quinta-feira, 11 de julho de 2013

Entrevista com Marcelo Carneiro: Uma crítica ao modelo de desenvolvimento e a “indústria da miséria” no Maranhão

 Autor: divulgação/internet


A manchete da nossa última edição fez a pergunta: “qual o caminho da mudança no Maranhão?” Com o objetivo de estimular e provocar este debate, este mês nós fizemos uma entrevista com Marcelo Carneiro, sociólogo e professor da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Hoje, ele coordena o Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFMA e, também coordena, o grupo de pesquisa Trabalho e Sociedade.

No final deste ano, Marcelo estará lançando o livro Terra, trabalho e poder: conflitos e lutas sociais no Maranhão contemporâneo, que reunirá textos produzidos por ele, ao longo de 20 anos de pesquisas. Neste período, ele estudou e conviveu com problemas relativos à estrutura agrária do estado e suas relações de trabalho; a mineração e a siderurgia; a luta pela terra e a ocupações camponesas; além do trabalho escravo e a migração de maranhenses.

O retumbante fracassado do modelo de desenvolvimento do Maranhão dos últimos 40 anos, pautado no agronegócio e nos chamados “grandes projetos”, permeia a pesquisa deste professor e foi o tema central da nossa conversa. Tratamos também do ambiente político do estado, da máfia-oligárquica (definida nesta entrevista como “indústria da miséria”) e de uma oposição que fala em mudança, mas que precisa dizer, com clareza, o que realmente quer mudar.

Conduzida pelo jornalista Emilio Azevedo, a entrevista contou a colaboração do historiador e professor da UFMA, Wagner Cabral da Costa. Em 2009, Marcelo Carneiro e Wagner organizaram o livro A Terceira Margem do Rio, que reuniu textos de cristão progressistas e professores universitários, tratando daquilo que o historiador tem chamado de “questões substantivas” do Maranhão. Algumas das questões que estão aqui, nesta entrevista.

Emilio Azevedo - Vamos começar falando da soja, que cada vez mais avança sobre as terras do Maranhão. A soja é inimiga da agricultura familiar?

Marcelo Carneiro - O problema não é o produto, a cultura em si. Por exemplo, o milho, que normalmente é tido como uma agricultura produzida por agricultores familiares, os sojicultores estão entrando com força na produção de milho em larga escala. Já o eucalipto, que é uma monocultura que expulsa muito agricultor no Brasil, você tem camponeses nos Andes e na América Central, que no sistema produtivo deles, você tem plantio de eucalipto. O problema é a grande propriedade capitalista no campo. É o padrão de desenvolvimento do capitalismo na agricultura brasileira. Essa é a questão a ser enfrentada. Não é a soja, não é o eucalipto. Porque a soja e o eucalipto podem ser plantados e produzidos, tanto em pequenas propriedades, por agricultores familiares, como dentro de latifúndios, por grandes empresas.

A soja tornou-se um problema no Brasil, a partir dos anos 1960. Antes ela era produzida nos estados do sul do Brasil em pequenas e médias propriedades. Depois houve um processo de melhoramento genético que permitiu que a soja pudesse ser produzida em larga escala, no cerrado. Então, o padrão foi modificado completamente. Foi a partir daí que se desenvolveu a grande empresa sojicultora no Brasil. A partir de convênios, inclusive, com uma agência de cooperação internacional japonesa (a JICA), que estabeleceu uma série de convênios, chamados de Programa de Desenvolvimento do Cerrado (PRODECER) com o governo brasileiro. Já nessa época, a Vale, ainda estatal, começa a aparecer como parceira nesses convênios. É um processo que começa em Minas, depois Goiás, oeste da Bahia, depois Maranhão e Tocantins.

Agora o que temos no Brasil é sojicultura empresarial, com vastas extensões de terras. Para tu teres uma idéia, um grupo que se chama a SLC, que tem fazendas no sul e no leste maranhense, ela prevê em seu plano estratégico, até 2020, ter 700 mil hectares de terras próprias ou alugadas, plantadas com grãos, dentre os quais a soja e o algodão. Então o problema não é a soja em si, mas o padrão de desenvolvimento do capitalismo na agricultura brasileira.

Emilio Azevedo - A concentração de terras é o ponto central do problema?

Marcelo Carneiro - Em relação ao desenvolvimento do capitalismo no campo, você tem, logo de cara, dois problemas: de um lado é consumida muita terra, então, ele expropria quem está em cima dessas áreas. A tendência do mercado de terras é de expropriar pequenos e médios proprietários, é concentrar a propriedade da terra. Mas, tem outro problema. Este capitalismo no campo gera pouco emprego. A produção agrícola em larga escala ela é intensiva em capital. Uma máquina desemprega cerca de 300 trabalhadores na lavoura canavieira. Apenas uma máquina! Então, esse é o padrão. Eu expliquei esse aspecto em um livro chamado “A agricultura familiar da soja na região sul e o monocultivo no Maranhão”, publicado pela FASE, mostrando porque a expansão da área plantada com soja no Maranhão não significou aumento importante no emprego agrícola. Esse é um grande paradoxo desse modelo de desenvolvimento, o Estado incentiva um modelo produtivo que é intensivo no uso da natureza e do capital, mas, que não dinamiza o mercado de trabalho nas regiões onde se instala.

Wagner Cabral – Pelas estatísticas do Ministério do Trabalho, o agronegócio gera menos de 2% dos empregos formais do Maranhão.

Marcelo Carneiro – Pois é, gera pouquíssimo emprego. Em Anapurus, por exemplo, município que na época desse estudo concentrava a maior área plantada no leste do Maranhão. Nesse município, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desepregados (CAGED), a maior parte do emprego formal estava na categoria da extração vegetal, ou seja, era o emprego dos operadores de moto-serra. Ai vem à pergunta: mas como, se nesse município a atividade econômica mais importante é o plantio de soja? A explicação é que a turma da extração vegetal é uma atividade assessória da sojicultura, o pessoal da motosserra é que vem primeiro, limpa o terreno para o plantio posterior da soja. Geralmente, são empresários que querem essa lenha da abertura das áreas para a produção de carvão vegetal, cujo trabalho é quase sempre insalubre. Eles fazem um acordo com os sojicultores, limpam o terreno, retiram a vegetação, transformam em carvão e depois vem à soja, já com a área limpa.

E tem um terceiro problema, que é a questão ambiental. Tem a questão dos agrotóxicos. Nesta que é chamada de agricultura de precisão, pois supostamente todos os riscos são perfeitamente controlados, a produção feita com base de um uso intensivo de tecnologia, com muito uso de agrotóxicos. Estes produtos químicos, chamados de agroquímicos ou agrotóxicos, têm um impacto brutal sobre o meio ambiente. Nesta questão, tem outro caso, documentado numa recente pesquisa da professora Maristela de Paula Andrade, feita na região do Baixo Parnaíba, que revela que aquela bacia hidrográfica perdeu a força que ela tinha há décadas atrás. Ela observou isso em uma área onde existe muito plantio de soja e eucalipto. Então, no padrão de desenvolvimento da agricultura capitalista, a especulação fundiária e a expulsão de agricultores é apenas uma dos graves problemas. Os problemas passam também pela geração de poucos empregos e pela produção de efeitos ambientais extremamente nefastos.

Emilio Azevedo - Fale sobre a questão da violência no campo, que, nos últimos anos, voltou a aumentar no Maranhão.

Marcelo Carneiro - Nas décadas de 70 e 80 podemos dizer que estes conflitos eram uma conseqüência da política de incentivos fiscais, via SUDAM e SUDENE, somada a política de territorialização da grande propriedade fundiária promovida pela Lei Sarney de terras. È também o período de ouro da chamada modernização conservadora da agricultura brasileira, uma expressão que foi popularizada pela publicação de um livro do atual secretária-geral da FAO, José Graziano da Silva, que é um importante especialista na questão agrária brasileira. No que consistiu essa modernização conservadora? Na tentativa de transformar o latifúndio improdutivo em empresa agrícola moderna, através da concessão de crédito subsidiado e no favorecimento do acesso a terra.

No caso no Maranhão, nós tínhamos uma realidade agrária dominada pelo latifúndio tradicional, com o camponês vivendo dentro dele, trabalhando para latifundiários que viviam da extração da renda da terra desses camponeses, que também eram explorados nas cantinas das fazendas, onde vendiam coco babaçu a preços ínfimos e compravam as mercadorias que necessitavam para o seu sustento. Esse processo está bem explicado num livro chamado “Palmeiras em Chamas”, de Peter May.

Nos anos 1970 e 1980, através da política de incentivos fiscais da SUDENE e da SUDAM, esses latifundiários foram estimulados a converter suas áreas de babaçuais em pastagens, para a criação de gado. Ou seja, eles foram incentivados a expulsar os camponeses que viviam de forma subordinada em suas terras, para dar lugar a gado e pastagem, como muito bem documentou Murilo Santos no vídeo-documentário “Bandeiras Verdes”. Esse processo de modernização incluía os senhores locais e grupos empresariais que se apossaram da terra e que não tinham nenhuma relação com o Maranhão, caso da Varig, do grupo Cacique, do grupo Meira Lins, da Sanbra, etc. Basta lembrar que na área de colonização da COMARCO, no município de Santa Luzia, a perspectiva era a da venda, a preço de banana, de 700 mil hectares de terra.

Emilio Azevedo - As empresas foram expulsas, a partir de um grande movimento de ocupação, ocorrido na região do Pindaré, a partir do final dos anos 80

Marcelo Carneiro – Exato! Isso é importante registrar, pra gente não ter uma idéia que o campesinato passou esse tempo inteiro sendo derrotado. Acho que de 1986 até o final dos anos 1990, até retomada recente do crescimento do agronegócio, o Maranhão é o estado, junto com Pará e Pernambuco, em que você teve o maior número de ocupações de terras no país. Isso permitiu que esses camponeses retomassem a terra, em muitos locais de onde eles tinham sido expulsos. A região de Santa Luzia foi uma delas. Lá têm mais de meio milhão de hectares de terra que os camponeses retomaram. Mais de 40 fazendas. Foi na época que o MST entrou aqui no Maranhão, através do Manoel da Conceição.

A primeira experiência do Movimento Sem Terra no Maranhão é organizada pelo Manoel da Conceição e o Luis Vila Nova. Atuando inicialmente como MST, mas, depois, somente como o Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural (CENTRU) eles darão o apoio mais importante para o desenvolvimento desse movimento de ocupações. Então, é importante não deixar isso passar em branco. Hoje, quando você olha os dados, é possível estimar que cerca de 22 a 35 por cento (aí depende de como este calculo é feito) das áreas dos estabelecimentos agropecuários do Maranhão encontram-se nas mãos de camponeses. Então, isso não é uma coisa de menor importância.

Quando terminou esse período, já no final dos anos 90, tem uma retomada da capacidade do agronegócio de se desenvolver, agora não mais baseado naquela política de incentivos fiscais. Uma retomada no crescimento, em outro patamar, de uma forma muito mais vigorosa do agronegócio, muito associada ao crescimento da demanda chinesa por alimentos. Ou seja, passamos a assistir um novo ciclo de crescimento da industrialização da agricultura, da expansão da empresa capitalista no campo, que inclusive tem capacidade própria de financiamento.

Emilio Azevedo - E hoje, porque a violência no campo volta a fazer parte da rotina maranhense?

Marcelo Carneiro - É a pressão sobre o mercado de terras. Você tem a expansão da sojicultura nas regiões de cerrado, tem o crescimento dos plantios de eucalipto e, em menor medida, da lavoura canavieira. Mas, podia ser pior. A soja ela tem um limite natural porque ela precisa de chapada. Então, a soja tá na nossa área de cerrado. Onde tem babaçu, na região dos cocais, por exemplo, a soja não entra. Na região Tocantina tem a expansão do eucalipto, com a fábrica da Suzano lá de Imperatriz. Só que a Suzano comprou a área que a Vale tinha implantado, no início dos anos 90, com o projeto Celmar, uma área de mais ou menos 40 mil hectares de eucalipto. Então, esse impacto da implantação dessa unidade de produção de celulose sobre o mercado de terras, ocorreu já nos anos 1990. A questão é que a Suzano também possui outro empreendimento, no momento paralisado, de produção de celulose no estado do Piaui. A construção da base florestal para esse empreendimento é que está gerando parte importante desse conjunto de conflitos fundiários no leste maranhense, que estão sendo estudada pela equipe da professora Maristela Andrade.

Porque eu digo que poderia ser pior? Porque a pecuária, que na Amazônia Legal, em Rondônia, Pará e Mato Grosso, é o principal vetor dos desmatamentos e dos conflitos agrários. Aqui no Maranhão ela não desenvolveu tanto, neste período, por conta principalmente da situação sanitária, pelo fato do estado não ser livre da febre aftosa, de forma que a carne que é produzida aqui, não pode ser exportada, se orienta majoritariamente para o mercado interno. Contudo, como está previsto, para esse ano, que essa barreira seja levantada. Na hora que esse embargo acabar, a tendência é que a expansão da atividade pecuária também venha pra cá.

Wagner Cabral - Tem uma pesquisa tua, Marcelo, que faz um levantamento dos últimos 20 anos da expansão da pecuária, conectada ao mercado externo. Quando você compara os dados do Maranhão, com os dos demais estados, como Rondônia, o Pará e outros, a taxa de crescimento do rebanho do Maranhão é expressivamente menor. Mas, se pode localizar, só nessa última década, um patamar de crescimento que é mais ou menos equivalente ao restante da Amazônia. Isso sem ainda a possibilidade da exportação, porque é uma produção que está sendo realizada no mercado interno. Com a possibilidade de exportação e o fim dessa barreira, a pressão vai aparecer já a partir dos próximos anos.

Emilio Azevedo - Marcelo, tu falaste que, no Maranhão, uma parte considerável das áreas de estabelecimentos agropecuários, está nas mãos de camponeses. Por que, então, a produção agrícola do Maranhão, a produção dos assentamentos, é pouca? Por que uma cidade como São Luís importa, de outros estados, boa parte do que come?

Marcelo Carneiro – Existem diversas questões que dificultam o desenvolvimento da agricultura familiar no Maranhense. Primeiro precisamos considerar que muitas vezes os locais onde esses agricultores foram localizados caracterizam-se por ser um solo de baixa qualidade. Segundo, temos que considerar que a principal tecnologia utilizada para a implantação dos plantios ainda é com o auxílio do fogo, o que significa que essas áreas deveriam ter uma dimensão suficiente para permitir a regeneração da vegetação, antes do próximo plantio, o que quase nunca é o caso. Ou seja, você tem a pior combinação possível, solos frágeis e superexploração da terra. Nesse caso não tem agricultura familiar que sobreviva. Para resolver este problema, tem que investir em pesquisa agropecuária. No Maranhão, não havia uma unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA). A EMBRAPA foi instalada no Maranhão agora, há pouco tempo. Em Belém, por exemplo, há muito tempo tem um centro de pesquisa e no Piauí também. Aí entra a responsabilidade das elites políticas desse estado.

Tem que ter pesquisa! Aqui, nós deixamos passar 40 anos. Precisa também ter uma política de extensão, para levar esse conhecimento para o campo. Então, do ponto de vista dos camponeses, nós temos que verificar essa situação da falta apoio. Além dos problemas relacionados com o uso extensivo do solo existem as pragas que atacam as diferentes culturas (arroz, mandioca, feijão, etc.), que destroem as lavouras e o agricultor não possui apoio para resolver o problema. No Maranhão a agricultura familiar enfrenta muitos problemas que demandam pesquisa, pois nosso estado possui uma diversidade muito grande de ecossistemas. Isso significa que não podemos pensar em enfrentar esses problemas com pacotes tecnológicos homogêneos, pois a diversidade ambiental demanda a produção de soluções localizadas, que sejam capazes de articular o saber técnico com o saber local, dos camponeses.

Wagner Cabral - Dentro disso, vendo os dados de financiamento de crédito rural no Maranhão, você tem um crescimento considerável do financiamento para pequena agricultura. Mas, o impacto do ponto de vista do sistema produtivo é muito pequeno. Como é que tu enxergas essa questão? Porque um dos problemas é essa questão do financiamento. Não é?

Emílio Azevedo - O financiamento cai no vazio.

Wagner Cabral - Na verdade, em alguns casos, a impressão que me dá é que esse crédito acaba funcionando como uma espécie de fundo perdido, tanto que boa parte dos agricultores, depois, não se viabiliza para novos empréstimos e a coisa funciona, para esses setores, como uma espécie de bolsa família ampliada.

Marcelo Carneiro - No Maranhão, diante da falta de assistência técnica, existe uma indústria de elaboração de projetos. Nela, um percentual do dinheiro que vem para financiar a produção dos agricultores familiares, fica para o responsável – a empresa ou indivíduo - pela elaboração do projeto. Então, você criou uma indústria de projetos que, normalmente, não são de boa qualidade. O que mais você vê nos assentamentos são projetos que foram feitos sem qualquer viabilidade técnica, de baixa qualidade. São projetos feitos por empresas ou indivíduos que se reproduzem a partir desse mercado, vivem disso. Então, além desses projetos de péssima qualidade, tem o problema da intermediação do recurso. Existem, em nossa região, quadrilhas envolvendo políticos, funcionários públicos e empresas, que se especializaram no desvio desses recursos públicos.

Wagner Cabral – Sobre isso, teve aquele grande ciclo do Pronaf, aqui no Maranhão, de 2004, 2005, 2007, quando chegou a ter mais de 2000 mil projetos do Pronaf. E esse patamar caiu por conta dessa sucessão de malversações. No ano passado, tivemos só de 80 a 90 projetos.

Marcelo Carneiro - Teve também o Programa de Combate a Pobreza Rural. Um programa criado com recursos do Banco Mundial. Na pesquisa que eu fiz com a CPT e que foi publicada no livro “Migrantes: trabalho e trabalhadores no complexo agroindustrial canavieiro” (EDUFSCAR), documentei uma situação que é típica de como esses intermediários se apropriam dos recursos que deveriam ser destinados a esses agricultores familiares, para o chamado combate a pobreza rural. Identifiquei um caso no município de Timbiras, que um empresário local articulou um projeto que incluía eletrificação rural, construção de estradas e de poços artesianos em nome de associações de trabalhadores rurais, nos povoados denominados “Faz Favor” e “Chapada do Socó”. O projeto foi aprovado e, em seguida, esse empresário expulsou os camponeses da área, que ele estava negociando com uma empresa agropecuária. Ou seja, utilizou os camponeses para acessar o recurso público, expulsou os camponeses e depois procurou se apropriar o que podemos chamar a renda capitalizada da terra.

Wagner-Cabral – Então, é um tipo de captura do programa que era a discussão clássica em relação á SUDENE. Não é?

Marcelo Carneiro - Pois é! Neste caso, é o supra-sumo! Um programa de combate a pobreza rural, você pega o recurso e ele vai parar nas mãos de um grileiro.

Wagner Cabral – Temos então uma “indústria”, em torno do combate a pobreza.
Marcelo Carneiro - Exatamente. Já cheguei a ouvir de uma pessoa que algumas campanhas para eleições no Maranhão são bancadas com recursos que deveriam ser utilizados em políticas públicas, através do repasse de recursos para projetos fictícios articulados por candidatos.

Emílio Azevedo – Esse é processo de corrupção no Maranhão - que para mim tem as mesmas características de uma máfia - impede o desenvolvimento do estado, gera miséria e produz mandatos de prefeitos, de deputados, de senadores...

Marcelo Carneiro – E isso aqui não tá só no topo. Isso tá enraizado, tá na base política desse esquema eleitoral todo. É um esquema que vive da repartição desse recurso que deveria, em tese, alimentar políticas públicas para fazer o combate a chamada pobreza. Por isso que, quando vira e mexe a gente volta a esse tema sobre a estratégia de desenvolvimento do Maranhão, primeiro ela tem que ser, vamos dizer assim, territorialmente pensada, de acordo com potencialidades que estão aí e que existem, nessas diferentes regiões do estado.

E tem que partir da mobilização dos atores sociais. Isso não vai ser feito se você não quebrar essa relação clientelista que atravessa o funcionamento das políticas públicas, das ações estatais. Para enfrentar essa situação você teria que ter um movimento que, efetivamente, viesse de baixo pra cima, uma mobilização para a construção de novas formas de fazer política pública, com a ativação do público interessado e mecanismos eficazes de transparência e monitoramento. Eu acho muito ilusório pensar que você chega na cabeça do governo estadual, por um processo eleitoral, mantendo essa mesma estrutura de construção de apoio político, pegando aquelas parcelas descontentes das elites políticas locais, etc. Ai você pensa que vai conseguir transformar o Maranhão da noite pro dia. Você pode até pensar em fazer funcionar de forma mais efetiva os programas sociais existentes, pois ninguém pode ser contra criar programas de combate a pobreza rural, levar eletrificação, levar vicinais, abastecimento de água. Isso é fundamental. Mas, qual é o problema? Como fazer com que essas políticas cheguem até o público a ser beneficiado? O governo cria o Projeto, mas, quem que vai operar nos municípios? Quem fará a intermediação? Como será o apoio técnico para a execução do Projeto?

Nós sabemos que no Maranhão os recursos das políticas públicas não conseguem chegar aos verdadeiros interessados, por conta desses mecanismos de intermediação dos recursos, que acabam alimentando essas relações de patronagem. Então, tem que quebrar esta estrutura! Sobre isso, eu me lembro de uma experiência que participei, durante o governo Jackson Lago, na mobilização da sociedade, lá na região do Baixo Parnaíba.

Emilio Azevedo - Eram os fóruns, que ele realizou em várias regiões do Maranhão, para ouvir a sociedade. Algo na mesma perspectiva dos orçamentos participativos.

Marcelo Carneiro - Pois é; eu acompanhei essa tentativa do governo Jackson Lago de fazer mobilização a partir de encontros regionais com a sociedade civil, para discutir estratégias de desenvolvimento. Aquela era uma iniciativa interessante, porque estava ligada a uma discussão muito contemporânea de desenvolvimento. Você só consegue estimular um circulo virtuoso de desenvolvimento, em determinada região, se conseguir estimular os atores sociais locais a participarem dessa estratégia de desenvolvimento. Ou seja, é preciso então inverter aquela ideia do planejamento tecnocrático, onde se tem as políticas públicas pensadas a partir de cima. Onde tudo é definido nos gabinetes e apresentado os pacotes para estimular as atividades nas regiões A, B ou C.

Naquela experiência do tempo do Jackson, a que eu participei no Baixo Parnaíba, foram envolvidos os diversos atores presentes naquele território. Participaram representantes da agricultura familiar, os sojicultores, a universidade, o pessoal da assistência técnica, os agentes financeiros, o movimento dos direitos humanos... Vale dizer que esse tipo de concepção de desenvolvimento não implica na ideia de o processo será tranquilo, sem conflitos, pois existem diversas disputas sobre como o gasto público será realizado. O mais importante é que você estimula a discussão de estratégias de desenvolvimento a partir da sociedade local. No grupo que eu participei (que tratava de agricultura) o agronegócio e o movimento social dos trabalhadores rurais demandaram medidas bem diferentes. Mas, em determinado momento, nós chegamos num consenso no que se refere à necessidade de uma ação decisiva do estado no que concerne a regularização fundiária na região.

Emilio Azevedo - Num processo como aquele, chega um momento em que o governo vai ter que priorizar um ou outro interesse. Como você bem citou, o conflito de interesses é inevitável...

Marcelo Carneiro - É verdade. Porem, o mais importante num processo como aquele, é criar um embrião de participação, de debate, de envolvimento da sociedade local. Um movimento que sirva, também, para quebrar a estrutura política das relações de clientela. Nesse mesmo evento, em Chapadinha, vi um representante de uma empresa de elaboração de projetos apresentar a proposta da retomada dos financiamentos de aquisição de terras para reforma agrária através do Programa do Crédito Fundiário, eu estava no grupo de trabalho sobre desenvolvimento rural. Em seguida um representante do Movimento de Trabalhadores Rurais fez um contraponto, dizendo que o Programa estava paralisado porque a aquisição das terras era feito de forma incorreta, através da criação de “associações de papel”, em terras de baixa qualidade e a preços superfaturados. Ou seja, o debate sobre a operação da política pública sai dos bastidores, vai para a arena pública.

Wagner Cabral - Sobre esta rotina no Maranhão, de desvio de recurso que seriam para combate a pobreza, podemos dizer, então, que foi instituída aqui, uma “indústria da miséria” equivalente a “indústria da seca” do nordeste? Seria possível pensar um pouco nesses termos?

Marcelo Carneiro - Eu acho que sim. É e aí é que entra a conexão do sistema político. Não tem o desenvolvimento no Maranhão, porque tem o desenvolvimento da “indústria da miséria”. O sistema político local se alimenta desses recursos públicos. Esta elite de caráter rentista tem se apropriado desses recursos, do fundo público, que veio para incentivos fiscais, depois para o combate a pobreza rural, programa nacional de fortalecimento da agricultura familiar. Tudo passa por esse sistema político, por essa intermediação, por essa rede de clientela. Então, o dinheiro do projeto não chega onde deveria chegar. O movimento inverso é aquele outro que falei. Que seria possível nessa experiência aí do governo Jackson, que não pôde se desenvolver. Ou seja, você partir de uma dinâmica das regiões, definindo prioridades, definindo estratégias para chegar até um programa de atuação do governo estadual.

Emílio Azevedo - Sobre estes encontros com a sociedade civil, promovidos pelo governo Jackson, foi sugerido na etapa do Baixo Parnaíba, um conjunto de medidas relacionadas com a agricultura familiar no Maranhão. Foram elas: ações de regularização fundiária, a construção de um zoneamento econômico-ecológico participativo e a construção de um sistema estadual de pesquisa e extensão voltado para o suporte à agricultura familiar. Você citou este fato, em um de seus textos do livro A terceira margem do rio. Hoje, você considera que estas medidas ainda estão atuais? Elas ainda se fazem necessárias?

Marcelo Carneiro – Sim, estas indicações estão completamente atuais. No caso das ações de regularização fundiária, elas são importantes porque enfrentariam a indústria da grilagem, que está muito forte com o avanço do agronegócio. No artigo sobre a pesquisa das migrações em Timbiras eu cito um caso em que os trabalhadores rurais estão lutando pela desapropriação de uma área, que, supostamente, seria da Família Alvim. O processo está parado no INCRA, porque no levantamento da cadeia dominial não está comprovado que essa terra seja de quem diz que é o dono. Nesse caso o que deve ocorrer? Nem precisa fazer a desapropriação. O ITERMA deveria arrecadar a terra e repassar para os camponeses.

Wagner Cabral - São situações que se repetem no Maranhão. Em Cipó Cortado, agora, tem uma decisão de um novo de juiz, dando liminar para os grileiros. Isso lá na região tocantina, onde o Victor Asselin, há cerca de 30 anos, fez o famoso estudo sobre grilagem de terras.

Marcelo Carneiro - Pois é, o Estado, no Maranhão, tem que limpar esse meio de campo. Tem, por exemplo, que desintrusar a reserva biológica do Gurupi, tirar os fazendeiros de dentro da reserva biológica, tirar os fazendeiros de dentro das terras indígenas, fazer o império da lei prevalecer.

Emilio Azevedo - O governo do Estado se quisesse, se tivesse vontade política, poderia dar uma grande contribuição pra isso.

Marcelo Carneiro - Pode sim. E isso é uma coisa que foi pautada naquele momento, nos encontros promovidos no tempo do Jackson. Na época, havia um compromisso do Iterma de fazer. Eles, inclusive, começaram esse levantamento pela região do baixo Parnaíba, que era uma região, tradicionalmente, de pouco conflito, mas com a chegada do agronegócio, do eucalipto e da soja, aqueceu o mercado de terra e aí houve o avanço da grilagem.

Emilio Azevedo - E essa construção de zoneamento ecológico econômico participativo?

Marcelo Carneiro - Num processo como este você tem que juntar a técnica com a participação social. Aí a importância das universidades, dos institutos federais, da Embrapa, ou seja, de você auxiliar, nesse processo participativo, com informações. Auxiliar tratando da qualidade do solo, das características fisio-geográficas da região etc. Nesta idéia de zoneamento participativo, a Embrapa e as universidades, o IFMA, etc., produzem a informação e você traz isso para o debate com os atores locais. Para pensar o que se pode fazer naquela região, naquela localidade. Isso é uma idéia de juntar conhecimento com participação popular.
Tem que pensar, especificamente, nesse grande potencial que é o Maranhão, com esses biomas diferentes, cerrados, cocais, área de mangue, bioma amazônico. É a idéia de você ter pesquisa agropecuária, no sistema de transmissão dessa pesquisa, para esses diferentes segmentos, que nós chamamos de agricultores familiares. Então, tem esses elementos que foram definidos lá no fórum do Baixo Parnaíba e que eu registrei no livro, para se articular politicamente, com o processo participativo.

Aí sim se pode pensar num processo de desenvolvimento para o Maranhão, que não é simplesmente peça de discurso a cada quatro anos. Eu acho que aí é possível pensar uma estratégia de desenvolvimento com os pés no chão, realista e partindo das potencialidades locais. Caso contrário, vai ficar sempre esse eterno discurso do grande investimento, da grande fábrica, da grande indústria. E o resultado é esse que a gente conhece.

Wagner Cabral – O pré-candidato de oposição, Flavio Dino, tem falado em política de industrialização democrática do Maranhão. O que tu entendes por isso?

Marcelo Carneiro - Eu acho que aí ele mistura duas coisas diferentes. Ao falar de industrialização, você está trabalhando com o registro dos fundamentos da economia. Uma indústria, para você implantar em qualquer região, depende de alguns fatores, como infra-estrutura, energia, qualificação de mão de obra e de uma questão fundamental, como diria Mané Garrincha, “tem que combinar com o adversário”, isto é, tem que ter o interesse dos empresários, o capital tem que ter interesse nas atividades que o governo quer incentivar. Ou seja, o desenvolvimento da capacidade empresarial não é uma variável que pode ser definida pelo governante. Ela pode ser estimulada, atraída, mas, o movimento do capital tem foro próprio. Então, isso tem a ver com um mecanismo que a ciência econômica chama de eficiência na alocação de fatores de produção ou, na terminologia marxista, dos meios de produção, de como é que você articula o trabalho, o capital e a terra. Então, isso tem haver com o funcionamento da economia. Um candidato pode, num discurso voluntarista, dizer que vai implantar indústrias em todas as regiões. Mas, a realidade vai bater nesse discurso rapidamente.

Wagner Cabral - Na verdade, acaba sendo, me parece, um jargão que pode ser atrativo do ponto de vista de quem tá em campanha eleitoral, mas que, do ponto de vista real, não se sustenta.

Marcelo Carneiro – Então; não tem fundamento. O elemento da equação é o seguinte: essa coisa da indústria, de você ter política de industrialização, tem relação com fatores de natureza econômica. Outra coisa seria você dizer que vai tentar democratizar os resultados do desenvolvimento econômico. Isso é outro processo. Então você tem que dissociar uma coisa da outra. E eu insisto que um discurso que queira realmente transformar a realidade sócio-econômica, do Maranhão, tem que começar por uma visão diferente sobre como se processa a dinâmica do desenvolvimento, considerando a mobilização dos atores locais. Por aí se potencializa os recursos efetivamente existentes, se democratiza o processo de desenvolvimento.

Como nos temos conversado aqui, tem que modificar o sistema político. Isso é fundamental. Porque você vai possibilitar, então, que essas forças que estão na base da sociedade, possam se posicionar e botar esse sistema renovado das forças políticas, aí na base desse estado, em contato com discussões alternativas, estratégias de desenvolvimento econômico, que vão variar conforme a região. Então, eu diria que precisa de certo cuidado para não fazer um discurso que mistura duas coisas que são de naturezas diferentes.

Emilio Azevedo - Tu leste o documento produzido, em Santa Inês, pela etapa maranhense, da 5ª Semana Social brasileira?

Marcelo Carneiro - Li, o Wagner me passou.

Emílio Azevedo - Qual a tua opinião a respeito desse texto?

Marcelo Carneiro - Eu acho que é uma carta que retoma a tradição que a Igreja Católica tem, de estar mais próxima destas situações de expropriação, de exclusão social. Ela coloca o dedo na ferida dos problemas, que são importantes e que tem que ser enfrentados no Maranhão. A grande questão, pra mim, o desafio que está colocado, é a capacidade de mobilização da igreja junto a segmentos que hoje têm sido mais afetados por esse modelo de desenvolvimento. O que eu gostaria era de ver uma retomada da mesma capacidade de mobilização que a gente tinha nos anos 70 e 80, quando a Igreja Católica foi capaz de ajudar esses segmentos excluídos.

E tão importante quanto a Semana Social e a carta, eu vi também o fato da Fetaema ter, nos últimos tempos, feito denúncias dos processos de desapropriação camponesa, que tem ocorrido em vários pontos do estado. Eu tenho participado de vários eventos de formação política feito pela federação dos trabalhadores, junto a sindicatos e a gente sente, já ouvi de alguns militantes da Federação, essa necessidade de atuar junto a esses processos de expropriação. Que é preciso que a Fetaema volte a se vincular, de uma maneira mais forte, a essas lutas contra a desapropriação no campo. Sendo assim, este foi um aspecto que me chamou atenção junto como a semana social. O fato de a Fetaema ter vindo a público tratar dos processos de desapropriação, que tem ocorrido no campo.

Durante vários anos, a pauta da federação teve muito focada, na questão dos recursos para o Pronaf ou na questão da aposentadoria rural. Estes são temas importantes, que tem relação com esse público da federação, que são os camponeses com terra. Mas, de certa forma, esses outros segmentos do campesinato, que são submetidos ao trabalho escravo, esses que tem que se deslocar pra vender sua força de trabalho nas redes de trabalho escravo e esses que estão sendo expropriados, essas lutas, não tiveram muito eco dentro da federação. Retomar isso eu acho importante. Independentemente se é Fetaema, se é CPT, se é MST ou Fetraf, o importante é ter uma coalizão dessas entidades para fazer esse enfrentamento do modelo de desenvolvimento.

Wagner Cabral - De certa forma, a conjuntura do Maranhão estaria apontando para colocar a questão agrária na agenda da discussão do Estado. E, de uma maneira, vamos dizer assim, movimentos sociais que antes nunca deixaram de ter diálogo, mas que agora passam a verbalizar isso, de maneira mais contundente, mais forte.

Marcelo Carneiro - Eu acho que sim. Eu espero que sim.

Emílio Azevedo - Tu falaste em um novo modelo de desenvolvimento. Na conjuntura política do Maranhão, as palavras relativo ao novo, a mudança, estão na ordem do dia. Nós citamos aqui o documento elaborado pela semana social e tu citaste a atual postura da FETAEMA. Esse discurso de mudança no Maranhão tem como ficar indiferente a este tipo de iniciativa que parte da sociedade civil?

Marcelo Carneiro – Não! Só se esse discurso for pra inglês ver. Se você não for às raízes, nos efeitos desse modelo de desenvolvimento, você vai ficar apenas na epiderme. É apenas uma troca de comando de elite, em torno do aparelho do estado. Eu acho que talvez a conjuntura seja muito propícia para que se tenha um discurso mais forte, vindo desses excluídos, dos oprimidos por esse modelo de desenvolvimento. As questões que esses movimentos sociais estão colocando, não é algo que esteja associado à conjuntura eleitoral. Essas questões já vinham sendo colocadas, o trabalho escravo, o problema da desapropriação, com o fórum de defesa do baixo Parnaíba etc. E, em uma conjuntura eleitoral, um candidato de oposição, não pode ficar indiferente, sob o risco de ter um discurso sem conteúdo.

Emilio Azevedo - Em 2010, na campanha eleitoral, tu e Wagner Cabral, junto a outros professores da universidade, assinaram um manifesto pró-Flávio Dino. Agora, recentemente, logo após a Semana Social, Wagner cobrou publicamente, nas redes sociais, que Dino tivesse uma postura mais enfática e falasse com mais clareza, em relação, exatamente, a estas questões levantadas pela sociedade, na Semana Social. Você acha que ele deveria se posicionar com mais ênfase, em relação a esse tipo de assunto?

Marcelo Carneiro - Eu acho que quem quer falar num novo modelo de desenvolvimento para o Maranhão, tem que enfrentar esses debates relativos ao modelo de desenvolvimento. Tem que enfrentar a questão do trabalho escravo, enfrentar o problema do que o estado produz. O Maranhão é o maior gerador da mão de obra que é resgatada em situações de trabalho escravo no Brasil! Então, tem que discutir as causas da migração. Tem que enfrentar o debate sobre a questão da desapropriação camponesa, o debate sobre como você vai construir uma estratégia de inclusão social, potencializando essa agricultura familiar no nosso estado. E tem também que enfrentar o debate sobre a questão ambiental no campo, que talvez seja difícil para ele, por conta de alianças, pensar de forma séria como a grande propriedade fundiária irá se adequar às exigências ambientais colocadas pelo novo Código Florestal.

Num processo como esse, tem que dizer como é que vai, efetivamente, quebrar essa relação de clientela, fazendo uma gestão republicana do Estado. Trata-se de um desafio que não é pequeno, mas que tem que ser enfrentado. Tanto a pauta antiga, como temas mais novos, como esse tema ambiental. Então, não tem meio termo. Se você quer um discurso de mudança, você tem que enfrentar esse debate de uma maneira clara e objetiva. Porque essa é a principal contribuição que um político maranhense pode dar: entrar no debate público das questões que são centrais e essenciais para pensar um novo modelo de desenvolvimento.

Wagner Cabral - Nesse sentido, parece-me de certo maneira, que preciso atentar para as ambivalências linguísticas, terminológicas, da oposição do Maranhão. Por exemplo, nos recentes encontros promovidos na reuniões de Balsas, trataram os produtores de soja como pequenos produtores. Agora, estão falando de agricultura de alta produção. A palavra agronegócio não é pronunciada. Todos esses deslizes, ou esquecimentos de palavras, ou tratar na reunião com o presidente nacional da Comissão Pastoral da Terra sobre pesca, sobre peixe, me parece uma dificuldade - pra dizer de uma forma educada - da oposição do Maranhão, em tratar dessas questões substantivas. Mas, de qualquer forma, as questões estão aí.

Emilio Azevedo – Tu falaste em discutir as causas da migração. Segundo o IBGE, hoje existe 1 milhão e meio de maranhenses vivendo em outros estados. Boa parte dessas pessoas migrou em busca de trabalho. Fale sobre esta situação. Isso é reflexo do nosso “modelo de desenvolvimento”?

Marcelo Carneiro - Até os anos 1970 o Maranhão era um estado que recebia mais migrantes do que enviava para o restante da federação. Dos anos 80 em diante esse balanço mudou, de tal forma que na década de 1990 nosso estado foi junto com a Bahia o principal produtor de migrantes da região Nordeste.

As razões para essa inversão podem ser associadas a três processos. Temos a migração direta de camponeses que foram expulsos de suas terras. Durante pesquisa na região de Tucuruí/PA e em São Felix do Xingú/PA encontrei diversos grupos de camponeses maranhenses que após a expropriação se reestabeleceram naquelas localidades. Há também o deslocamento de camponeses que mesmo tendo terra não conseguem mais reproduzir o grupo familiar em suas regiões de origem, devido aos problemas que já apontei (má qualidade do solo, lote com tamanho insuficiente, falta de apoio técnico, etc.) e, no caso que estudei mais recentemente, do deslocamento de maranhenses para o trabalho na lavoura canavieira paulista, temos o caso de moradores dos bairros periféricos das cidades de pequeno e médio porte, que não conseguem obter emprego na região de origem e se deslocam para o trabalho nos canaviais. Nesse último caso, contudo, o deslocamento não implica necessariamente na permanência definitiva na região de destino. 

Em muitas situações verificamos o mesmo fenômeno descrito por Afrânio Garcia, em seu livro “Sul: o caminho do roçado”, os trabalhadores se deslocam temporariamente para manter a condição camponesa. De forma diferente essas três situações refletem, em última instância, o fracasso desse modelo de desenvolvimento.

Emilio Azevedo - Marcelo, tu citaste a pouco, a questão do trabalho escravo, um tema, inclusive, que faz parte das tuas pesquisas. O que tu tens a dizer, sobre o fato da Assembléia Legislativa do Maranhão, por iniciativa da deputada Graça Paz, ter homenageado um prefeito, notoriamente envolvido com trabalho escravo, como foi o caso do Zito Rolin, prefeito de Codó?

Marcelo Carneiro - O melhor exemplo, em relação ao que a Assembleia Legislativa daqui fez, foi dado pela Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Lá, por uma lei aprovada este ano, a empresa que tiver denuncia de trabalho escravo, é cassado o seu registro do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). E sem o registro no ICMS, estabelecimentos não podem emitir nota fiscal, o que inviabiliza suas transações comerciais. Então, no caso da Assembleia Legislativa do Maranhão, ela fez um desserviço à luta contra o trabalho escravo.

Wagner Cabral - Aqui no Maranhão houve uma iniciativa do deputado estadual Bira do Pindaré, que apresentou um projeto similar ao aprovado em São Paulo, de caçar licença de empresas envolvidas com trabalho escravo. Mas, a Assembléia não aprovou.

Emilio Azevedo – Junta uma insensibilidade total, com as afinidades e relações políticas dos deputados maranhenses, com os escravistas. Inclusive tem deputados e parentes de deputados maranhense, que já andaram pela lista suja do trabalho escravo.

Wagner Cabral – Da mesma forma que o Judiciário maranhense deu um tratamento privilegiado ao Marcelo Baldochi, um juiz com fazendas onde foi encontrado trabalho escravo.

Wagner Cabral - Dentro dessa coisa da classe política local, quero lembrar uma iniciativa recente, a criação de um consorcio dos municípios da estrada de ferro Carajás, a Comefec, que reúne 23 municípios. Nesse contexto, começa um novo tipo de articulação política. Como é que tu observas isso, sendo um participante do movimento Justiça nos Trilhos?

Emilio Azevedo - Só para complementar, dá para confiar nas boas intenções dessa turma da Comefec?

Marcelo Carneiro - Sobre esta ideia do consorcio, estes prefeitos estão aproveitando uma questão que tava colocada desde o inicio, quando a Vale implantou o chamado Sistema Norte. Quando ela começou a fazer o escoamento da exploração do mineral de Carajás pela ferrovia. Naquela época, nos anos 80, já existia um fundo no sistema sul, onde a Vale também opera uma ferrovia. Lá, tinha uma compensação financeira para os municípios onde ocorre a extração mineral e que são atravessados pela ferrovia que faz o transporte desse minério. Ele tinha um nome, que é o nome mais honesto que eu conheço, que era o Fundo de Exaustão. Por que Fundo de Exaustão? Porque a atividade mineral é finita. Ela não é renovável e você precisa preparar essas regiões para o futuro, para o momento pós-mineração. E de outro lado também, você partilhar os benefícios da exploração mineral. A Vale, no processo de privatização, transformou esse nome de Fundo de Exaustão num nome mais bonito, Fundo de Desenvolvimento. Na verdade a empresa quer esconder o fato dessa exploração mineral não ser uma atividade renovável, portanto, não pode ser considerada sustentável, pois o conceito do desenvolvimento sustentável implica na garantia da existência desse recurso para sua utilização ou apropriação por gerações futuras. Falar de Fundo de Exaustão faz todo sentido, como a companhia fazia antes da privatização, pois é preciso preparar as regiões onde ocorre a atividade mineral para o futuro.

Esses prefeitos do Maranhão estão se organizando, para cobrar da Vale, este Fundo e outros benefícios associados ao fato de ter aqui uma corporação multinacional, que tem bilhões de lucros por ano e, no entanto, anos após ano o que fica onde essa empresa passa onde passa seu principal complexo produtivo é uma situação de desigualdade social muito grande. Então, em tese, o que esses prefeitos estão tão fazendo, é legítimo. É exigir investimentos na região, uma contrapartida, que é um elemento que a Campanha Justiça nos Trilhos tem discutido. Que é a idéia de um Fundo Social da Mineração e toda a idéia de como você vai gerir esses recursos. Agora, nós achamos que tem que ter controle social destes recursos. Uma ideia é pensar em vincular essa transferência em receita para educação, saúde, qualificação profissional, que esses recursos não venham diretamente pras mãos desses prefeitos e possam servir, assim, para o uso não republicano e continuar alimentando a “indústria da miséria”.

Emilio Azevedo - Agora em agosto, vai ter um encontro entre índios e quilombolas, aqui no Maranhão, para tratar, exatamente, desse enfrentamento que eles têm com o latifúndio e com o agronegócio. Qual o papel que tu acha que esse setor tem a dar, num cenário como esse que pede por mudanças?

Marcelo Carneiro - Acho que esse encontro se escreve na mesma linha da Semana Social, da Justiça nos Trilhos, neste novo posicionamento da Fetaema. Acho que os desafios são tão grandes e você tem uma diversidade de atores sociais, incluindo os povos indígenas, os remanescentes de quilombos, os moradores das reservas extrativistas, o pessoal das agriculturas familiares, trabalhadores sem terra... Para usar um termo em desuso, nós temos um bloco histórico aí, de sujeitos sociais, que tão a margem desse modelo e que precisa se mobilizar cada vez mais. Precisa, cada vez mais, ampliar a sua voz.

Emilio Azevedo - Para encerrar, gostaria de lembra Manoel da Conceição, afinal, tu tens uma relação com ele, inclusive fostes tu um dos articuladores para que ele recebesse, da UFMA, em 2010, o título de Doutor Honoris Causa. Bem, eu lembro que em uma entrevista para o Vias de Fato, Manoel disse a seguinte frase: “com Sarney a pobreza no Maranhão não é só econômica, mas também política. É a pobreza ideológica, essa degeneração pra mim é o que ficará de pior”. O que tu tens a dizer sobre essa afirmação do Dr. Mané?

Marcelo Carneiro - Não temos como discordar do Mané... O componente central do modelo de desenvolvimento é o sistema político. Então, o problema passa principalmente pela maneira como esse grupo político, essa oligarquia, organizou e vem mantendo seu domínio, alimentado das políticas públicas, daquilo que chamamos aqui de “indústria da miséria”, dessa incapacidade de pensar o Maranhão. 

Atualmente, uma das tarefas centrais, em caso da oposição assumir o estado, é primeiro dotar este estado de capacidade de pensar, da capacidade de planejamento, de capacidade crítica. Tem que reconstruir a capacidade de pensar do estado, reconstruir o sistema político, este é o compromisso central. Os economistas falam sempre do custo de transação. Então, hoje, qual é o custo de transação que o sistema político maranhense cobra, de uma estratégia de desenvolvimento que efetivamente potencialize as capacidades?

Wagner Cabral - É um pedágio muito elevado?

Marcelo Carneiro - Muito elevado! É o pedágio da malversação dos recursos públicos! O pedágio do clientelismo! É por isso que as políticas não chegam... É isso que o Manoel, sem frequentar os bancos de uma universidade, percebe há muito tempo e diz com essa facilidade, coisas que a gente, muitas vezes, tem dificuldade de elaborar.

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