Aproveitando mais uma vez do cenário político conturbado, o plenário da Câmara aprovou nesta madrugada as oito emendas à Medida Provisória (MP) 759, que estabelece regras para regularização de terras da União ocupadas na Amazônia Legal e disciplina novos procedimentos para regularização fundiária urbana. A norma segue para a sanção presidencial.
Uma das principais bandeiras da bancada ruralista, a ‘MP da grilagem’ foi aprovada na forma do projeto de lei de conversão do relator (PLV 12/2017), senador Romero Jucá (PMDB-RR), que promove profundas alterações em leis que resguardam políticas públicas ao direito de acesso à terra.
A MP já tinha sido enviada à sanção pelo Senado após aprovação naquela Casa, mas, depois da concessão de uma liminar pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso no último dia 20, a medida teve de retornar à Câmara.
Barroso reconheceu a violação constitucional e regimental pelo Senado, pelo fato do texto enviado à sanção presencial ser diferente do votado pela Casa revisora das leis. A liminar foi concedida a 11 parlamentares do PT que questionaram a aprovação pelo plenário do Senado, de emendas consideradas pelo relator Jucá como de redação (destinadas apenas a corrigir vício de linguagem ou incorreção de técnica legislativa).
O ministro concordou que ao menos três delas alteram o mérito do texto aprovado pela Câmara e determinou nova votação pelos deputados, suspendendo seu envio à Presidência da República para sanção.
A votação desta madrugada evidenciou, mais uma vez, o contexto de crise do governo e a pressa da bancada ruralista, majoritária no Congresso, em aprovar rapidamente a medida. Integrantes da base de apoio ao governo, os deputados ligados à Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) correspondem a 207 deputados de um total de 513.
A aprovação das emendas repetiu o contexto de turbulência política da votação na sessão deliberativa do último dia 25 de maio, quando o plenário da Câmara aprovou a medida. Na ocasião, os deputados de oposição ao governo se retiraram da sessão em protesto contra o decreto do governo autorizando o emprego das Forças Armadas para Garantia da Lei e da Ordem (GLO).
Sem oposição, os parlamentares da base de apoio ao governo votaram, na sessão de duas horas de duração e sem debate, seis MPs. Três delas causam altos impactos para populações do campo e ameaçam a biodiversidade brasileira, como é caso da 759.
Essa medida permite, por exemplo, regularizar áreas contínuas maiores que um módulo fiscal e até 2,5 mil hectares (ha), e que ocupantes anteriores a julho de 2008 participem do processo. Por causa disso, a norma abre caminho para a legalização massiva de áreas griladas, o agravamento da concentração fundiária e dos conflitos de terra.
Além disso, a norma faz mudanças estruturais no processo de seleção para reforma agrária e no Terra Legal (Lei 11.952/2009), que trata da regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União, no âmbito da Amazônia Legal.
Estima-se que, só na Amazônia, poderá ser disponibilizada à empreendimentos privados, por valores bem abaixo do mercado, cerca de 40 milhões de hectares de terras públicas – o equivalente a duas vezes ao Estado do Paraná.
Anistias
A MP 759 tem outro agravante. O texto aprovado exclui exigências ambientais que existiam para a regularização fundiária, nem mesmo para coibir o desmatamento na Amazônia – um dos principais argumentos para instituir o Terra Legal.
A nova redação possibilita a transferência de terras públicas sem que o posseiro se comprometa a recuperar seu passivo ambiental. Na prática, anistia as ocupações irregulares, além de permitir a venda, sem qualquer critério de interesse social ou coletivo, de imóveis patrimônio da União.
A legislação atual prevê que o posseiro pode perder o título se a Área de Preservação Permanente (APP) ou a Reserva Legal for desmatada num prazo de dez anos. A MP original já flexibilizava essa restrição, ao permitir que o ocupante pudesse assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).
O texto de Jucá, aprovado na Comissão Mista que analisou a matéria, foi além e eliminou todas essas condicionantes ambientais. Agora a única obrigatoriedade é o Cadastramento Ambiental Rural (CAR) da área.
Áreas urbanas
Uma das emendas aprovadas pela Câmara permite ainda a instituição de condomínio urbano simples para qualquer imóvel que tenha nele construções de casas ou cômodos e não apenas para aqueles que são objetos de Regularização Fundiária Urbana (Reurb).
A redação que saiu da comissão mista era mais restritiva, pois fazia referência apenas a imóveis irregulares que farão parte do Reurb. Técnicos do Ministério do Meio Ambiente (MMA) avaliam negativamente a medida por todo retrocesso ambiental em jogo. Para eles, será ainda mais problemático o efeito nas áreas urbanas, pois haverá legalização de diversas residências e condomínios irregulares.
Além da transformação de qualquer aglomerado rural em urbano – o que significará a privatização dos espaços públicos, causando mais danos ambientais.
Questionamentos
Desde a edição dessa MP pelo presidente Temer, no final de 2016, o seu teor tem sido alvo de questionamentos, principalmente por movimentos sociais do campo e da cidade.
As entidades avaliam que a nova lei aumentará a concentração de terras, incentivando a grilagem, conflitos no campo e o desmatamento. Além de não trazer uma ampla e estrutural reforma agrária no país, pode comprometer a legislação que avançou ao longo das últimas décadas.
O WWF-Brasil se posiciona contrário a essa medida e considera que esse não seria o melhor momento para realizar mudanças estruturais no ordenamento territorial, principalmente da Amazônia. Antes disso, é necessário ordenar o território e destinar as terras públicas a pequenos produtores rurais, assentados, povos indígenas e populações tradicionais da região para garantir as salvaguardas ambientais, institucionais e de cidadania.
Além disso, essa medida faz parte da ofensiva da bancada ruralista do Congresso com o objetivo de atender ao mercado de terras, institucionalizando a grilagem em grandes áreas, inclusive daquelas que até pouco tempo estavam protegidas por unidades de conservação integral, como o Parque e a Floresta Nacional de Jamanxim, no Pará, que estão prestes a serem reduzidos pelo Congresso (leia mais).
Embora a MP já tenha perdido a validade no último dia 1º de junho, seu texto original permanece em vigor até o dia 1º de julho, prazo dado por ele para a Câmara analisar as emendas.
Por Clarissa Presotti
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