para o ano de 2012, um orçamento no valor de R$ 73,125 milhões, e para os três anos seguintes, mais R$ 239,498 milhões, totalizando no período de 2012-2015 cerca de R$ 312,623 milhões.
Entre os objetivos desse programa está realizar a regularização fundiária das terras de comunidades quilombolas, a cargo do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Pretende decretar de interesse social 120 territórios quilombolas; demarcar, certificar e titular os territórios desintrusados em nome das comunidades – não se comprometendo, no entanto, com números; e publicar 140 portarias, reconhecendo 64 mil hectares e beneficiando 14 mil famílias. Também pretende publicar 190 RTIDs, identificando 660 mil hectares, beneficiando13 mil famílias. Além disso, pretende vistoriar e avaliar 520 mil hectares de terras inseridas nos territórios quilombolas, indenizando 250 mil hectares.
Para 2012, segundo o Projeto de Lei Orçamentário (PLOA) encaminhado ao CongressoNacional no final de agosto passado, o Poder Executivo propõe para a ação de Indenização das Benfeitorias e de Terras aos Ocupantes de Imóveis em Áreas Reconhecidas para as Comunidades Quilombolas um orçamento de R$ 50 milhões; e para a ação de Reconhecimento, Delimitação, Desintrusão e Titulação de Terras Quilombolas, outros R$ 6 milhões. Se aprovado pelo Congresso Nacional, o orçamento proposto para 2012 pelo Executivo, para executar a ação de reconhecimento e titulação, será menor do que em 2010 e 2011.
Ainda no âmbito desse programa temático, nesses quatro anos o Governo diz estar comprometido com a meta de assegurar o acesso a serviços, programas e projetos governamentais a 700 comunidades quilombolas certificadas e/ou tituladas, complementada pela meta de implantar um Sistema de Monitoramento e Avaliação (SM&A) das ações governamentais voltadas para as comunidades quilombolas. É dito também que pretende desenvolver projetos de “fortalecimento institucional” das organizações representativas de comunidades quilombolas certificadas e/ou tituladas; não informando, no entanto, onde e como.
Outro programa temático que traz a problemática fundiária relacionada com as comunidades quilombolas intitula-se Reforma Agrária e Ordenamento da Estrutura Fundiária, também de responsabilidade do MDA. Esse programa tem entre seus objetivos um que nos interessa ressaltar. Esse objetivo é assim definido: identificar, discriminar e arrecadar as terras devolutas, destinar as terras públicas e executar a regularização fundiária nas terras federais e nas estaduais, em parceria com os respectivos governos, para a democratização do acesso à terra, com condições simplificadas para imóveis rurais pequenos e médios, bem como para a promoção dos direitos territoriais das populações quilombolas, povos indígenas e outras comunidades tradicionais, e contribuir para o combate da pobreza no meio rural. Lamentavelmente não há uma definição clara, concreta, dos compromissos assumidos pelo Governo, apesar de haver mais de 1.500 comunidades quilombolas que aguardam do Estado a titulação das suas terras.
Para quem acompanha a elaboração e a execução dos planos Plurianuais ao longo da última década fica evidente que várias iniciativas contidas no PPA 2012-2015 não são de fato novas.Algumas são extensões de ações iniciadas em anos passados, outras estão ligadas a políticas de execução continuada, como é o caso da saúde, saneamento e educação escolar. Diferentemente dos povos indígenas, não encontramos referência explícita de relação com temas emergentes, com o Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação florestal+ (REDD+) e o pagamento por serviços ambientais (PSA), que tem dado um novo colorido às iniciativas de gestão ambiental e territorial nas Terras Indígenas.
Por outro lado, no programa temático Agricultura Familiar ressalta a dimensão produtiva e comercial que o MDA quer dar à sua ação junto às comunidades e nas terras e territórios quilombola. Isso se manifesta na definição de duas metas específicas para quilombolas para o quadriênio 2012-2015: uma é adequar as condições de crédito às particularidades dos quilombolas; a outra é ampliar o acesso das comunidades quilombolas às políticas de financiamento, fomento, proteção da produção, garantia de preços e da renda, por meio da construção de uma proposta de ajuste e qualificação da Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), ampliação das entidades emissoras e capacitação dessas comunidades. Inclui também criar estratégias para ampliar a comercialização de gêneros alimentícios das comunidades quilombolas no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
Além disso, o Governo Federal se compromete nesse programa temático com a meta de contratar serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) para 20 mil famílias quilombolas, indicando a intenção de que esse tenha um recorte adequado às especificidades das famílias e comunidades atendidas. Dessas vinte mil famílias, anuncia que duas mil vivem na Região Norte e sete mil na Região Nordeste. Também pretende implementar a meta de incentivar as Escolas Famílias Agrícolas (EFAS) a destinarem vagas exclusivas para estudantes quilombolas e qualificar 250 agentes de desenvolvimento rural para atuação junto às comunidades quilombolas. Para 2012, é proposto um valor orçamentário de R$ 4,212 milhões para implementar a ação de ATER para Comunidades Quilombolas.
Desenha-se, portanto, uma estratégia que passa pelo crédito, pelo acesso a mercados institucionais e não institucionais, e pelo fortalecimento das capacidades humanas e sociais locais de um conjunto de famílias quilombolas. Isso, ao menos, parece articular-se de maneira lógica com os objetivos do Plano Brasil sem Miséria. Segundo consta do documento que acompanha o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) para o exercício financeiro 2012, intitulado Mensagem Presidencial, o Governo buscará, por intermédio do Plano, chegar até onde vivem os agricultores familiares, assentados da reforma agrária e populações tradicionais (extrativistas, quilombolas, ribeirinhos) em situação de extrema pobreza, “trazendo-os para uma dinâmica de inclusão produtiva”. Se isso acontecerá e como, só o tempo dirá!
Por fim, destacamos o programa temático intitulado Cultura: Preservação, Promoção e Acesso, sob a responsabilidade do Ministério da Cultura. Nele há o objetivo de Promover, preservar e difundir o patrimônio e as expressões culturais afro-brasileiras, onde o Governo federal definiu como meta realizar ações para o “desenvolvimento sustentável” em 1.635 comunidades remanescentes de quilombos, tradicionais e de terreiros, sendo 1.013 localizadas na Região Nordeste. Infelizmente não há um detalhamento, nem ao menos conceitual, relacionado à expressão “desenvolvimento sustentável”. Para 2012, o Governo Federal propõe um valor orçamentário de R$ 1 milhão para Proteção e Promoção das Comunidades Quilombolas e de Terreiros; e R$ 100 mil para Assistência Jurídica às Comunidades Remanescentes de Quilombos. Muito pouco se considerada a demanda dessas comunidades.
O Governo Dilma Rousseff está diante de um grande desafio: o de dar conta da dívida deixada especialmente pela gestão anterior. Infelizmente, pelo apresentado até aqui, não fica claro qual o nível de prioridade que dará para a efetivação do direito à terra das comunidades remanescentes de quilombo.
(1)A fonte dos dados é o INCRA, refletindo a situação em 28/08/2011.
Por: Ricardo Verdum- Assessor de Políticas, Inesc.
http://www.inesc.org.br/biblioteca/textos/terras-e-territorios-quilombolas-no-ppa-2012-2015
Leia também, de Ricardo Verdum:
Terras e Territórios Indígenas no PPA 2012-2015
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