O senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) entregou, nesta terça (23),
parecer favorável à aprovação da proposta de emenda constitucional
57A/1999, que prevê o confisco de propriedades flagradas com mão de obra
escrava, destinando-as à reforma agrária e ao uso social urbano. Ele é
o relator da matéria na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania
do Senado Federal.
“Ao permitir o confisco do imóvel em que
houver trabalho escravo, o país dará um sinal inequívoco de que está
empenhado em inibir a prática desse tipo de crime que fere, não só as
leis trabalhistas, mas, antes de tudo, os direitos humanos”, afirma em
seu parecer.
A PEC, aprovada na Câmara dos Deputados em maio do
ano passado sob a numeração 438/2001, voltou para a sua casa de origem
por ter sofrido modificações. Aloysio propôs a aprovação sem
alterações.
“Do ponto de vista da constitucionalidade da matéria,
não há nada a objetar”, afirma o relatório. “Não há, igualmente,
restrições quanto à juridicidade, regimentalidade e técnica
legislativa”.
O senador ressaltou a importância da aprovação
desse instrumento, mesmo em face dos mecanismos já existentes de combate
ao trabalho análogo ao de escravo pelo viés econômico: “a despeito do
cadastro de empregadores flagrados com mão de obra escrava e o
engajamento de parte do setor privado no combate ao crime em torno de um
pacto empresarial (por meio do compromisso de cortar relações
econômicas com escravagistas), são poucos os casos de condenação
criminal da Justiça por submeter alguém à escravidão”.
E ressalta
que “toda propriedade rural ou urbana deve cumprir sua função social e
jamais poderá ser utilizada como instrumento de opressão ou submissão de
qualquer pessoa”.
No campo, a maior incidência de trabalho
escravo contemporâneo está na criação de bovinos, produção de carvão
vegetal para siderurgia, produção de pinus, cana-de-açúcar, erva-mate,
café, frutas, algodão, grãos, cebola, batata, na extração de recursos
minerais e na extração de madeira nativa e látex. Nas cidades, a
incidência é maior em oficinas de costura, no comércio, hotéis, bordéis e
em serviços domésticos. No campo e na cidade, pipocam casos na
construção civil.
Aprovada na Comissão de Constituição, Justiça e
Cidadania, a PEC 57A/1999 segue para o plenário do Senado para ser
apreciada em dois turnos. Caso receba dois terços dos votos dos
senadores, é promulgada. Se receber alterações, volta para a Câmara dos
Deputados. A expectativa do governo federal é de que a proposta seja
colocada em votação ainda neste semestre.
Votação - A Câmara dos
Deputados aprovou no dia 22 de maio, em segundo turno, a proposta de
emenda constitucional 438/2001. Com isso, a matéria, que foi aprovada
em primeiro turno em agosto de 2004, foi remetida de volta ao Senado por
conta da inclusão, pela Câmara, da previsão de expropriação de imóveis
urbanos. Foram 360 votos a favor, 29 contrários e 25 abstenções,
totalizando 414 votos. Ao final, os deputados cantaram o Hino Nacional
no plenário. Em 2004, foram 326 votos a favor, 10 contrários e 8
abstenções.
Deputados comemoram aprovação da PEC em maio de 2012
(Rogério Tomaz/Câmara dos Deputados)
Após
uma reunião das lideranças partidárias com o presidente da Câmara Marco
Maia, houve um acordo para que a proposta fosse colocada em votação.
Inicialmente todas as bancadas orientaram seus deputados pelo “sim”, com
exceção de Nelson Marquezelli, que afirmou que o PTB votaria
contrariamente. Contudo, no decorrer da votação, o partido voltou
atrás, corrigindo a orientação dada pelo deputado federal paulista.
Parte dos deputados contrários à PEC perceberam que a posição favorável à
aprovação teria quórum e recearam defender uma negativa que poderia ser
questionada posteriormente pela sociedade, uma vez que o voto para
mudança constitucional é aberto. Ao mesmo tempo, quase 100 deputados
estavam ausentes. Isso ajuda a explicar o baixo número de votos
contrários e leva a uma falsa impressão de que a votação foi fácil,
quando – na verdade – a sua viabilização levou semanas. E até o
resultado aparecer no painel eletrônico, ninguém tinha certeza de nada.
Ao final, nem todos os parlamentares obedeceram a orientação
partidária, mas o número foi suficiente para passar a matéria.
Histórico
- A PEC 57A/1999 ou 438/2001 (a primeira é a numeração no Senado, casa
de origem, e a segunda é a que ela recebeu na Câmara) prevê um acréscimo
ao artigo 243 da Constituição que já contempla o confisco de áreas em
que são encontradas lavouras de psicotrópicos. O projeto está
tramitando no Congresso Nacional desde 1995, quando a primeira versão do
texto foi apresentada pelo deputado Paulo Rocha (PT-PA), mas não
conseguiu avançar. Então, uma proposta semelhante, criada no Senado
Federal por Ademir Andrade (PSB-PA), foi aprovada em 2003 e remetida
para a Câmara, onde o projeto de 1995 foi apensado.
Devido à
comoção popular gerada pelo assassinato de três auditores fiscais e um
motorista do Ministério do Trabalho e Emprego durante uma fiscalização
rural de rotina em 28 de janeiro de 2004, no que ficou conhecido como a
“Chacina de Unaí”, no Noroeste de Minas Gerais, a proposta andou na
Câmara. Os produtores rurais Antério e Norberto Mânica, acusados de
serem os mandantes do crime, ainda não foram julgados.
Desde sua
aprovação em primeiro turno, em 2004, ela entrou e saiu de pauta várias
vezes. Dezenas de cruzes foram plantadas no gramado do Congresso e mais
de mil pessoas abraçaram o prédio em março de 2008, para protestar
contra a lentidão na aprovação da proposta. Dois anos depois, um
abaixo-assinado com mais de 280 mil assinaturas foi entregue ao então
presidente da Câmara e hoje vice-presidente da República, Michel Temer.
Em
março do ano passado, em reunião com o ministro Gilberto Carvalho, da
Secretaria Geral da Presidência da República, representantes de
trabalhadores rurais ouviram a promessa de que a PEC seria colocada em
votação até a semana do dia 13 de maio – celebração da Lei Áurea. Ao
mesmo tempo, Marco Maia (PT), então presidente da Câmara dos Deputados,
se comprometeu a colocar a matéria em votação. Escolheu o dia 8 de
maio. Em janeiro, Dilma havia colocado a PEC como prioridade
legislativa para o governo federal neste ano.
No dia 08 de maio
de 2012, houve um ato no auditorório Nereu Ramos, da Câmara, reunindo
centenas de pessoas, entre trabalhadores rurais, movimentos sociais,
centrais sindicais, artistas e intelectuais, pedindo a aprovação da
PEC. Um outro abaixo-assinado com cerca de 60 mil peticionários foi
entregue a Marco Maia. Por pressão dos ruralistas, ela acabou adiada
para o dia seguinte. A proposta chegou a entrar na fila de votação no
dia 9, mas foi retirada. Os ruralistas, então, adotaram como estratégia
aproveitar para negociar mudanças profundas no conceito de trabalho
escravo, usando a justificativa da aprovação da PEC 438 para tentar
descaracterizar o que é a escravidão contemporânea.
O artigo 149
do Código Penal, que trata do tema, é de 1940, reformado em 2003 para
deixar sua caracterização mais clara. Varas, tribunais e cortes
superiores utilizam a definação desse artigo. Recentemente, processos
por trabalho escravo contra um senador e um deputado federal foram
abertos no Supremo Tribunal Federal com base no 149. Nas falas dos
ministros do Supremo, fica clara a compreensão do Judiciário a respeito
do que sejam “condições degradantes de trabalho”, uma das
características da escravidão contemporânea mais refutadas pelos
ruralistas.
São elementos que determinam trabalho escravo:
condições degradantes de trabalho (aquelas que excluem o trabalhador de
sua dignidade), jornada exaustiva (que impede o trabalhador de se
recuperar fisicamente e ter uma vida social – um exemplo são as mais de
duas dezenas de pessoas que morreram de tanto cortar cana no interior de
São Paulo nos últimos anos), cerceamento de liberdade/trabalho forçado
(manter a pessoa no serviço através de fraudes, isolamento geográfico,
retenção de documentos, ameaças físicas e psicológicas, espancamentos
exemplares e até assassinatos) e servidão por dívida (fazer o
trabalhador contrair ilegalmente um débito e prendê-lo a ele).
A
ministra Maria do Rosário afirma que o governo federal é contrário a
qualquer proposta ou projeto de lei que envolva a possibilidade de rever
o conceito de trabalho escravo – como o projeto de autoria de Moreira
Mendes (PSD-RO), que retira as condições degradantes de trabalho e a
jornada exaustiva da caracterização de escravidão contemporânea.
Os
ruralistas e contrários à proposta defendem a aprovação de uma lei que
defina o conceito de trabalho escravo, diminuindo as situações possíveis
de caracterizá-lo. Os favoráveis à proposta e o governo afirmam que
não há necessidade e que o conceito de trabalho escravo já é claro no
artigo 149 do Código Penal, defendendo a aprovação de legislação
infraconstitucional apenas para regulamentar a expropriação, garantindo
que ela ocorra após decisão judicial transitada em julgado.
Por: Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política.
www.gvces.com.br
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