A
manchete da nossa última edição fez a pergunta: “qual o caminho da
mudança no Maranhão?” Com o objetivo de estimular e provocar este
debate, este mês nós fizemos uma entrevista com Marcelo Carneiro,
sociólogo e professor da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Hoje,
ele coordena o Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFMA e,
também coordena, o grupo de pesquisa Trabalho e Sociedade.
No
final deste ano, Marcelo estará lançando o livro Terra, trabalho e
poder: conflitos e lutas sociais no Maranhão contemporâneo, que reunirá
textos produzidos por ele, ao longo de 20 anos de pesquisas. Neste
período, ele estudou e conviveu com problemas relativos à estrutura
agrária do estado e suas relações de trabalho; a mineração e a
siderurgia; a luta pela terra e a ocupações camponesas; além do trabalho
escravo e a migração de maranhenses.
O
retumbante fracassado do modelo de desenvolvimento do Maranhão dos
últimos 40 anos, pautado no agronegócio e nos chamados “grandes
projetos”, permeia a pesquisa deste professor e foi o tema central da
nossa conversa. Tratamos também do ambiente político do estado, da
máfia-oligárquica (definida nesta entrevista como “indústria da
miséria”) e de uma oposição que fala em mudança, mas que precisa dizer,
com clareza, o que realmente quer mudar.
Conduzida
pelo jornalista Emilio Azevedo, a entrevista contou a colaboração do
historiador e professor da UFMA, Wagner Cabral da Costa. Em 2009,
Marcelo Carneiro e Wagner organizaram o livro A Terceira Margem do Rio,
que reuniu textos de cristão progressistas e professores universitários,
tratando daquilo que o historiador tem chamado de “questões
substantivas” do Maranhão. Algumas das questões que estão aqui, nesta
entrevista.
Emilio
Azevedo - Vamos começar falando da soja, que cada vez mais avança sobre
as terras do Maranhão. A soja é inimiga da agricultura familiar?
Marcelo
Carneiro - O problema não é o produto, a cultura em si. Por exemplo, o
milho, que normalmente é tido como uma agricultura produzida por
agricultores familiares, os sojicultores estão entrando com força na
produção de milho em larga escala. Já o eucalipto, que é uma monocultura
que expulsa muito agricultor no Brasil, você tem camponeses nos Andes e
na América Central, que no sistema produtivo deles, você tem plantio de
eucalipto. O problema é a grande propriedade capitalista no campo. É o
padrão de desenvolvimento do capitalismo na agricultura brasileira.
Essa é a questão a ser enfrentada. Não é a soja, não é o eucalipto.
Porque a soja e o eucalipto podem ser plantados e produzidos, tanto em
pequenas propriedades, por agricultores familiares, como dentro de
latifúndios, por grandes empresas.
A
soja tornou-se um problema no Brasil, a partir dos anos 1960. Antes ela
era produzida nos estados do sul do Brasil em pequenas e médias
propriedades. Depois houve um processo de melhoramento genético que
permitiu que a soja pudesse ser produzida em larga escala, no cerrado.
Então, o padrão foi modificado completamente. Foi a partir daí que se
desenvolveu a grande empresa sojicultora no Brasil. A partir de
convênios, inclusive, com uma agência de cooperação internacional
japonesa (a JICA), que estabeleceu uma série de convênios, chamados de
Programa de Desenvolvimento do Cerrado (PRODECER) com o governo
brasileiro. Já nessa época, a Vale, ainda estatal, começa a aparecer
como parceira nesses convênios. É um processo que começa em Minas,
depois Goiás, oeste da Bahia, depois Maranhão e Tocantins.
Agora
o que temos no Brasil é sojicultura empresarial, com vastas extensões
de terras. Para tu teres uma idéia, um grupo que se chama a SLC, que tem
fazendas no sul e no leste maranhense, ela prevê em seu plano
estratégico, até 2020, ter 700 mil hectares de terras próprias ou
alugadas, plantadas com grãos, dentre os quais a soja e o algodão. Então
o problema não é a soja em si, mas o padrão de desenvolvimento do
capitalismo na agricultura brasileira.
Emilio Azevedo - A concentração de terras é o ponto central do problema?
Marcelo
Carneiro - Em relação ao desenvolvimento do capitalismo no campo, você
tem, logo de cara, dois problemas: de um lado é consumida muita terra,
então, ele expropria quem está em cima dessas áreas. A tendência do
mercado de terras é de expropriar pequenos e médios proprietários, é
concentrar a propriedade da terra. Mas, tem outro problema. Este
capitalismo no campo gera pouco emprego. A produção agrícola em larga
escala ela é intensiva em capital. Uma máquina desemprega cerca de 300
trabalhadores na lavoura canavieira. Apenas uma máquina! Então, esse é o
padrão. Eu expliquei esse aspecto em um livro chamado “A agricultura
familiar da soja na região sul e o monocultivo no Maranhão”, publicado
pela FASE, mostrando porque a expansão da área plantada com soja no
Maranhão não significou aumento importante no emprego agrícola. Esse é
um grande paradoxo desse modelo de desenvolvimento, o Estado incentiva
um modelo produtivo que é intensivo no uso da natureza e do capital,
mas, que não dinamiza o mercado de trabalho nas regiões onde se instala.
Wagner Cabral – Pelas estatísticas do Ministério do Trabalho, o agronegócio gera menos de 2% dos empregos formais do Maranhão.
Marcelo
Carneiro – Pois é, gera pouquíssimo emprego. Em Anapurus, por exemplo,
município que na época desse estudo concentrava a maior área plantada no
leste do Maranhão. Nesse município, segundo dados do Cadastro Geral de
Empregados e Desepregados (CAGED), a maior parte do emprego formal
estava na categoria da extração vegetal, ou seja, era o emprego dos
operadores de moto-serra. Ai vem à pergunta: mas como, se nesse
município a atividade econômica mais importante é o plantio de soja? A
explicação é que a turma da extração vegetal é uma atividade assessória
da sojicultura, o pessoal da motosserra é que vem primeiro, limpa o
terreno para o plantio posterior da soja. Geralmente, são empresários
que querem essa lenha da abertura das áreas para a produção de carvão
vegetal, cujo trabalho é quase sempre insalubre. Eles fazem um acordo
com os sojicultores, limpam o terreno, retiram a vegetação, transformam
em carvão e depois vem à soja, já com a área limpa.
E
tem um terceiro problema, que é a questão ambiental. Tem a questão dos
agrotóxicos. Nesta que é chamada de agricultura de precisão, pois
supostamente todos os riscos são perfeitamente controlados, a produção
feita com base de um uso intensivo de tecnologia, com muito uso de
agrotóxicos. Estes produtos químicos, chamados de agroquímicos ou
agrotóxicos, têm um impacto brutal sobre o meio ambiente. Nesta questão,
tem outro caso, documentado numa recente pesquisa da professora
Maristela de Paula Andrade, feita na região do Baixo Parnaíba, que
revela que aquela bacia hidrográfica perdeu a força que ela tinha há
décadas atrás. Ela observou isso em uma área onde existe muito plantio
de soja e eucalipto. Então, no padrão de desenvolvimento da agricultura
capitalista, a especulação fundiária e a expulsão de agricultores é
apenas uma dos graves problemas. Os problemas passam também pela geração
de poucos empregos e pela produção de efeitos ambientais extremamente
nefastos.
Emilio Azevedo - Fale sobre a questão da violência no campo, que, nos últimos anos, voltou a aumentar no Maranhão.
Marcelo
Carneiro - Nas décadas de 70 e 80 podemos dizer que estes conflitos
eram uma conseqüência da política de incentivos fiscais, via SUDAM e
SUDENE, somada a política de territorialização da grande propriedade
fundiária promovida pela Lei Sarney de terras. È também o período de
ouro da chamada modernização conservadora da agricultura brasileira, uma
expressão que foi popularizada pela publicação de um livro do atual
secretária-geral da FAO, José Graziano da Silva, que é um importante
especialista na questão agrária brasileira. No que consistiu essa
modernização conservadora? Na tentativa de transformar o latifúndio
improdutivo em empresa agrícola moderna, através da concessão de crédito
subsidiado e no favorecimento do acesso a terra.
No
caso no Maranhão, nós tínhamos uma realidade agrária dominada pelo
latifúndio tradicional, com o camponês vivendo dentro dele, trabalhando
para latifundiários que viviam da extração da renda da terra desses
camponeses, que também eram explorados nas cantinas das fazendas, onde
vendiam coco babaçu a preços ínfimos e compravam as mercadorias que
necessitavam para o seu sustento. Esse processo está bem explicado num
livro chamado “Palmeiras em Chamas”, de Peter May.
Nos
anos 1970 e 1980, através da política de incentivos fiscais da SUDENE e
da SUDAM, esses latifundiários foram estimulados a converter suas áreas
de babaçuais em pastagens, para a criação de gado. Ou seja, eles foram
incentivados a expulsar os camponeses que viviam de forma subordinada em
suas terras, para dar lugar a gado e pastagem, como muito bem
documentou Murilo Santos no vídeo-documentário “Bandeiras Verdes”. Esse
processo de modernização incluía os senhores locais e grupos
empresariais que se apossaram da terra e que não tinham nenhuma relação
com o Maranhão, caso da Varig, do grupo Cacique, do grupo Meira Lins, da
Sanbra, etc. Basta lembrar que na área de colonização da COMARCO, no
município de Santa Luzia, a perspectiva era a da venda, a preço de
banana, de 700 mil hectares de terra.
Emilio
Azevedo - As empresas foram expulsas, a partir de um grande movimento
de ocupação, ocorrido na região do Pindaré, a partir do final dos anos
80
Marcelo
Carneiro – Exato! Isso é importante registrar, pra gente não ter uma
idéia que o campesinato passou esse tempo inteiro sendo derrotado. Acho
que de 1986 até o final dos anos 1990, até retomada recente do
crescimento do agronegócio, o Maranhão é o estado, junto com Pará e
Pernambuco, em que você teve o maior número de ocupações de terras no
país. Isso permitiu que esses camponeses retomassem a terra, em muitos
locais de onde eles tinham sido expulsos. A região de Santa Luzia foi
uma delas. Lá têm mais de meio milhão de hectares de terra que os
camponeses retomaram. Mais de 40 fazendas. Foi na época que o MST entrou
aqui no Maranhão, através do Manoel da Conceição.
A
primeira experiência do Movimento Sem Terra no Maranhão é organizada
pelo Manoel da Conceição e o Luis Vila Nova. Atuando inicialmente como
MST, mas, depois, somente como o Centro de Educação e Cultura do
Trabalhador Rural (CENTRU) eles darão o apoio mais importante para o
desenvolvimento desse movimento de ocupações. Então, é importante não
deixar isso passar em branco. Hoje, quando você olha os dados, é
possível estimar que cerca de 22 a 35 por cento (aí depende de como este
calculo é feito) das áreas dos estabelecimentos agropecuários do
Maranhão encontram-se nas mãos de camponeses. Então, isso não é uma
coisa de menor importância.
Quando
terminou esse período, já no final dos anos 90, tem uma retomada da
capacidade do agronegócio de se desenvolver, agora não mais baseado
naquela política de incentivos fiscais. Uma retomada no crescimento, em
outro patamar, de uma forma muito mais vigorosa do agronegócio, muito
associada ao crescimento da demanda chinesa por alimentos. Ou seja,
passamos a assistir um novo ciclo de crescimento da industrialização da
agricultura, da expansão da empresa capitalista no campo, que inclusive
tem capacidade própria de financiamento.
Emilio Azevedo - E hoje, porque a violência no campo volta a fazer parte da rotina maranhense?
Marcelo
Carneiro - É a pressão sobre o mercado de terras. Você tem a expansão
da sojicultura nas regiões de cerrado, tem o crescimento dos plantios de
eucalipto e, em menor medida, da lavoura canavieira. Mas, podia ser
pior. A soja ela tem um limite natural porque ela precisa de chapada.
Então, a soja tá na nossa área de cerrado. Onde tem babaçu, na região
dos cocais, por exemplo, a soja não entra. Na região Tocantina tem a
expansão do eucalipto, com a fábrica da Suzano lá de Imperatriz. Só que a
Suzano comprou a área que a Vale tinha implantado, no início dos anos
90, com o projeto Celmar, uma área de mais ou menos 40 mil hectares de
eucalipto. Então, esse impacto da implantação dessa unidade de produção
de celulose sobre o mercado de terras, ocorreu já nos anos 1990. A
questão é que a Suzano também possui outro empreendimento, no momento
paralisado, de produção de celulose no estado do Piaui. A construção da
base florestal para esse empreendimento é que está gerando parte
importante desse conjunto de conflitos fundiários no leste maranhense,
que estão sendo estudada pela equipe da professora Maristela Andrade.
Porque
eu digo que poderia ser pior? Porque a pecuária, que na Amazônia Legal,
em Rondônia, Pará e Mato Grosso, é o principal vetor dos desmatamentos e
dos conflitos agrários. Aqui no Maranhão ela não desenvolveu tanto,
neste período, por conta principalmente da situação sanitária, pelo fato
do estado não ser livre da febre aftosa, de forma que a carne que é
produzida aqui, não pode ser exportada, se orienta majoritariamente para
o mercado interno. Contudo, como está previsto, para esse ano, que
essa barreira seja levantada. Na hora que esse embargo acabar, a
tendência é que a expansão da atividade pecuária também venha pra cá.
Wagner
Cabral - Tem uma pesquisa tua, Marcelo, que faz um levantamento dos
últimos 20 anos da expansão da pecuária, conectada ao mercado externo.
Quando você compara os dados do Maranhão, com os dos demais estados,
como Rondônia, o Pará e outros, a taxa de crescimento do rebanho do
Maranhão é expressivamente menor. Mas, se pode localizar, só nessa
última década, um patamar de crescimento que é mais ou menos equivalente
ao restante da Amazônia. Isso sem ainda a possibilidade da exportação,
porque é uma produção que está sendo realizada no mercado interno. Com a
possibilidade de exportação e o fim dessa barreira, a pressão vai
aparecer já a partir dos próximos anos.
Emilio
Azevedo - Marcelo, tu falaste que, no Maranhão, uma parte considerável
das áreas de estabelecimentos agropecuários, está nas mãos de
camponeses. Por que, então, a produção agrícola do Maranhão, a produção
dos assentamentos, é pouca? Por que uma cidade como São Luís importa, de
outros estados, boa parte do que come?
Marcelo
Carneiro – Existem diversas questões que dificultam o desenvolvimento
da agricultura familiar no Maranhense. Primeiro precisamos considerar
que muitas vezes os locais onde esses agricultores foram localizados
caracterizam-se por ser um solo de baixa qualidade. Segundo, temos que
considerar que a principal tecnologia utilizada para a implantação dos
plantios ainda é com o auxílio do fogo, o que significa que essas áreas
deveriam ter uma dimensão suficiente para permitir a regeneração da
vegetação, antes do próximo plantio, o que quase nunca é o caso. Ou
seja, você tem a pior combinação possível, solos frágeis e
superexploração da terra. Nesse caso não tem agricultura familiar que
sobreviva. Para resolver este problema, tem que investir em pesquisa
agropecuária. No Maranhão, não havia uma unidade da Empresa Brasileira
de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA). A EMBRAPA foi instalada no Maranhão
agora, há pouco tempo. Em Belém, por exemplo, há muito tempo tem um
centro de pesquisa e no Piauí também. Aí entra a responsabilidade das
elites políticas desse estado.
Tem
que ter pesquisa! Aqui, nós deixamos passar 40 anos. Precisa também
ter uma política de extensão, para levar esse conhecimento para o campo.
Então, do ponto de vista dos camponeses, nós temos que verificar essa
situação da falta apoio. Além dos problemas relacionados com o uso
extensivo do solo existem as pragas que atacam as diferentes culturas
(arroz, mandioca, feijão, etc.), que destroem as lavouras e o agricultor
não possui apoio para resolver o problema. No Maranhão a agricultura
familiar enfrenta muitos problemas que demandam pesquisa, pois nosso
estado possui uma diversidade muito grande de ecossistemas. Isso
significa que não podemos pensar em enfrentar esses problemas com
pacotes tecnológicos homogêneos, pois a diversidade ambiental demanda a
produção de soluções localizadas, que sejam capazes de articular o saber
técnico com o saber local, dos camponeses.
Wagner
Cabral - Dentro disso, vendo os dados de financiamento de crédito rural
no Maranhão, você tem um crescimento considerável do financiamento para
pequena agricultura. Mas, o impacto do ponto de vista do sistema
produtivo é muito pequeno. Como é que tu enxergas essa questão? Porque
um dos problemas é essa questão do financiamento. Não é?
Emílio Azevedo - O financiamento cai no vazio.
Wagner
Cabral - Na verdade, em alguns casos, a impressão que me dá é que esse
crédito acaba funcionando como uma espécie de fundo perdido, tanto que
boa parte dos agricultores, depois, não se viabiliza para novos
empréstimos e a coisa funciona, para esses setores, como uma espécie de
bolsa família ampliada.
Marcelo
Carneiro - No Maranhão, diante da falta de assistência técnica, existe
uma indústria de elaboração de projetos. Nela, um percentual do dinheiro
que vem para financiar a produção dos agricultores familiares, fica
para o responsável – a empresa ou indivíduo - pela elaboração do
projeto. Então, você criou uma indústria de projetos que, normalmente,
não são de boa qualidade. O que mais você vê nos assentamentos são
projetos que foram feitos sem qualquer viabilidade técnica, de baixa
qualidade. São projetos feitos por empresas ou indivíduos que se
reproduzem a partir desse mercado, vivem disso. Então, além desses
projetos de péssima qualidade, tem o problema da intermediação do
recurso. Existem, em nossa região, quadrilhas envolvendo políticos,
funcionários públicos e empresas, que se especializaram no desvio desses
recursos públicos.
Wagner
Cabral – Sobre isso, teve aquele grande ciclo do Pronaf, aqui no
Maranhão, de 2004, 2005, 2007, quando chegou a ter mais de 2000 mil
projetos do Pronaf. E esse patamar caiu por conta dessa sucessão de
malversações. No ano passado, tivemos só de 80 a 90 projetos.
Marcelo
Carneiro - Teve também o Programa de Combate a Pobreza Rural. Um
programa criado com recursos do Banco Mundial. Na pesquisa que eu fiz
com a CPT e que foi publicada no livro “Migrantes: trabalho e
trabalhadores no complexo agroindustrial canavieiro” (EDUFSCAR),
documentei uma situação que é típica de como esses intermediários se
apropriam dos recursos que deveriam ser destinados a esses agricultores
familiares, para o chamado combate a pobreza rural. Identifiquei um caso
no município de Timbiras, que um empresário local articulou um projeto
que incluía eletrificação rural, construção de estradas e de poços
artesianos em nome de associações de trabalhadores rurais, nos povoados
denominados “Faz Favor” e “Chapada do Socó”. O projeto foi aprovado e,
em seguida, esse empresário expulsou os camponeses da área, que ele
estava negociando com uma empresa agropecuária. Ou seja, utilizou os
camponeses para acessar o recurso público, expulsou os camponeses e
depois procurou se apropriar o que podemos chamar a renda capitalizada
da terra.
Wagner-Cabral – Então, é um tipo de captura do programa que era a discussão clássica em relação á SUDENE. Não é?
Marcelo
Carneiro - Pois é! Neste caso, é o supra-sumo! Um programa de combate a
pobreza rural, você pega o recurso e ele vai parar nas mãos de um
grileiro.
Wagner Cabral – Temos então uma “indústria”, em torno do combate a pobreza.
Marcelo
Carneiro - Exatamente. Já cheguei a ouvir de uma pessoa que algumas
campanhas para eleições no Maranhão são bancadas com recursos que
deveriam ser utilizados em políticas públicas, através do repasse de
recursos para projetos fictícios articulados por candidatos.
Emílio
Azevedo – Esse é processo de corrupção no Maranhão - que para mim tem
as mesmas características de uma máfia - impede o desenvolvimento do
estado, gera miséria e produz mandatos de prefeitos, de deputados, de
senadores...
Marcelo
Carneiro – E isso aqui não tá só no topo. Isso tá enraizado, tá na base
política desse esquema eleitoral todo. É um esquema que vive da
repartição desse recurso que deveria, em tese, alimentar políticas
públicas para fazer o combate a chamada pobreza. Por isso que, quando
vira e mexe a gente volta a esse tema sobre a estratégia de
desenvolvimento do Maranhão, primeiro ela tem que ser, vamos dizer
assim, territorialmente pensada, de acordo com potencialidades que estão
aí e que existem, nessas diferentes regiões do estado.
E
tem que partir da mobilização dos atores sociais. Isso não vai ser
feito se você não quebrar essa relação clientelista que atravessa o
funcionamento das políticas públicas, das ações estatais. Para enfrentar
essa situação você teria que ter um movimento que, efetivamente, viesse
de baixo pra cima, uma mobilização para a construção de novas formas de
fazer política pública, com a ativação do público interessado e
mecanismos eficazes de transparência e monitoramento. Eu acho muito
ilusório pensar que você chega na cabeça do governo estadual, por um
processo eleitoral, mantendo essa mesma estrutura de construção de apoio
político, pegando aquelas parcelas descontentes das elites políticas
locais, etc. Ai você pensa que vai conseguir transformar o Maranhão da
noite pro dia. Você pode até pensar em fazer funcionar de forma mais
efetiva os programas sociais existentes, pois ninguém pode ser contra
criar programas de combate a pobreza rural, levar eletrificação, levar
vicinais, abastecimento de água. Isso é fundamental. Mas, qual é o
problema? Como fazer com que essas políticas cheguem até o público a
ser beneficiado? O governo cria o Projeto, mas, quem que vai operar nos
municípios? Quem fará a intermediação? Como será o apoio técnico para a
execução do Projeto?
Nós
sabemos que no Maranhão os recursos das políticas públicas não
conseguem chegar aos verdadeiros interessados, por conta desses
mecanismos de intermediação dos recursos, que acabam alimentando essas
relações de patronagem. Então, tem que quebrar esta estrutura! Sobre
isso, eu me lembro de uma experiência que participei, durante o governo
Jackson Lago, na mobilização da sociedade, lá na região do Baixo
Parnaíba.
Emilio
Azevedo - Eram os fóruns, que ele realizou em várias regiões do
Maranhão, para ouvir a sociedade. Algo na mesma perspectiva dos
orçamentos participativos.
Marcelo
Carneiro - Pois é; eu acompanhei essa tentativa do governo Jackson Lago
de fazer mobilização a partir de encontros regionais com a sociedade
civil, para discutir estratégias de desenvolvimento. Aquela era uma
iniciativa interessante, porque estava ligada a uma discussão muito
contemporânea de desenvolvimento. Você só consegue estimular um circulo
virtuoso de desenvolvimento, em determinada região, se conseguir
estimular os atores sociais locais a participarem dessa estratégia de
desenvolvimento. Ou seja, é preciso então inverter aquela ideia do
planejamento tecnocrático, onde se tem as políticas públicas pensadas a
partir de cima. Onde tudo é definido nos gabinetes e apresentado os
pacotes para estimular as atividades nas regiões A, B ou C.
Naquela
experiência do tempo do Jackson, a que eu participei no Baixo Parnaíba,
foram envolvidos os diversos atores presentes naquele território.
Participaram representantes da agricultura familiar, os sojicultores, a
universidade, o pessoal da assistência técnica, os agentes financeiros, o
movimento dos direitos humanos... Vale dizer que esse tipo de concepção
de desenvolvimento não implica na ideia de o processo será tranquilo,
sem conflitos, pois existem diversas disputas sobre como o gasto público
será realizado. O mais importante é que você estimula a discussão de
estratégias de desenvolvimento a partir da sociedade local. No grupo que
eu participei (que tratava de agricultura) o agronegócio e o movimento
social dos trabalhadores rurais demandaram medidas bem diferentes. Mas,
em determinado momento, nós chegamos num consenso no que se refere à
necessidade de uma ação decisiva do estado no que concerne a
regularização fundiária na região.
Emilio
Azevedo - Num processo como aquele, chega um momento em que o governo
vai ter que priorizar um ou outro interesse. Como você bem citou, o
conflito de interesses é inevitável...
Marcelo
Carneiro - É verdade. Porem, o mais importante num processo como
aquele, é criar um embrião de participação, de debate, de envolvimento
da sociedade local. Um movimento que sirva, também, para quebrar a
estrutura política das relações de clientela. Nesse mesmo evento, em
Chapadinha, vi um representante de uma empresa de elaboração de projetos
apresentar a proposta da retomada dos financiamentos de aquisição de
terras para reforma agrária através do Programa do Crédito Fundiário, eu
estava no grupo de trabalho sobre desenvolvimento rural. Em seguida um
representante do Movimento de Trabalhadores Rurais fez um contraponto,
dizendo que o Programa estava paralisado porque a aquisição das terras
era feito de forma incorreta, através da criação de “associações de
papel”, em terras de baixa qualidade e a preços superfaturados. Ou seja,
o debate sobre a operação da política pública sai dos bastidores, vai
para a arena pública.
Wagner
Cabral - Sobre esta rotina no Maranhão, de desvio de recurso que seriam
para combate a pobreza, podemos dizer, então, que foi instituída aqui,
uma “indústria da miséria” equivalente a “indústria da seca” do
nordeste? Seria possível pensar um pouco nesses termos?
Marcelo
Carneiro - Eu acho que sim. É e aí é que entra a conexão do sistema
político. Não tem o desenvolvimento no Maranhão, porque tem o
desenvolvimento da “indústria da miséria”. O sistema político local se
alimenta desses recursos públicos. Esta elite de caráter rentista tem se
apropriado desses recursos, do fundo público, que veio para incentivos
fiscais, depois para o combate a pobreza rural, programa nacional de
fortalecimento da agricultura familiar. Tudo passa por esse sistema
político, por essa intermediação, por essa rede de clientela. Então, o
dinheiro do projeto não chega onde deveria chegar. O movimento inverso é
aquele outro que falei. Que seria possível nessa experiência aí do
governo Jackson, que não pôde se desenvolver. Ou seja, você partir de
uma dinâmica das regiões, definindo prioridades, definindo estratégias
para chegar até um programa de atuação do governo estadual.
Emílio
Azevedo - Sobre estes encontros com a sociedade civil, promovidos pelo
governo Jackson, foi sugerido na etapa do Baixo Parnaíba, um conjunto de
medidas relacionadas com a agricultura familiar no Maranhão. Foram
elas: ações de regularização fundiária, a construção de um zoneamento
econômico-ecológico participativo e a construção de um sistema estadual
de pesquisa e extensão voltado para o suporte à agricultura familiar.
Você citou este fato, em um de seus textos do livro A terceira margem do
rio. Hoje, você considera que estas medidas ainda estão atuais? Elas
ainda se fazem necessárias?
Marcelo
Carneiro – Sim, estas indicações estão completamente atuais. No caso
das ações de regularização fundiária, elas são importantes porque
enfrentariam a indústria da grilagem, que está muito forte com o avanço
do agronegócio. No artigo sobre a pesquisa das migrações em Timbiras eu
cito um caso em que os trabalhadores rurais estão lutando pela
desapropriação de uma área, que, supostamente, seria da Família Alvim. O
processo está parado no INCRA, porque no levantamento da cadeia
dominial não está comprovado que essa terra seja de quem diz que é o
dono. Nesse caso o que deve ocorrer? Nem precisa fazer a desapropriação.
O ITERMA deveria arrecadar a terra e repassar para os camponeses.
Wagner
Cabral - São situações que se repetem no Maranhão. Em Cipó Cortado,
agora, tem uma decisão de um novo de juiz, dando liminar para os
grileiros. Isso lá na região tocantina, onde o Victor Asselin, há cerca
de 30 anos, fez o famoso estudo sobre grilagem de terras.
Marcelo
Carneiro - Pois é, o Estado, no Maranhão, tem que limpar esse meio de
campo. Tem, por exemplo, que desintrusar a reserva biológica do Gurupi,
tirar os fazendeiros de dentro da reserva biológica, tirar os
fazendeiros de dentro das terras indígenas, fazer o império da lei
prevalecer.
Emilio Azevedo - O governo do Estado se quisesse, se tivesse vontade política, poderia dar uma grande contribuição pra isso.
Marcelo
Carneiro - Pode sim. E isso é uma coisa que foi pautada naquele
momento, nos encontros promovidos no tempo do Jackson. Na época, havia
um compromisso do Iterma de fazer. Eles, inclusive, começaram esse
levantamento pela região do baixo Parnaíba, que era uma região,
tradicionalmente, de pouco conflito, mas com a chegada do agronegócio,
do eucalipto e da soja, aqueceu o mercado de terra e aí houve o avanço
da grilagem.
Emilio Azevedo - E essa construção de zoneamento ecológico econômico participativo?
Marcelo
Carneiro - Num processo como este você tem que juntar a técnica com a
participação social. Aí a importância das universidades, dos institutos
federais, da Embrapa, ou seja, de você auxiliar, nesse processo
participativo, com informações. Auxiliar tratando da qualidade do solo,
das características fisio-geográficas da região etc. Nesta idéia de
zoneamento participativo, a Embrapa e as universidades, o IFMA, etc.,
produzem a informação e você traz isso para o debate com os atores
locais. Para pensar o que se pode fazer naquela região, naquela
localidade. Isso é uma idéia de juntar conhecimento com participação
popular.
Tem
que pensar, especificamente, nesse grande potencial que é o Maranhão,
com esses biomas diferentes, cerrados, cocais, área de mangue, bioma
amazônico. É a idéia de você ter pesquisa agropecuária, no sistema de
transmissão dessa pesquisa, para esses diferentes segmentos, que nós
chamamos de agricultores familiares. Então, tem esses elementos que
foram definidos lá no fórum do Baixo Parnaíba e que eu registrei no
livro, para se articular politicamente, com o processo participativo.
Aí
sim se pode pensar num processo de desenvolvimento para o Maranhão, que
não é simplesmente peça de discurso a cada quatro anos. Eu acho que aí é
possível pensar uma estratégia de desenvolvimento com os pés no chão,
realista e partindo das potencialidades locais. Caso contrário, vai
ficar sempre esse eterno discurso do grande investimento, da grande
fábrica, da grande indústria. E o resultado é esse que a gente conhece.
Wagner
Cabral – O pré-candidato de oposição, Flavio Dino, tem falado em
política de industrialização democrática do Maranhão. O que tu entendes
por isso?
Marcelo
Carneiro - Eu acho que aí ele mistura duas coisas diferentes. Ao falar
de industrialização, você está trabalhando com o registro dos
fundamentos da economia. Uma indústria, para você implantar em qualquer
região, depende de alguns fatores, como infra-estrutura, energia,
qualificação de mão de obra e de uma questão fundamental, como diria
Mané Garrincha, “tem que combinar com o adversário”, isto é, tem que ter
o interesse dos empresários, o capital tem que ter interesse nas
atividades que o governo quer incentivar. Ou seja, o desenvolvimento da
capacidade empresarial não é uma variável que pode ser definida pelo
governante. Ela pode ser estimulada, atraída, mas, o movimento do
capital tem foro próprio. Então, isso tem a ver com um mecanismo que a
ciência econômica chama de eficiência na alocação de fatores de produção
ou, na terminologia marxista, dos meios de produção, de como é que você
articula o trabalho, o capital e a terra. Então, isso tem haver com o
funcionamento da economia. Um candidato pode, num discurso voluntarista,
dizer que vai implantar indústrias em todas as regiões. Mas, a
realidade vai bater nesse discurso rapidamente.
Wagner
Cabral - Na verdade, acaba sendo, me parece, um jargão que pode ser
atrativo do ponto de vista de quem tá em campanha eleitoral, mas que, do
ponto de vista real, não se sustenta.
Marcelo
Carneiro – Então; não tem fundamento. O elemento da equação é o
seguinte: essa coisa da indústria, de você ter política de
industrialização, tem relação com fatores de natureza econômica. Outra
coisa seria você dizer que vai tentar democratizar os resultados do
desenvolvimento econômico. Isso é outro processo. Então você tem que
dissociar uma coisa da outra. E eu insisto que um discurso que queira
realmente transformar a realidade sócio-econômica, do Maranhão, tem que
começar por uma visão diferente sobre como se processa a dinâmica do
desenvolvimento, considerando a mobilização dos atores locais. Por aí se
potencializa os recursos efetivamente existentes, se democratiza o
processo de desenvolvimento.
Como
nos temos conversado aqui, tem que modificar o sistema político. Isso é
fundamental. Porque você vai possibilitar, então, que essas forças que
estão na base da sociedade, possam se posicionar e botar esse sistema
renovado das forças políticas, aí na base desse estado, em contato com
discussões alternativas, estratégias de desenvolvimento econômico, que
vão variar conforme a região. Então, eu diria que precisa de certo
cuidado para não fazer um discurso que mistura duas coisas que são de
naturezas diferentes.
Emilio Azevedo - Tu leste o documento produzido, em Santa Inês, pela etapa maranhense, da 5ª Semana Social brasileira?
Marcelo Carneiro - Li, o Wagner me passou.
Emílio Azevedo - Qual a tua opinião a respeito desse texto?
Marcelo
Carneiro - Eu acho que é uma carta que retoma a tradição que a Igreja
Católica tem, de estar mais próxima destas situações de expropriação, de
exclusão social. Ela coloca o dedo na ferida dos problemas, que são
importantes e que tem que ser enfrentados no Maranhão. A grande questão,
pra mim, o desafio que está colocado, é a capacidade de mobilização da
igreja junto a segmentos que hoje têm sido mais afetados por esse modelo
de desenvolvimento. O que eu gostaria era de ver uma retomada da mesma
capacidade de mobilização que a gente tinha nos anos 70 e 80, quando a
Igreja Católica foi capaz de ajudar esses segmentos excluídos.
E
tão importante quanto a Semana Social e a carta, eu vi também o fato da
Fetaema ter, nos últimos tempos, feito denúncias dos processos de
desapropriação camponesa, que tem ocorrido em vários pontos do estado.
Eu tenho participado de vários eventos de formação política feito pela
federação dos trabalhadores, junto a sindicatos e a gente sente, já ouvi
de alguns militantes da Federação, essa necessidade de atuar junto a
esses processos de expropriação. Que é preciso que a Fetaema volte a se
vincular, de uma maneira mais forte, a essas lutas contra a
desapropriação no campo. Sendo assim, este foi um aspecto que me chamou
atenção junto como a semana social. O fato de a Fetaema ter vindo a
público tratar dos processos de desapropriação, que tem ocorrido no
campo.
Durante
vários anos, a pauta da federação teve muito focada, na questão dos
recursos para o Pronaf ou na questão da aposentadoria rural. Estes são
temas importantes, que tem relação com esse público da federação, que
são os camponeses com terra. Mas, de certa forma, esses outros segmentos
do campesinato, que são submetidos ao trabalho escravo, esses que tem
que se deslocar pra vender sua força de trabalho nas redes de trabalho
escravo e esses que estão sendo expropriados, essas lutas, não tiveram
muito eco dentro da federação. Retomar isso eu acho importante.
Independentemente se é Fetaema, se é CPT, se é MST ou Fetraf, o
importante é ter uma coalizão dessas entidades para fazer esse
enfrentamento do modelo de desenvolvimento.
Wagner
Cabral - De certa forma, a conjuntura do Maranhão estaria apontando
para colocar a questão agrária na agenda da discussão do Estado. E, de
uma maneira, vamos dizer assim, movimentos sociais que antes nunca
deixaram de ter diálogo, mas que agora passam a verbalizar isso, de
maneira mais contundente, mais forte.
Marcelo Carneiro - Eu acho que sim. Eu espero que sim.
Emílio
Azevedo - Tu falaste em um novo modelo de desenvolvimento. Na
conjuntura política do Maranhão, as palavras relativo ao novo, a
mudança, estão na ordem do dia. Nós citamos aqui o documento elaborado
pela semana social e tu citaste a atual postura da FETAEMA. Esse
discurso de mudança no Maranhão tem como ficar indiferente a este tipo
de iniciativa que parte da sociedade civil?
Marcelo
Carneiro – Não! Só se esse discurso for pra inglês ver. Se você não
for às raízes, nos efeitos desse modelo de desenvolvimento, você vai
ficar apenas na epiderme. É apenas uma troca de comando de elite, em
torno do aparelho do estado. Eu acho que talvez a conjuntura seja muito
propícia para que se tenha um discurso mais forte, vindo desses
excluídos, dos oprimidos por esse modelo de desenvolvimento. As
questões que esses movimentos sociais estão colocando, não é algo que
esteja associado à conjuntura eleitoral. Essas questões já vinham sendo
colocadas, o trabalho escravo, o problema da desapropriação, com o fórum
de defesa do baixo Parnaíba etc. E, em uma conjuntura eleitoral, um
candidato de oposição, não pode ficar indiferente, sob o risco de ter um
discurso sem conteúdo.
Emilio
Azevedo - Em 2010, na campanha eleitoral, tu e Wagner Cabral, junto a
outros professores da universidade, assinaram um manifesto pró-Flávio
Dino. Agora, recentemente, logo após a Semana Social, Wagner cobrou
publicamente, nas redes sociais, que Dino tivesse uma postura mais
enfática e falasse com mais clareza, em relação, exatamente, a estas
questões levantadas pela sociedade, na Semana Social. Você acha que ele
deveria se posicionar com mais ênfase, em relação a esse tipo de
assunto?
Marcelo
Carneiro - Eu acho que quem quer falar num novo modelo de
desenvolvimento para o Maranhão, tem que enfrentar esses debates
relativos ao modelo de desenvolvimento. Tem que enfrentar a questão do
trabalho escravo, enfrentar o problema do que o estado produz. O
Maranhão é o maior gerador da mão de obra que é resgatada em situações
de trabalho escravo no Brasil! Então, tem que discutir as causas da
migração. Tem que enfrentar o debate sobre a questão da desapropriação
camponesa, o debate sobre como você vai construir uma estratégia de
inclusão social, potencializando essa agricultura familiar no nosso
estado. E tem também que enfrentar o debate sobre a questão ambiental
no campo, que talvez seja difícil para ele, por conta de alianças,
pensar de forma séria como a grande propriedade fundiária irá se adequar
às exigências ambientais colocadas pelo novo Código Florestal.
Num
processo como esse, tem que dizer como é que vai, efetivamente, quebrar
essa relação de clientela, fazendo uma gestão republicana do Estado.
Trata-se de um desafio que não é pequeno, mas que tem que ser
enfrentado. Tanto a pauta antiga, como temas mais novos, como esse tema
ambiental. Então, não tem meio termo. Se você quer um discurso de
mudança, você tem que enfrentar esse debate de uma maneira clara e
objetiva. Porque essa é a principal contribuição que um político
maranhense pode dar: entrar no debate público das questões que são
centrais e essenciais para pensar um novo modelo de desenvolvimento.
Wagner
Cabral - Nesse sentido, parece-me de certo maneira, que preciso atentar
para as ambivalências linguísticas, terminológicas, da oposição do
Maranhão. Por exemplo, nos recentes encontros promovidos na reuniões de
Balsas, trataram os produtores de soja como pequenos produtores. Agora,
estão falando de agricultura de alta produção. A palavra agronegócio não
é pronunciada. Todos esses deslizes, ou esquecimentos de palavras, ou
tratar na reunião com o presidente nacional da Comissão Pastoral da
Terra sobre pesca, sobre peixe, me parece uma dificuldade - pra dizer de
uma forma educada - da oposição do Maranhão, em tratar dessas questões
substantivas. Mas, de qualquer forma, as questões estão aí.
Emilio
Azevedo – Tu falaste em discutir as causas da migração. Segundo o IBGE,
hoje existe 1 milhão e meio de maranhenses vivendo em outros estados.
Boa parte dessas pessoas migrou em busca de trabalho. Fale sobre esta
situação. Isso é reflexo do nosso “modelo de desenvolvimento”?
Marcelo
Carneiro - Até os anos 1970 o Maranhão era um estado que recebia mais
migrantes do que enviava para o restante da federação. Dos anos 80 em
diante esse balanço mudou, de tal forma que na década de 1990 nosso
estado foi junto com a Bahia o principal produtor de migrantes da região
Nordeste.
As
razões para essa inversão podem ser associadas a três processos. Temos a
migração direta de camponeses que foram expulsos de suas terras.
Durante pesquisa na região de Tucuruí/PA e em São Felix do Xingú/PA
encontrei diversos grupos de camponeses maranhenses que após a
expropriação se reestabeleceram naquelas localidades. Há também o
deslocamento de camponeses que mesmo tendo terra não conseguem mais
reproduzir o grupo familiar em suas regiões de origem, devido aos
problemas que já apontei (má qualidade do solo, lote com tamanho
insuficiente, falta de apoio técnico, etc.) e, no caso que estudei mais
recentemente, do deslocamento de maranhenses para o trabalho na lavoura
canavieira paulista, temos o caso de moradores dos bairros periféricos
das cidades de pequeno e médio porte, que não conseguem obter emprego na
região de origem e se deslocam para o trabalho nos canaviais. Nesse
último caso, contudo, o deslocamento não implica necessariamente na
permanência definitiva na região de destino.
Em muitas situações
verificamos o mesmo fenômeno descrito por Afrânio Garcia, em seu livro
“Sul: o caminho do roçado”, os trabalhadores se deslocam temporariamente
para manter a condição camponesa. De forma diferente essas três
situações refletem, em última instância, o fracasso desse modelo de
desenvolvimento.
Emilio
Azevedo - Marcelo, tu citaste a pouco, a questão do trabalho escravo,
um tema, inclusive, que faz parte das tuas pesquisas. O que tu tens a
dizer, sobre o fato da Assembléia Legislativa do Maranhão, por
iniciativa da deputada Graça Paz, ter homenageado um prefeito,
notoriamente envolvido com trabalho escravo, como foi o caso do Zito
Rolin, prefeito de Codó?
Marcelo
Carneiro - O melhor exemplo, em relação ao que a Assembleia Legislativa
daqui fez, foi dado pela Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo.
Lá, por uma lei aprovada este ano, a empresa que tiver denuncia de
trabalho escravo, é cassado o seu registro do Imposto Sobre Circulação
de Mercadorias e Serviços (ICMS). E sem o registro no ICMS,
estabelecimentos não podem emitir nota fiscal, o que inviabiliza suas
transações comerciais. Então, no caso da Assembleia Legislativa do
Maranhão, ela fez um desserviço à luta contra o trabalho escravo.
Wagner
Cabral - Aqui no Maranhão houve uma iniciativa do deputado estadual
Bira do Pindaré, que apresentou um projeto similar ao aprovado em São
Paulo, de caçar licença de empresas envolvidas com trabalho escravo.
Mas, a Assembléia não aprovou.
Emilio
Azevedo – Junta uma insensibilidade total, com as afinidades e relações
políticas dos deputados maranhenses, com os escravistas. Inclusive tem
deputados e parentes de deputados maranhense, que já andaram pela lista
suja do trabalho escravo.
Wagner
Cabral – Da mesma forma que o Judiciário maranhense deu um tratamento
privilegiado ao Marcelo Baldochi, um juiz com fazendas onde foi
encontrado trabalho escravo.
Wagner
Cabral - Dentro dessa coisa da classe política local, quero lembrar uma
iniciativa recente, a criação de um consorcio dos municípios da estrada
de ferro Carajás, a Comefec, que reúne 23 municípios. Nesse contexto,
começa um novo tipo de articulação política. Como é que tu observas
isso, sendo um participante do movimento Justiça nos Trilhos?
Emilio Azevedo - Só para complementar, dá para confiar nas boas intenções dessa turma da Comefec?
Marcelo
Carneiro - Sobre esta ideia do consorcio, estes prefeitos estão
aproveitando uma questão que tava colocada desde o inicio, quando a Vale
implantou o chamado Sistema Norte. Quando ela começou a fazer o
escoamento da exploração do mineral de Carajás pela ferrovia. Naquela
época, nos anos 80, já existia um fundo no sistema sul, onde a Vale
também opera uma ferrovia. Lá, tinha uma compensação financeira para os
municípios onde ocorre a extração mineral e que são atravessados pela
ferrovia que faz o transporte desse minério. Ele tinha um nome, que é o
nome mais honesto que eu conheço, que era o Fundo de Exaustão. Por que
Fundo de Exaustão? Porque a atividade mineral é finita. Ela não é
renovável e você precisa preparar essas regiões para o futuro, para o
momento pós-mineração. E de outro lado também, você partilhar os
benefícios da exploração mineral. A Vale, no processo de privatização,
transformou esse nome de Fundo de Exaustão num nome mais bonito, Fundo
de Desenvolvimento. Na verdade a empresa quer esconder o fato dessa
exploração mineral não ser uma atividade renovável, portanto, não pode
ser considerada sustentável, pois o conceito do desenvolvimento
sustentável implica na garantia da existência desse recurso para sua
utilização ou apropriação por gerações futuras. Falar de Fundo de
Exaustão faz todo sentido, como a companhia fazia antes da privatização,
pois é preciso preparar as regiões onde ocorre a atividade mineral para
o futuro.
Esses
prefeitos do Maranhão estão se organizando, para cobrar da Vale, este
Fundo e outros benefícios associados ao fato de ter aqui uma corporação
multinacional, que tem bilhões de lucros por ano e, no entanto, anos
após ano o que fica onde essa empresa passa onde passa seu principal
complexo produtivo é uma situação de desigualdade social muito grande.
Então, em tese, o que esses prefeitos estão tão fazendo, é legítimo. É
exigir investimentos na região, uma contrapartida, que é um elemento que
a Campanha Justiça nos Trilhos tem discutido. Que é a idéia de um
Fundo Social da Mineração e toda a idéia de como você vai gerir esses
recursos. Agora, nós achamos que tem que ter controle social destes
recursos. Uma ideia é pensar em vincular essa transferência em receita
para educação, saúde, qualificação profissional, que esses recursos não
venham diretamente pras mãos desses prefeitos e possam servir, assim,
para o uso não republicano e continuar alimentando a “indústria da
miséria”.
Emilio
Azevedo - Agora em agosto, vai ter um encontro entre índios e
quilombolas, aqui no Maranhão, para tratar, exatamente, desse
enfrentamento que eles têm com o latifúndio e com o agronegócio. Qual o
papel que tu acha que esse setor tem a dar, num cenário como esse que
pede por mudanças?
Marcelo
Carneiro - Acho que esse encontro se escreve na mesma linha da Semana
Social, da Justiça nos Trilhos, neste novo posicionamento da Fetaema.
Acho que os desafios são tão grandes e você tem uma diversidade de
atores sociais, incluindo os povos indígenas, os remanescentes de
quilombos, os moradores das reservas extrativistas, o pessoal das
agriculturas familiares, trabalhadores sem terra... Para usar um termo
em desuso, nós temos um bloco histórico aí, de sujeitos sociais, que tão
a margem desse modelo e que precisa se mobilizar cada vez mais.
Precisa, cada vez mais, ampliar a sua voz.
Emilio
Azevedo - Para encerrar, gostaria de lembra Manoel da Conceição,
afinal, tu tens uma relação com ele, inclusive fostes tu um dos
articuladores para que ele recebesse, da UFMA, em 2010, o título de
Doutor Honoris Causa. Bem, eu lembro que em uma entrevista para o Vias
de Fato, Manoel disse a seguinte frase: “com Sarney a pobreza no
Maranhão não é só econômica, mas também política. É a pobreza
ideológica, essa degeneração pra mim é o que ficará de pior”. O que tu
tens a dizer sobre essa afirmação do Dr. Mané?
Marcelo
Carneiro - Não temos como discordar do Mané... O componente central do
modelo de desenvolvimento é o sistema político. Então, o problema passa
principalmente pela maneira como esse grupo político, essa oligarquia,
organizou e vem mantendo seu domínio, alimentado das políticas públicas,
daquilo que chamamos aqui de “indústria da miséria”, dessa incapacidade
de pensar o Maranhão.
Atualmente, uma das tarefas centrais, em caso da
oposição assumir o estado, é primeiro dotar este estado de capacidade
de pensar, da capacidade de planejamento, de capacidade crítica. Tem que
reconstruir a capacidade de pensar do estado, reconstruir o sistema
político, este é o compromisso central. Os economistas falam sempre do
custo de transação. Então, hoje, qual é o custo de transação que o
sistema político maranhense cobra, de uma estratégia de desenvolvimento
que efetivamente potencialize as capacidades?
Wagner Cabral - É um pedágio muito elevado?
Marcelo
Carneiro - Muito elevado! É o pedágio da malversação dos recursos
públicos! O pedágio do clientelismo! É por isso que as políticas não
chegam... É isso que o Manoel, sem frequentar os bancos de uma
universidade, percebe há muito tempo e diz com essa facilidade, coisas
que a gente, muitas vezes, tem dificuldade de elaborar.
www.viasdefato.jor.br
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