Entre janeiro e junho, ocorre a maioria dos nascimentos de filhotes da espécie. Não é por acaso que durante o primeiro semestre é realizado também o maior número de resgates. Os bebês precisam subir à superfície para respirar com mais frequência do que os adultos. Com os focinhos para fora da água, podem ser vistos com maior facilidade. A presença deles denuncia aos caçadores a existência de uma fêmea por perto.
"Por isso, aparece tanto filhote, porque matam a mãe e o filhote fica vulnerável”, afirma Stella Maris Lazzarini, veterinária e coordenadora do Centro de Preservação e Pesquisa de Mamíferos Aquáticos da Amazonas Energia (CPPMA). Quando têm sorte, estes filhotes são resgatados e levados aos tanques de instituições de pesquisa. “Manter os bichos em cativeiro é outra maldade”, diz Stella.
Ela destaca que já se conhece o suficiente para reproduzir o bicho em cativeiro, mas não é essa a salvação do animal. É preciso protegê-lo e garantir que ele continue a se reproduzir na natureza. Entretanto, hoje, os rios da floresta não são um lugar seguro para eles. De acordo com a coordenadora do Centro, denúncias indicam a matança de peixes-boi nos municípios de Iranduba, Autazes e Urucará.
A situação levou Stella Maris a distribuir uma carta de apelo aos órgãos de fiscalização para coibir a caça do bicho. “Cremos, no entanto, que apenas com um incremento de ações de fiscalização com ênfase nas áreas críticas e, sobretudo, com a proibição do uso do arpão possamos reverter a tendência ao extermínio do peixe-boi-da-amazônia”, diz no texto. O Ibama chegou a ir atrás dos supostos caçadores de Urucará, mas sem resultados.
Se nos rios os peixes-bois são perseguidos, o cativeiro não é um paraíso. Desde 1973, o Laboratório de Mamíferos Aquáticos do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (LMA/Inpa) registrou o resgate ou nascimento em cativeiro de 199 peixes-bois-da-amazônia. No total, pouco mais de 100 sobrevivem ainda presos.
O ideal seria devolvê-los ao seu meio, mas as tentativas de libertar peixes-bois-da-amazônia nascidos em cativeiro não deram certo. Os animais foram caçados, morreram na natureza ou acabaram resgatados novamente.
Etapa intermediária
Sete animais já nadam em um lago protegido no município de Manacapuru, entre eles Tupi, um dos mais velhos peixes-boi a serem levados ao cativeiro do Inpa. Ali, os animais vão se acostumando com as flutuações do nível do rio e com a alimentação natural, dois pontos críticos para a sobrevivência dos animais que retornam à natureza.
De acordo com Jone César Fernandes da Silva, da Associação Amigos do Peixe-Boi (Ampa), o plano é preparar o filhote durante 4 anos para a soltura. “Ele já vai ter passado pelo desmame quase dois anos antes e já estaria acostumado com a alimentação natural. Além disso, teria passado um ano no semi-cativeiro”, afirma Jone César.
Outro obstáculo do programa é a falta de dinheiro. A Ampa depende principalmente do apoio da Petrobras, que está renovando o patrocínio. Só após resolver as pendências, será possível planejar a soltura dos animais. Além de mais equipamentos de rádio para monitorar os que já estão soltos (hoje, a Associação conta com um par de equipamentos), é preciso bancar o transporte dos animais e uma equipe de campo para acompanhá-los.
O semi-cativeiro também resolve o problema da superlotação dos tanques. O Tupi, por exemplo, não deve ser solto em ambiente aberto. Já está há muito tempo em cativeiro, mas um lago é um lugar mais adequado do que tanques para os bichos viverem. Além do lago em Manacapuru, a Ampa negocia um espaço para os animais em parceria com a prefeitura de Novo Airão, interessada em explorar o turismo de visitação aos peixes-bois,.
Apesar das dificuldades, Jone César está otimista. Ele cita um indício, ainda não uma prova, de que o esforço está dando resultado. Até agora, nenhum filhote resgatado veio de Manacapuru, origem de 20% em médias dos resgates do animais realizados em anos anteriores. “Passamos os últimos 12 meses, atuando em escolas de Manacapuru, com foco na educação ambiental”, diz. Além de ensinar o peixe-boi a voltar ao seu meio, isso demonstra a importância de criar nos seres humanos o respeito não apenas pelo belo animal em risco de desaparecer, mas também às leis. (reeditado às 22h20)
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