A possibilidade prevista na reforma do Código Florestal de desobrigar
as propriedades de até 4 módulos fiscais (20 a 400 hectares,
dependendo da região do Brasil) de manter áreas de reserva legal está
causando uma corrida aos cartórios para fracionar as propriedades em
glebas menores.
Jonne Roriz/AE–Terra arrasada. Área desmatada na Amazônia: a
fim de não manter vegetação nativa, proprietários de terra buscam
cartórios para fragmentar propriedades em glebas menores
Segundo oficiais de cartórios ouvidos pelo Estado, houve aumento de
até 10%, em algumas regiões, nos pedidos de fracionamento. O texto do
novo Código aprovado em maio pela Câmara dos Deputados prevê que as
propriedades menores não precisam manter a reserva legal - a área com
vegetação nativa que varia de 20% a 80% das terras.
Em Araçatuba (SP), ao menos oito donos de áreas rurais com mais de 4
módulos fiscais requisitaram o desmembramento de suas propriedades nos
últimos dois meses. Em Mato Grosso, donos de terras correm aos
cartórios em busca de informações sobre como ficar desobrigados de
terem a reserva legal. Tabeliães e auxiliares de cartórios confirmam
que houve um crescimento "grande", em torno de 8% a 10%, nesses
pedidos.
Com a divisão de suas terras, esses proprietários podem escapar da
obrigatoriedade de recomposição de reserva legal e de multas, caso o
texto da reforma do Código Florestal, aprovado em maio pela Câmara,
passe a valer.
"Os pedidos de fracionamento de imóveis estão ocorrendo desde que as
discussões sobre a reforma do Código Florestal começaram", diz Marcelo
Melo, diretor de Meio Ambiente da Associação dos Registradores
Imobiliários do Estado de São Paulo (Arisp) e oficial do cartório de
registros de imóveis de Araçatuba.
Dos oito pedidos de fracionamento que recentemente chegaram ao
cartório, Melo negou todos, porque não apresentaram as escrituras
públicas de compra e venda desses imóveis.
O fato de não apresentar escrituras levanta a suspeita de que esses
fazendeiros estejam mesmo tentando driblar a legislação. Pelo menos um
deles, segundo Melo, revelou, no balcão do cartório, que o motivo era
esse mesmo. "Neguei os pedidos porque o Estatuto da Terra proíbe o
desmembramento para a formação de minifúndios sem a apresentação da
escritura", disse.
Melo lembra que, no ano passado, o deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP),
relator do texto aprovado na Câmara, prometeu incluir um dispositivo
legal no novo Código proibindo o fracionamento de fazendas para burlar
a legislação. "Ele prometeu, mas não cumpriu. Como deixou em aberto,
há essa possibilidade de se burlar a legislação."
Amazônia. Nos municípios que compõem a Amazônia Legal, onde a reserva
legal é de 80% da propriedade, a tendência se confirma. O escrivão
Vilson Henrique Mendes dos Santos, do Cartório do 1.º Ofício de
Cotriguaçu (MT), disse que os proprietários chegam sempre com a dúvida
do que será previsto na nova lei. "Querem saber se vai haver
desobrigação da reserva legal", diz. Segundo o escrivão, os
proprietários são orientados a aguardar. "Ninguém ainda sabe", disse.
Donos de cartórios de Nova Ubiratã e Sorriso, regiões produtoras de
soja, confirmam ainda que caíram os pedidos de registro de reserva
legal, o que indica que produtores estão na expectativa quanto ao novo
Código. "É preocupante que proprietários transfiram parte da matrícula
dos imóveis para parentes de "confiança". Sem reserva legal, quem
perde é o ambiente", diz Bruno Becker, oficial do cartório de Nova
Ubiratã, município que esteve no epicentro do recente pico de desmate
que ocorreu em Mato Grosso.
Oportunismo. Segundo Rodrigo Lima, pesquisador do Instituto de Estudos
do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), o texto aprovado na
Câmara não esclarece se os proprietários que estão desmembrando seus
imóveis ficarão livres de recompor a reserva legal. "É um ponto que
terá de ser discutido no Senado", diz Lima. "Isso (fracionamento dos
imóveis) é oportunismo, como quem está desmatando por antecipação
pensando que será anistiado pelo novo Código", diz Lima.
Na avaliação de Cláudio Maretti, líder da iniciativa Amazônia Viva da
ONG WWF Brasil, a corrida aos cartórios demonstra má-fé. "O grande
problema não é a reforma do Código Florestal em si e sim a criação da
imagem de que o Brasil precisa desmatar para continuar sendo uma
potência agrícola."
Por: Andrea Vialli - O Estado de S.Paulo
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