O nome baixadeiro vem de baixada, Baixada Maranhense, região de origem do nosso cavalo. Para chegar ao lugar, a equipe de reportagem deixou a capital São Luís, de balsa e na companhia dos três professores da UEMA, Universidade Estadual do Maranhão, que apresentaram o cavalo baixadeiro aos pesquisadores da Embrapa.
Vinte e um municípios integram a Baixada. Pinheiro é um deles. Com quase 80 mil habitantes, é considerado um tipo de capital da região, uma das mais pobres do país.
A cidade de Pinheiro é cercada por planícies, que ficam alagadas boa parte do ano, como explicou o zootecnista Afrânio Gazolla. “Ela faz parte da Bacia Amazônica, a Amazônia inundada do Maranhão. Aqui é uma área de proteção ambiental e que caracteriza por bastante água num período de janeiro ate junho e de julho a dezembro um período seco”, disse.
Na Baixada Maranhense, os animais são criados soltos e se alimentam de pasto nativo. Há quem diga que cavalo para se criar praticamente sozinho, neste ambiente, nestes campos alagados, precisa ter sangue baixadeiro.
Segundo o veterinário Osvaldo Serra, autor de uma dissertação de mestrado sobre o cavalo baixadeiro, para conseguir sobreviver no lugar esses eqüinos precisaram se adaptar.
“Foram anos e anos de seleção natural. Foram selecionados aqueles animais resistentes a esse ecossistema. Os que não resistiam, acabavam perecendo. Então, por isso hoje a gente tem essa raça adaptada. Isso a própria seleção natural tratou de fazer também para que ele, com pouco pasto ou um pasto menos nutritivo, conseguisse sobreviver. Outra adaptação muito importante que ocorreu foi o casco. O casco do baixadeiro é um casco muito resistente. Então, pode estar no alagado ou pode estar no torrão, na época seca, ele se adapta tão bem as duas condições”, esclareceu Serra.
Nesse ambiente, um cavalo de raça comercial, por exemplo, em pouco tempo, sofreria de podridão do casco por excesso de umidade.
Grande parte dos criadores de cavalo baixadeiro vive na cidade. A lida fica por conta dos tratadores. Manejo mesmo acontece só quatro ou cinco vezes por ano, quando animais de vários donos são agrupados para um trato coletivo.
A equipe de reportagem acompanhou um desses dias, que costumam ser muito festivos. É quase uma reunião entre amigos.
Os animais são laçados um a um. O manejo é bem rústico. Os peões aparam a crina. Aparam, não! Cortam tudo e no facão. O seu Zé Rodrigues e os outros tratadores acreditam que a crina enfraquece o animal. “Se deixar, essa crina chupa o sangue do animal. A gente vende essa crina, faz escova. Cortamos só uma vez por ano”, justificou.
Enquanto uns cortam a crina, outros tratam o carrapato com óleo queimado e creolina. Eles acreditam que o baixadeiro tem uma tolerância maior aos parasitas. Raças comerciais definhariam muito mais rapidamente diante de tamanha infestação.
O manejo baixadeiro foi sendo passado de pai pra filho. Orientação veterinária pela fazenda é coisa rara.
“A maneira como pessoal maneja, com os tratamentos em relação a controle de verminose, controle de carrapato, tudo assim é muito primitivo, tentando usar ao máximo daquelas receitas que foram passadas de geração a geração para que eles possam surtir algum efeito. Não é que isso não tenha seu valor. Claro que tem, o que a gente precisaria era chegar mais próximo para auxiliar como fazer uso disso de maneira mais satisfatório, mais consistente para o uso nos animais”, disse Francisco Lima, veterinário da UEMA.
O pagamento pelo serviço dos tratadores vem em forma de potro. No final de cada ano, o tratador se encontra com o dono dos animais para contar os potros que nasceram. A cada quatro potros nascidos, três ficam com o dono e um com o tratador. O seu Zé, por exemplo, cuida de 60 éguas. Dinheiro mesmo eles têm se virar para conseguir.
O seu João França, patrão do seu Zé, disse que nem o dono dos animais consegue ganhar dinheiro com o baixadeiro. “Uma égua baixadeira hoje vale de R$ 200 a R$ 300 ou até R$ 500, de acordo com o animal. O pastor, realmente a gente não tem o valor porque geralmente pegou cria no plante. Até hoje criar cavalo baixadeiro na nossa região é pura vocação, por acreditar na potencialidade do animal”, disse.
Para José Dias, criador e veterinário da região, resistência é a palavra que define este cavalo. “É um animal valente demais. Outros cavalos de raças melhoradas não aguentam isso. Não tem casco, não tem resistência, não aguenta parasita como carrapato. Eles não agüentam. Em pouco tempo, eles estão acometidos de muitas doenças e morrem. Esse aqui é um monstro”, explicou.
Foram todas essas características que fizeram com que os professores da UEMA procurassem a Embrapa para apresentar o baixadeiro.
“Eu propus para o professor Francisco que foi meu co-orientador na época e disse vamos a Brasília. Lá tem o Cenargem. Vamos conversar com o doutor Mariante e mostrar o cavalo para ele. Dessa feita foi do próprio bolso mesmo. Não demorou muito e o doutor Mariante estava olhando o cavalo in loco e realmente constatou que era um grupamento genético diferenciado”, lembrou Osvaldo Serra.
Um segundo ponto é a criação de um núcleo de conservação no campus da UEMA na Baixada, que teria um plantel próprio. E serviria também para orientar os criadores e tratadores da região sobre técnicas de manejo e de reprodução.
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“Hoje nós temos um problema sério que envolve consanguinidade do grupo, justamente por conta de não haver por parte do criador essa percepção de como a consaguinidade, ou seja, o irmão cruzando com a irmã ou o pia com a filha, como ele deprecia esse material genético e faz com que ele tenha uma vida limitada”, apontou Francisco Lima.
O núcleo de conservação melhoraria ainda a vida dessa gente que depende do cavalo baixadeiro e, às vezes, nem se dá conta disso.
Com esse manejo rude, num ambiente tão agressivo para a saúde do animal, chega a ser surpreendente a força e a resistência do baixadeiro. Motivos mais que suficientes para ele integrar o programa de conservação da Embrapa.
No futuro, com o avanço da biotecnologia e com o sequenciamento genético, vai se tornar cada vez mais fácil a transferência de genes de uma raça para outra.
A Bíblia conta a história de um homem que salvou casais de animais de diferentes espécies quando um dilúvio assolou a terra. Esse trabalho de conservação é um pouco parecido com o de Noé e sua arca, conservando raças tão ameaçadas no mundo de hoje.
Veja o vídeo no link: http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM1348956-7823-CONHECA+O+CAVALO+CAPAZ+DE+SOBREVIVER+EM+AMBIENTE+HOSTIL,00.html
Por: Globo Rural
http://globoruraltv.globo.com/
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