Simon Romero – NYTimes, na Carta MaiorUma gigante financeira norte-americana e seus parceiros brasileiros têm investido centenas de milhões de dólares em negócios de terra no Cerrado
A gigante dos investimentos que administra a poupança de aposentadoria de milhões de administradores universitários, professores de ensino público etc, a TIAA-CREF se orgulha por defender valores socialmente responsáveis, inclusive ressaltando seu papel na elaboração dos princípios das Nações Unidas que versam sobre a compra de terras agrícolas, promovendo transparência, sustentabilidade ambiental e respeito pelo direito à terra.
Mas os documentos mostram que as incursões da TIAA-CREF na fronteira agrícola brasileira podem ter ido na direção oposta.
A gigante financeira norte-americana e seus parceiros brasileiros têm investido centenas de milhões de dólares em negócios de terra no Cerrado, na enorme região que cerca a floresta amazônica, onde savanas arborizadas estão sendo demolidas e abrem caminho para a expansão agrícola, alimentando sérias preocupações ambientais.
Em um esforço gigantesco, o grupo financeiro americano e seus parceiros acumularam vastas áreas agrícolas, apesar de uma tentativa do governo brasileiro em 2010 para proibir que tais negócios se efetivassem em grande escala por parte de exploradores estrangeiros.
Embora a medida tenha frustrado as ambições de outros investidores estrangeiros, a TIAA-CREF prosseguiu com suas iniciativas em uma parte do Brasil marcada pelos conflitos de terra, sendo denunciada por adquirir fazendas a partir de um sombrio especulador de terras, acusado, por sua vez, de empregar homens armados para roubar terras de agricultores pobres.
Os documentos oferecem um vislumbre de como um dos maiores grupos financeiros dos EUA participaram da grilagem de terras brasileiras. Em 2010, o Brasil respondeu ao recrudescimento do interesse internacional pelas terras do país, inserindo limitações jurídicas significativas às grandes aquisições estrangeiras de suas terras agrícolas.
Os investidores entendem que tais negócios são uma boa forma de diversificar sua carteira de valores. Mas alguns funcionários do governo e ativistas alegam que essas negociatas são responsáveis pelo desenraizamento de agricultores pobres, pela transferência do controle de recursos vitais à produção de alimentos para a elite global e pela destruição das tradições agrícolas em troca de plantações industriais que produzem alimentos para exportação.
“Eu tinha ouvido falar de fundos estrangeiros que tentavam contornar a legislação brasileira, mas algo nessa escala é surpreendente”, disse Gerson Teixeira, o presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA) e conselheiro do Congresso, referindo-se aos documentos sobre os acordos da TIAA-CREF no Brasil.
Alguns dos achados estão em um novo relatório organizado por pesquisadores da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos; e da Grain, uma organização com sede na Espanha que rastreia as compras de terras a nível global.
Divulgações da TIAA-CREF mostram que suas participações nas terras agrícolas brasileiras subiram para633,391 acres no início de 2015, acima dos 257,877 acres de 2012, quando começou a alavancar sua parceria com a Cosan, uma gigante brasileira do açúcar e dos biocombustíveis..
Stewart Lewack, um porta-voz da TIAA-CREF, concordou em rever vários aspectos da complexa estruturação desses acordos, mas se recusou a discutir as aquisições de terras em registro. Ele agendou nova reunião com executivos da Cosan, que é controlada por Rubens Ometto, um bilionário cuja família está na indústria de açúcar desde a década de 1930.
“A Cosan tem 70 anos de história na gestão de terras brasileiras e está comprometida com altos padrões de investimento responsável pelas entidades que controla”, disse o porta-voz da Cosan, em comunicado.
As duas empresas começaram a comprar terras no Brasil em 2008, após a formação de um empreendimento chamado Radar Propriedades Agrícolas, 81% propriedade de uma unidade da TIAA-CREF e 19% da Cosan. Enquanto a Cosan diz às autoridades brasileiras que controla o empreendimento por meio de seus assentos no conselho, a TIAA-CREF lista a Radar entre seus acionistas majoritários.”
Então surgiu a regulação brasileira de 2010, sobre aquisições de terras agrícolas por estrangeiros, que se desenrolou em um momento de crescente nacionalismo em torno de recursos naturais, destacado nos esforços para reivindicar um maior controle sobre o setor de energia.
Na agricultura, a mudança envolveu a limitação da venda de terras a estrangeiros para cerca de 12.000 acres, impedindo-os de possuir mais do que 25% das terras de qualquer município e colocando limites às subsidiárias brasileiras de grupos estrangeiros.
“Este movimento freiou o investimento estrangeiro em terras brasileiras”, disse Kory Melby, um americano que aconselha investidores na agricultura brasileira.
Mas em vez de reduzir a velocidade, a TIAA-CREF intensificou suas aquisições fundiárias no Brasil, com foco na fronteira dos estados do nordeste, Maranhão e Piauí. Em 2012, a empresa iniciou um fundo global focado na compra de terras agrícolas no Brasil, Austrália e Estados Unidos, atraindoinvestimentos de fundos de pensão suecos e canadenses.
José Minaya, executivo da TIAA-CREF que supervisiona as participações do grupo, defende tais investimentos, dizendo que eles são uma maneira de adquirir “recursos finitos” em um momento de crescente demanda global por alimentos.
“O Brasil nos oferece diversificação por suas culturas e por seu clima” disse Minaya aos investidores em um vídeo sobre a compra de terras agrícolas no maior país da América Latina.
Devido aos limites impostos em 2010 sobre os investimentos estrangeiros, a TIAA-CREF e seus parceiros brasileiros criaram um empreendimento financeiro para comprar terras agrícolas. O grupo americano detém uma participação de 49%, enquanto a Cosan detém 51%, de acordo com arquivos dos reguladores brasileiros.
O novo empreendimento aparece no papel como uma empresa separada, mas na prática é quase indistinguível da operação anterior. Elas compartilham muitos dos mesmos funcionários e executivos, que trabalham nos escritórios da Avenida Juscelino Kubitschek, em São Paulo, de acordo com pessoas familiarizadas com as operações.
Além disso, o financiamento para aquisição de terras é proveniente sobretudo das subsidiárias da TIAA-CREF em um tipo de empréstimo que pode ser convertido em ações, de acordo com documentos regulatórios. Os pesquisadores da Grain argumentam que essa estrutura corporativa torna possível que a TIAA-CREF esconda o controle que exerce sobre as fazendas adquiridas.
“Eles podem dizer o que quiserem sobre o controle, mas a questão é que essa arquitetura financeira só foi criada para canalizar fundos da TIAA-CREF em terras agrícolas brasileiras”, disse Devlin Kuyek, pesquisador sênior do Grain.
Em comunicado, a Cosan contestou essa visão. “Em todas as aquisições, o empreendimento segue estritamente a legislação em vigor”, disse a empresa.
Os ativistas não acusam diretamente a TIAA-CREF e a Cosan de desmatar as vegetações brasileiras. Em vez disso, eles dizem que as empresas compraram terras que já haviam sido desmatadas, obtidas por especuladores que podem ter usado táticas cruéis.
O relatório do Grain remonta como a TIAA-CREF e a Cosan parecem ter adquirido várias fazendas controladas por Euclides de Carli, um sombrio figurão dos negócios descrito por legisladores, estudiosos e agricultores brasileiros como um dos mais poderosos grileiros dos estados do Maranhão e do Piauí.
Grileiros são conhecidos por seu truque burocrático, isto é, a fabricação de títulos de terra, colocando-os em caixas de insetos (grilos) para fazê-los parecer mais antigos. Alguns grileiros também forçam as pessoas a deixar suas terras por uma variedade de táticas, incluindo intimidação de ativistas do direito à terra ou até mesmo assassinatos de agricultores pobres.
No caso do Sr. de Carli, estudiosos brasileiros descreveram como ele forçou dezenas de famílias para fora de suas fazendas, usando táticas desde a destruição de colheitas até a incineração da casa de um dos líderes da comunidade. Um legislador de destaque no Maranhão também acusou o Sr. de Carli de orquestrar o assassinato de um trabalhador rural diante de uma disputa de terras.
O Sr. de Carli, que tem sido o foco de investigações oficiais em suas compras de terra, não respondeu aos pedidos de comentário. Em comunicado, a Cosan reconheceu que seu empreendimento com a TIAA-CREF havia comprado terras controladas pelo Sr. de Carli, mas insistiu que uma revisão exaustiva à nível federal, estadual e municipal não tinha encontrado “qualquer ação penal em nome do Sr. Euclides de Carli”.
“A avaliação conduzida”, disse a Cosan, “precisa observar documentos oficiais e informações que fundamentam a segurança protocolar da aquisição”.
Mas os promotores familiarizados com a história do Sr. de Carli enfatizaram sua surpresa com o fato de que investidores proeminentes tenham prosseguido com tais acordos, quando uma simples pesquisa na Internet revelaria uma longa lista de acusações ilegais referentes à grilagem por parte do Sr. de Carli.
“Euclides de Carli é um dos principais grileiros da fronteira agrícola do Brasil”, disse Lindonjonson Gonçalves de Sousa, um promotor que investigou as negociações de terra do Sr. De Carli. “Não é segredo para ninguém que ele apareça com destaque nos conflitos de terra da região”.
Tradução por Allan Brum*
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Créditos da foto: Marizilda Cruppe
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