Especialistas e movimentos pedem prazos mais extensos para participação da sociedade
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) abriu, na última terça-feira (11), três consultas públicas referentes à atualização de regras para agrotóxicos no país. As normas a serem revistas tratam de classificação, rótulos e avaliação toxicológica dos produtos. Uma questão especificamente vem preocupando movimentos e entidades ligados à temática: o prazo estipulado pelo órgão para as consultas se encerra no próximo dia 20.
"Eles colocaram apenas dez dias corridos e, além de já ser muito pouco, temos um feriado e um final de semana no meio, então, isso pode inviabilizar a contribuição da sociedade. Deveria ser um período mais extenso, já que essas regras são muito importantes porque têm um impacto nos alimentos, na água e, portanto, na vida das pessoas”, alerta a biomédica Karen Friederich, membro da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).
Ela teme que o curto prazo coloque em risco a colaboração social, intelectual e científica. “É uma ação muito importante da Anvisa, sem dúvida, a exemplo do que outras agências e instituições fazem no mundo inteiro, mas esse prazo não viabiliza a participação de órgãos, institutos de pesquisa e outros atores. Isso pode comprometer a qualidade da contribuição que será dada. A própria Anvisa perde com isso, porque pode ficar com o olhar muito enviesado pra essa questão do setor regulatório sem uma avaliação de outros cientistas”, pontua.
A biomédica também se diz preocupada com a baixa disseminação de informações sobre as consultas. “Nós nos surpreendemos quando eles colocaram no site, porque não teve divulgação grande disso. Por se tratar de um tema dessa natureza e dessa relevância, precisaria de uma divulgação massiva”, completa.
Para que seja registrado, um agrotóxico passa pela avaliação de três órgãos, que são os Ministérios da Saúde (MS) e da Agricultura e o Ibama. A Anvisa atua pelo MS fazendo uma verificação dos aspectos relacionados à saúde humana. A avaliação segue uma regulamentação de 1993, que é a que está em processo de atualização e se relaciona com as três consultas públicas lançadas esta semana.
“Elas servem pra orientar as ações da Anvisa sobre como ela vai fazer a avaliação toxicológica dos impactos para a saúde decorrentes do uso de agrotóxicos, seja para alimento, seja para o trabalhador que lida com isso profissionalmente”, explica a biomédica.
Campanha
A “Campanha permanente contra os agrotóxicos e pela vida”, que reúne mais de 100 entidades e movimentos com atuação ligada à área, também demonstrou preocupação com o prazo estipulado pela Agência. O movimento se queixa de falta de diálogo com o órgão sobre os diversos pontos que atravessam a temática dos agrotóxicos.
“Nós sempre nos colocamos à disposição da Anvisa para debater essa questão dos agrotóxicos no Brasil, mas sempre houve uma barreira muito grande. (…) Por outro lado, eles sempre convocam o mercado para discussão, discutindo novas formas de regulação, procedimentos internos, etc. Há um acesso desbalanceado a eles”, critica Alan Tygel, da coordenação da Campanha.
Mobilização
Segundo informou Tygel, a Campanha iniciou nesta quinta-feira (13) uma mobilização para oficiar a Anvisa e solicitar uma extensão do prazo das consultas.
"Nós queremos uma alteração para pelo menos 60 dias. Se conseguirmos, será possível dialogar e fazer um debate com a sociedade sobre o assunto, mostrando às pessoas numa linguagem mais popular o que essas coisas significam e o que isso mudar na vida delas. Isso é que é positivo”, afirmou.
Participação
Por se tratarem de consultas públicas, qualquer pessoa pode contribuir, incluindo trabalhadores e organizações sociais do campo, pesquisadores, instituições de defesa do consumidor e outras entidades cuja atuação seja ligada ao tema.
“Profissionais dos serviços de saúde, por exemplo, podem dar uma boa contribuição também, já que eles prestam atendimento a pessoas intoxicadas por agrotóxicos”, informa a biomédica Karen Friederich.
O link das três consultas públicas está disponível no site da Anvisa.
A Anvisa
O Brasil de Fato entrou em contato com a assessoria de imprensa da Anvisa para tratar das críticas feitas pelas fontes ouvidas nesta reportagem e para discutir a importância das consultas, mas a Agência respondeu apenas em nota.
“O processo de regulação da Anvisa segue diretrizes e parâmetros que estão em sintonia com a atuação das mais modernas agência reguladoras de todo o mundo. (…) Em 2008, por meio da Portaria nº 422, de 16 de abril de 2008, foi instituído o Programa de Melhoria do Processo de Regulamentação da Anvisa (PMR), com o objetivo de aperfeiçoar as práticas regulatórias da Agência, garantindo maior previsibilidade, legitimidade, transparência e estabilidade ao processo regulatório. Os prazos e mecanismos de participação social fazem parte do esforço da Agência para implementação do PMR e melhoria da questão da transparência de ações da instituição”, disse o órgão em nota.
Edição: Camila Rodrigues da Silva
Cristiane Sampaio
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