O ano de 2017 foi um ano difícil para a conservação. Mas ninguém poderá acusá-lo de ter sido um ano morno. Reviravoltas, avanços, ensaios, retrocessos (muitos retrocessos) e uma boa dose de drama marcaram os últimos 12 meses. Relembre aqui os principais acontecimentos que marcaram o ano.
Uma floresta chamada Jamanxim
No final de 2016, o governo reduziu o tamanho da Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim, localizada em Novo Progresso, no Pará, para resolver o caos fundiário da região, e para criar uma Área de Proteção Ambiental na parte que deixou de ser Flona. A novela de Jamanxim girou 360 graus e voltou ao mesmo ponto do final de 2016: um projeto de lei a espera de ser analisada pelo Congresso Nacional.
Antes, as mudanças em Jamanxim vieram através de Medida Provisória, uma modalidade que segue um rito próprio: precisa ser aprovada em 60 dias, prazo que pode ser prolongado por igual período. Se aprovada, vira lei, senão caduca.
A Medida Provisória retirou 57% da área original de 1,3 milhão de hectares da Flona Jamanxim, o equivalente a quase duas vezes o tamanho da área metropolitana de São Paulo. Da redução total de 743 mil hectares, 438 mil foram adicionados ao Parque Nacional do Rio Novo e os outros 305 mil hectares, um quarto da antiga Flona, viraram parte de uma nova Área de Proteção Ambiental (APA), a mais branda categoria de proteção brasileira, que permite propriedade privada -- leia-se, nesse caso, legalização de terras invadidas dentro dos seus limites.
Os parlamentares trataram de descaracterizar a MP e retiraram outros itens que tratavam de medidas benéficas à conservação, como o ganho de área para o Parque Nacional do Rio Novo. Pior, inseriram na MP medidas que prejudicaram outras áreas protegidas foram prejudicadas, como o Parque Nacional de São Joaquim, em Santa Catarina, que perdeu 20%.
Os ambientalistas reagiram e iniciaram uma campanha próxima à visita do presidente Temer à Noruega, o maior financiador do Fundo Amazônia. Num gesto feito para diminuir esses protestos, foi acordado um veto à MP, com o acordo de cavalheiros entre governo e ruralistas de que a matéria voltaria para o Congresso, dessa vez não como medida provisória, mas como projeto de lei, que tramitaria em caráter de urgência.
Entretanto, Sarney Filho, ministro do Meio Ambiente, demorou para enviar o projeto de lei e os ruralistas se sentiram traídos, ameaçando votar outro projeto de lei: o 3.729/2004, que facilita o licenciamento ambiental. Então, o projeto foi enviado, em regime de urgência, e os parlamentares da comissão especial formada para analisá-lo aproveitaram, de novo, para introduzir outros itens que prejudicam áreas protegidas, como a redução da Floresta Nacional de Itaituba II. Foi a vez de o governo se sentir traído, o que o levou a abandonar o projeto e retirar a tramitação urgente.
A novela sobre a redução de Jamanxim ainda não terminou e será um dos assuntos de 2018.
Trump e as mudanças na política ambiental americana
O presidente norte-americano cumpriu a sua promessa de campanha presidencial em relação ao meio ambiente. Começou o ano diminuindo em 31% o orçamento da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA, na sigla em inglês), deixando o órgão com o menor orçamento dentre todas as agências federais.
Antes, colocou no comando do EPA um cético do clima e aliado das indústrias petroleiras: Scott Pruitt. O ex-procurador-geral do estado de Oklahoma assumiu o órgão que ele mesmo processou 13 vezes.
Na contramão do seu antecessor em diversas medidas, Trump ordenou revisão de 27 monumentos nacionais declarados desde 1996, entre eles Bear Ears, que 2016 foi criado pelo então presidente Obama. Dois meses depois, retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas.
Em das últimas decisões do ano e não menos importante, o atual presidente dos EUA anunciou que retirou as mudanças climáticas da Estratégia de Segurança Nacional, invertendo o que havia sido determinado em 2105 por Barack Obama, seu predecessor. Dessa forma, a administração Trump tem confirmado traços de que não trabalhará em defesa do meio ambiente.
A extinção e a volta da Renca
Um dos assuntos mais polêmicos do ano e que causou protestos da sociedade civil foi a decisão do governo Michel Temer, de extinguir a Reserva Nacional de Cobre e Associados, passando a permitir a exploração de mineração na região por empresas privadas.
Criada por decreto em 1984, no final da ditadura militar, a Reserva Nacional de Cobre e Associados determinava o monopólio do governo sobre qualquer atividade mineral em sua área de 46.501 quilômetros quadrados. Num primeiro momento, a extinção da Renca foi confundida com a revogação de áreas protegidas que estão superpostas a ela. A confusão é culpa do nome “reserva”. O fato de sete unidades de conservação, incluindo o maior Parque Nacional em floresta tropical do mundo, as montanhas do Tumucumaque, e duas Terras Indígenas estarem sobrepostas à Renca acendeu o alerta vermelho dos ambientalistas e tomou conta das redes sociais. As vozes contrárias se estenderam até o palco do maior festival de música do ano, o Rock in Rio 2017.
Mediante repercussão negativa na sociedade civil, o governo, no dia 28, revogou o decreto e editou um novo (decreto nº 9.147/2017) “para clarificar a situação”. O texto diz que não haveria atividades de exploração de mineração em unidades de conservação ambiental e terras indígenas. O pequeno recuo não convenceu. Após críticas públicas de ambientalistas e do próprio ministro do Meio Ambiente, que havia se posicionado contra a abertura da Renca, Temer voltou atrás mais uma vez e o Ministério de Minas e Energia decidiu paralisar todos os procedimentos relativos à exploração minerária dentro da Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca) por 120 dias.
Supremo se debruça sobre o Código Florestal
Após vários adiamentos, o julgamento de artigos do Novo Código Florestal ficará para fevereiro de 2018. O Supremo Tribunal Federal (STF) analisa, desde 2012, quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade e uma Ação Declaratória de Constitucionalidade sobre a lei modificada em 2012 pelo Congresso Nacional.
O STF julgará, em conjunto, quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade – três delas movidas pelo MPF e uma movida pelo PSOL –, que questionam a constitucionalidade de 58 artigos da Lei nº 12.651/2012(novo Código Florestal), que regulamenta a conservação e a recuperação de vegetação nativa dentro de propriedades rurais do país. Aprovada e sancionada em 2012, a lei tem um total de 84 artigos, dos quais 64% foram questionados no Supremo Tribunal Federal. Também está sendo julgada a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC 42) proposta pelo Partido Progressista. De acordo com o partido, se o Supremo declarar o Novo Código Florestal constitucional, acabará com a insegurança jurídica no campo.
No dia 8 de novembro, o relator do processo no STF, ministro Fux, considerou inconstitucionais os artigos 59 e 60 do Código Florestal, que rege sobre o Programa de Regularização Ambiental (PRA), por anistiar produtores rurais. O PRA tem por objetivo a adequação das Áreas de Proteção Permanente (APPs) e de reserva legal de propriedades rurais por meio de recuperação ou compensação, firmando termo de compromisso entre proprietários e governo. A adesão ao programa confere benefícios, tais como suspender sanções por infrações anteriores a 22 de julho de 2008.
Escreveu Fux: “Ao perdoar infrações administrativas e crimes ambientais pretéritos, o Código Florestal sinalizou uma despreocupação do Estado para com o direito ambiental”.
Por outro lado, o ministro considerou constitucional o artigo 15, no qual se admite o cômputo das APPs no cálculo da Reserva Legal do imóvel. “Não é difícil imaginar que a incidência cumulativa de ambos os institutos em uma mesma propriedade pode aniquilar substancialmente sua utilização produtiva”, afirma. O cômputo das APPs no percentual da Reserva Legal, diz o ministro, está na área do legítimo exercício do legislador.
Em fevereiro, votarão os outros ministros.
Desmatamento: desce o da Amazônia, sobe o do Cerrado
A derrubada da floresta amazônica caiu de 7.893 quilômetros quadrados, em 2016, para 6.624 km², em 2017. É como se um pouco mais de quatro cidades de São Paulo de vegetação tivessem sidos perdidas entre agosto de 2016 a julho de 2017. No mesmo período do ano anterior, o país perdeu cinco cidades de São Paulo.
Em compensação, 2017 foi o primeiro ano que o governo finalmente divulgou dados sobre o desmatamento no Cerrado e os resultados são alarmantes: apenas em 2015 o Cerrado perdeu 9.483 quilômetros quadrados de vegetação, o que equivale a mais de seis cidades de São Paulo e supera em 52% a devastação na Amazônia no mesmo ano.
Ataques contra Ibama e ICMBio
Em julho, moradores fecharam a BR 163 na altura de Novo Progresso, no Pará. Os manifestantes protestavam contra o veto do presidente Temer que manteve o tamanho integral da Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim. A Flona tem partes ocupadas por fazendas de posseiros que querem ser regularizados e ter permissão para produzir. Em 07 de julho, durante o fechamento da rodovia, os manifestantes queimaram oito caminhonetes do Ibama, além da carreta que as transportava. O trecho em que o confronto ocorreu fica em Cachoeira da Serra, às margens da rodovia BR-163 (Cuiabá-Santarém), no município de Altamira. O crime teria sido cometido por madeireiros em retaliação ao Ibama por uma operação que reprimiu a retirada de madeira da Terra Indígena Menkragnoti.
Por conta disso, a presidente do órgão, Suely Araújo, mandou fechar todas as serrarias da região. "Foi um atentado contra ação legítima do Estado brasileiro", disse o diretor de Proteção Ambiental, Luciano Evaristo.
No final de outubro, em Humaitá, no Amazonas, prédios do Ibama e do ICMBio foram incendiados, viaturas tombadas, e casas e carros de servidores do Ibama atacados. Foi uma reação de garimpeiros e parte dos moradores à Operação Ouro Fino, contra o garimpo ilegal no Rio Madeira.
Políticos locais apareceram em imagens comemorando o ataque.
O ICMBio, que gere as Unidades de Conservação do país, também sofreu uma perda esse ano. Em agosto, um guarda-parque foi assassinado por caçadores no Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí.
Acidente com equipe do Ibama
No dia 3 de julho, um avião com uma equipe do Ibama caiu sobre árvores logo após decolar na pista da empresa Paramazônia, no município de Cantã, leste de Roraima. Quatro pessoas morreram: o piloto e três servidores do Ibama -- os analistas ambientais Olavo Perin, de 35 anos, do Espírito Santo; Alexandre Rochinski, de 45 anos, de Santa Catarina e o técnico administrativo Sebastião Júnior, de 50 anos, de Roraima. O único sobrevivente foi Lazlo Macedo de Carvalho, de 44 anos, analista ambiental do Ibama.
A aeronave havia sido alugada pelo Exército para levar os servidores do Ibama a uma ação de combate à mineração ilegal na Terra Indígena Yanomâmi, área de fronteira, parte da Operação Curare VIII.
Lazlo teve 50% do corpo queimado, principalmente os membros superiores, sofreu danos na traqueia e nos pulmões causados por fuligem. O seu estado de saúde quando chegou ao Centro de Tratamento de Queimados (CTQ) era considerado grave, mas ele reagiu bem ao tratamento, o que impressionou até a equipe médica, e deixou o hospital 84 dias após a internação.
10 anos do Instituto Chico Mendes: ((o))eco nas trilhas de longo curso
Em 2017, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) completou dez anos de existência. O ICMBio é responsável pela gestão das unidades de conservação federais. Seu aniversário incluiu uma programação especial: a realização de 10 travessias em áreas protegidas.
((o))eco acompanhou de perto essa jornada que começou em junho, na vastidão do Cerrado, no recém-ampliado Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (GO). Passou pelas dunas construídas pelo vento no Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses (MA), percorreu as paisagens ancestrais do Parque Nacional da Chapada dos Guimarães (MT) e subiu as montanhas do Parque Nacional da Serra do Cipó (MG). Em agosto, no mês de aniversário, foi para Reserva Extrativista Chico Mendes (AC) conhecer os caminhos escondidos sob a copa das árvores na Floresta Amazônica. Em setembro, a travessia teve como cenário as imponentes formações rochosas do Parque Nacional da Chapada Diamantina (BA) e, no mês seguinte, chegou ao Parque Nacional do Itatiaia (RJ), o mais antigo do país. As duas mais recentes travessias foram nas paisagens paradisíacas do Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha (PE) e, em seguida, no Parque Nacional da Tijuca (RJ), o mais visitado do país, no coração da Cidade Maravilhosa. Faltou uma travessia para fechar o total de 10 programadas. Ela ocorrerá em janeiro, no Parque Nacional da Serra dos Órgãos (RJ), um dos berços do montanhismo brasileiro, em janeiro.
Novas espécies
Como todo ano, em 2016 também foram descobertas novas formas de vida. Destacamos a descoberta de duas novas espécies de sapos nas montanhas da Mata Atlântica que pertencem ao gênero Brachycephalus.
No Panamá, surgiu um novo peixe-elétrico. Pequeno, com comprimento variando de 16 cm a 30 cm, o Eigenmannia meeki difere das outras espécies do gênero pela posição da boca, padrão de coloração, número de escamas, e disposição dos dentes.
Outro destaque foi a separação de 21 novas espécies de aves tropicais em espécies distintas. A diferenciação foi feita usando as diferenças de canto dessas aves, que pareciam ser da mesma espécie. Desenvolvidos pelos pesquisadores Benjamim Freemam, da University of British Columbia, e Graham Montgomery, da Cornell University, os estudos demonstram que, quando os sons eram muito diferentes, os pássaros de populações separadas, embora tidos como da mesma espécie, não se reconheciam.
Na Caatinga, um guia mapeou todas as serpentes registradas no bioma: um total de 114 espécies. Nas várzeas da Amazônia, um estudo descobriu que onça viva vale muito mais do que gado morto. E por falar em gado, ((o))eco se debruçou esse ano no impacto da pecuária na Amazônia. Foram 11 reportagens de fôlego sobre o assunto, como o “O drible do gado: a parte invisível da cadeia da pecuária”, “Cadeia invisível”, “Governo contra governo: sem guia de trânsito, gado ilegal no Pará fica impune” e “Origem desconhecida”.
Por: O Eco
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