sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Cobra criada da Baixada Ocidental Maranhense


Nascido e criado em Pericumã, município de Peri Mirim, seu Simeão Soares Gonçalves é uma cobra criada nesses campos e nesses babaçuais da baixada maranhense. Beberica uma cachacinha da terra em seu comercio ao lado da sua casa. A cachaça provém do município de Pinheiro e carrega consigo a marca das comunidades tradicionais onde se fabrica cachaça por séculos. Quase uma cachaça doce que te leva rápido para a embriaguez. Para não embriagar, recomenda-se acompanhar a cachaça com sal. Nesse dia, em que conversava com o jornalista Mayron Régis e com o agrônomo Edmilson Pinheiro do Fórum Carajás, não bebericou a sua cachacinha, apenas ofereceu u trago e pediu a sua esposa que trouxesse a garrafa plástica onde mantinha a dita cuja. Não foi por acaso que ele chegou aos 77 anos. Ele chegou graças a cachaça que ameniza as tensões diárias e as amizades que angariou e desfez durante sua vida. Um dos seus ex amigos, o seu Constantino Marques Braga viveu uma existência pobre, com bem se recordou o seu Simeão Para sair da pobreza, ele  se escorou na família Sarney que os presenteou com o cartório de Bequimão, município vizinho a Peri Mirim. Desde então começou a disputa por terras envolvendo a família do seu Constantino e o seu Simeão, liderança de Pericumã. O seu Constantino denunciou em 2011 seu Simeão por invasão de um local conhecido por Barreiro. Para não se enredar nessa confusão, o seu Simeão se escorou no Incra. A comunidade do Pericumã se assumiu quilombola e recebeu a certificação da fundação palmares no final de 2011.    O seu Constatino morreu e o seu Simeão lamenta a sua morte por ele ter ido sem terem feito as pazes. É o fundo do coração esse sentimento? Seu Constantino se foi mas deixou o filho Ariolano Ferreira Braga, policial federal,  para aporrinhar os quilombolas. Eles perderam o cartório de Bequimão mas transferiram a influencia para o cartório de Peri Mirim. Em várias conversas o Zequinha do cartório assumiu que fraudou documentos para o Ariolano. Essas fraudes favorecem o Ariolano no seu intuito de se apossar de terras do território quilombola, desmatar os babaçuais e cercar os recursos naturais em prol da sua criação de gado.



Por: Mayron Regis 

http://territorioslivresdobaixoparnaiba.blogspot.com.br/

Como a luta para salvar botos revelou cadeia de contaminação e doenças na Amazônia

rio Amazonas
Image captionPesquisador narra impacto do uso da carne de botos como isca para peixes contaminados por mercúrio no rio Amazonas | Foto: Fundacao Omacha
O que tem a ver a luta pelos botos-cor-de-rosa do rio Amazonas com vendedores de peixes em cidades a centenas de quilômetros, ou com crianças que sofrem por tremores e dores de cabeça agudas?
A resposta é: muito. Na vasta Amazônia (que vai além do Brasil e inclui Peru, Colômbia, Bolívia, Equador, Suriname, Venezuela, Guiana e Guiana Francesa), a luta pela conservação pode abrir uma verdadeira "caixa de Pandora", segundo o biólogo colombiano Fernando Trujillo, uma das principais autoridades do mundo em botos-cor-de-rosa.
Diretor científico da Fundação Omacha, Trujillo falou recentemente sobre seu trabalho na Royal Geographic Society, a Sociedade Real Geográfica de Londres, e mostrou como o uso de carne de botos como iscas traz luz à complexa realidade da região amazônica - uma área de 7 milhões de quilômetros quadrados e cerca de 34 milhões de habitantes - dos quais apenas 3,5 milhões são indígenas.
Além de terem gerado um documentário premiado, prestes a ser exibido pela Netflix, as pesquisas do cientista contribuíram para que o governo colombiano proibisse, neste ano, o consumo de um tipo de peixe contaminado por mercúrio da região.
Mas qual é a conexão entre o peixe e os botos?

'Deuses da água'

Fernando Trujillo estudou Biologia Marinha e chegou à Amazônia em busca de botos por conselho do explorador francês Jacques Cousteau.
"Os golfinhos me interessavam muito. Nesta época, meus professores na Colômbia me diziam que no país não havia botos ou golfinhos e que eu deveria buscá-los nos Estados Unidos", relatou o biólogo à BBC Mundo (o serviço de notícias em espanhol da BBC).
"Mas tive a sorte de conhecer o comandante Cousteau quando ele fez uma conferência na Colômbia na década de 1980. Ele me disse que não havia ninguém no país estudando os botos do Amazonas e perguntou: 'Por que você não vai?".
golfinhos
Image captionPrincipal ameaça contra golfinhos, segundo o especialista, é a pesca comercial | Foto: Fundacao Omacha
Trujillo acabou se mudando definitivamente para o pequeno povoado amazônico de Puerto Nariño. "Quase não tinha dinheiro, mas os indígenas me davam comida, emprestavam embarcações e começaram a me chamar de Omacha".
Trujillo deu esse nome à fundação que criou na Amazônia colombiana, como uma metáfora para o que significa "colocar-se no lugar de outra espécie".
Para os indígenas, os botos são animais sagrados. A grande ameaça à esta espécie, segundo o especialista, vem da pesca comercial.

Peixe carniceiro

rio Amazonas
Image captionPesquisador identificou conexão entre a conservação do Amazonas e a exploração ilegal de ouro na região | Foto: Fundacao Omacha
"Quando os grandes bagres começaram a ficar escassos na Amazônia, começamos a notar no Brasil a pesca de um peixe carniceiro chamado piracatinga (Calophysus macropterus, também conhecido como douradinha, no Brasil, e mota, na Colômbia). Ninguém pescava a piracatinga na Colômbia, porque todo mundo sabe que ele come animais mortos - inclusive cadáveres humanos."
O pesquisador continua: "Até o ano 2000, havia um peixe muito consumido na Colômbia que se chamava 'el capaz'. Era um peixe do rio Magdalena. Mas quando este peixe começou a sumir, os comerciantes começaram a vender a piracacinga fingindo que era o 'el capaz'."
Assim começou a pesca maciça do peixe carniceiro - e a matança de botos cor de rosa, cuja carne e gordura se transformaram em iscas.
"Com apenas um boto morto usado como isca, os pescadores conseguiam pescar 250 quilos de picaratinga, o que gerou críticas em vários países", diz Trujillo.
No Brasil, estima-se que a pesca comercial mate 1,5 mil botos a cada ano.
piracatinga
Image captionPesca da piracatinga, um peixe que se alimenta de carniça, impacta população de botos cor de rosa | Foto: Fundacao Omacha

Proibições

Um vídeo da matança gravado em 2014 gerou tal comoção que o governo brasileiro proibiu a pesca do peixe carniceiro por cinco anos.
Como efeito colateral deste controle no Brasil, a caça a botos se intensificou em países como Peru, Bolívia e Colômbia.
"Por toda a minha vida eu trabalhei com botos. Mas então me dei conta: agora o tema não são mais os golfinhos, e sim a pescaria", explica o pesquisador.
Trujillo começou então a investigar o consumo da piracatinga, suspeitando que, pelo fato de se tratar de um peixe carniceiro, seu organismo poderia ter altos índices de mercúrio.
"Começamos a colher amostras com Fundo Mundial para a Natureza, da ONG WWF", conta.
Após estudos oficiais, o governo colombiano condenou em 2015 o consumo do peixe e, em setembro de 2017, proibiu permanentemente sua captura e comercialização.
Trujillo disse à BBC Mundo que ainda é muito cedo para se analisar o impacto da proibição sobre a população de botos. Mas, segundo ele, ficou clara a conexão entre a conservação do Amazonas e a exploração ilegal de ouro, de onde provém o mercúrio.
boto
Image captionCom um boto morto usado como isca, pescadores conseguem pescar 250 quilos de picaratinga | Foto: Fundacao Omacha

O Mercúrio e o ouro

"Para um quilo de ouro é necessário 1,32 quilo de mercúrio. Muitas vezes, entretanto, usa-se até 10 quilos de mercúrio para isolar 1 quilo de ouro. O desperdício de mercúrio é enorme."
Quando os peixes carniceiros comem outros peixes contaminados, o mercúrio vai se acumulando, já que seu organismo não é capaz de eliminá-lo.
"O mercúrio ataca o sistema nervoso central, fígado, rins, causa temores e dores de cabeça agudas", diz Trujillo.
"Além disso, o mercúrio é uma substância que em altas concentrações pode ser teratogênica, ou seja, pode ocasionar malformações congênitas", diz.
"Houve uma época no Brasil em que começaram a confundir estes sintomas com ataques graves de malária", conta.
A Fundação de Trujillo e vários institutos e governos pesquisam alternativas econômicas para a Amazônia como o turismo, os cultivos de cacau orgânico e aquicultura - a criação de espécies nativas em fazendas aquáticas. A ideia é evitar assim o garimpo ilegal que usa grandes quantidades de mercúrio, assim como a pesca predatória.
rio Amazonas
Image captionDocumentario sobre a luta pelo boto cor de rosa abriu o festival de Tribeca, em Nova York | Foto: Fundación Omacha

Ameaças

Um documentario sobre este trabalho e a luta pelo boto-cor-de rosa abriu o festival de Tribeca, em Nova York, e em breve estará disponivel na Netflix.
"Há algumas décadas, se tivessem me falado de aquicultura no Amazonas eu teria dado risada", afirma. "Hoje é uma necessidade."
Nos últimos 20 anos, houve um crescimento exponencial na população na Amazônia, graças à exploração de petróleo, à mineração, aos grandes cultivos de soja, ranchos de gado e às hidrelétricas, com a expansão de bairros nos arredores de estradas.
"Há um aspecto socioeconômico neste caso. Já existem 34 milhões de seres humanos vivendo na amazônia, dos quais apenas 3,5 milhões são indígenas."
Trujillo sofreu ameaças após a proibição da pesca da piracatinga na Colômbia e chegou a usar um colete a prova de balas e proteção especial para voltar à região onde trabalhou por décadas.
Fernando Trujillo
Image captionDiretor científico da Fundação Omacha, Trujillo falou recentemente sobre seu trabalho na Royal Geographic Society, a Sociedade Real Geográfica de Londres | Foto: Fundación Omacha
"Foi um momento muito triste. Mais que medo, foi triste, porque eu trabalhei 30 anos de minha vida para ajudar as pessoas no Amazonas e nunca pensei que este tipo de estudos abriria uma caixa de Pandora que me renderia ameaças" , lamenta.
"Estou comprometido a buscar alternativas econômicas para a região. Não estou interessado em acabar com a economia da área, mas sim fortalecê-la e torná-la sustentável."
A luta de Trujillo para proteger os botos deixou um grande ensinamento.
"Os cientistas ensinam que temos que estudar uma espécie e publicar artigos científicos, mas me dei conta que nossos políticos não leem artigos científicos."
Segundo o pesquisador, a principal lição foi perceber que "além da perspectiva científica, é preciso abordar temáticas políticas e socioeconômicas" nos estudos.
"Estamos em um mundo complexo, e não podemos simplificar as coisas a partir do nosso próprio interesse", diz. "É preciso trabalhar com economistas, sociólogos, antropólogos, cientistas políticos, comunicadores, criando redes de trabalho para a busca de soluções para a Amazônia."
boto
Image captionFoto: Fundación Omacha

BBC Brasil

Conheça os fatos ambientais que marcaram 2017





Gado na Floresta Nacional de Jamanxim. Foto: Marcio Isensee.
O ano de 2017 foi um ano difícil para a conservação. Mas ninguém poderá acusá-lo de ter sido um ano morno. Reviravoltas, avanços, ensaios, retrocessos (muitos retrocessos) e uma boa dose de drama marcaram os últimos 12 meses. Relembre aqui os principais acontecimentos que marcaram o ano.
Uma floresta chamada Jamanxim
No final de 2016, o governo reduziu o tamanho da Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim, localizada em Novo Progresso, no Pará, para resolver o caos fundiário da região, e para criar uma Área de Proteção Ambiental na parte que deixou de ser Flona. A novela de Jamanxim girou 360 graus e voltou ao mesmo ponto do final de 2016: um projeto de lei a espera de ser analisada pelo Congresso Nacional.
Antes, as mudanças em Jamanxim vieram através de Medida Provisória, uma modalidade que segue um rito próprio: precisa ser aprovada em 60 dias, prazo que pode ser prolongado por igual período. Se aprovada, vira lei, senão caduca.
A Medida Provisória retirou 57% da área original de 1,3 milhão de hectares da Flona Jamanxim, o equivalente a quase duas vezes o tamanho da área metropolitana de São Paulo. Da redução total de 743 mil hectares, 438 mil foram adicionados ao Parque Nacional do Rio Novo e os outros 305 mil hectares, um quarto da antiga Flona, viraram parte de uma nova Área de Proteção Ambiental (APA), a mais branda categoria de proteção brasileira, que permite propriedade privada -- leia-se, nesse caso, legalização de terras invadidas dentro dos seus limites.
Os parlamentares trataram de descaracterizar a MP e retiraram outros itens que tratavam de medidas benéficas à conservação, como o ganho de área para o Parque Nacional do Rio Novo. Pior, inseriram na MP medidas que prejudicaram outras áreas protegidas foram prejudicadas, como o Parque Nacional de São Joaquim, em Santa Catarina, que perdeu 20%.
Os ambientalistas reagiram e iniciaram uma campanha próxima à visita do presidente Temer à Noruega, o maior financiador do Fundo Amazônia. Num gesto feito para diminuir esses protestos, foi acordado um veto à MP, com o acordo de cavalheiros entre governo e ruralistas de que a matéria voltaria para o Congresso, dessa vez não como medida provisória, mas como projeto de lei, que tramitaria em caráter de urgência.
Entretanto, Sarney Filho, ministro do Meio Ambiente, demorou para enviar o projeto de lei e os ruralistas se sentiram traídos, ameaçando votar outro projeto de lei: o  3.729/2004, que facilita o licenciamento ambiental. Então, o projeto foi enviado, em regime de urgência, e os parlamentares da comissão especial formada para analisá-lo aproveitaram, de novo, para introduzir outros itens que prejudicam áreas protegidas, como a redução da Floresta Nacional de Itaituba II. Foi a vez de o governo se sentir traído, o que o levou a abandonar o projeto e retirar a tramitação urgente.
A novela sobre a redução de Jamanxim ainda não terminou e será um dos assuntos de 2018.
Trump e as mudanças na política ambiental americana
Para Trump, a decisão de não considerar as alterações climáticas um assunto de segurança nacional vem da necessidade dos Estados Unidos recuperar a sua competitividade econômica no mundo. Foto: Gage Skidmore/Flickr.
Para Trump, a decisão de não considerar as alterações climáticas um assunto de segurança nacional vem da necessidade dos Estados Unidos recuperar a sua competitividade econômica no mundo. Foto: Gage Skidmore/Flickr.

O presidente norte-americano cumpriu a sua promessa de campanha presidencial em relação ao meio ambiente. Começou o ano diminuindo em 31% o orçamento da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA, na sigla em inglês), deixando o órgão com o menor orçamento dentre todas as agências federais.
Antes, colocou no comando do EPA um cético do clima e aliado das indústrias petroleiras: Scott Pruitt. O ex-procurador-geral do estado de Oklahoma assumiu o órgão que ele mesmo processou 13 vezes.
Na contramão do seu antecessor em diversas medidas, Trump ordenou  revisão de 27 monumentos nacionais declarados desde 1996, entre eles Bear Ears, que 2016 foi criado pelo então presidente Obama. Dois meses depois, retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas.
Em  das últimas decisões do ano e não menos importante, o atual presidente dos EUA anunciou que retirou as mudanças climáticas da Estratégia de Segurança Nacional,  invertendo o que  havia sido determinado em 2105 por Barack Obama, seu predecessor. Dessa forma, a administração Trump tem confirmado traços de que não trabalhará em defesa do meio ambiente.
A extinção e a volta da Renca
Um dos assuntos mais polêmicos do ano e que causou protestos da sociedade civil foi a decisão do governo Michel Temer, de extinguir a Reserva Nacional de Cobre e Associados, passando a permitir a exploração de mineração na região por empresas privadas.
Criada por decreto em 1984, no final da ditadura militar, a Reserva Nacional de Cobre e Associados determinava o monopólio do governo sobre qualquer atividade mineral em sua área de 46.501 quilômetros quadrados. Num primeiro momento, a extinção da Renca foi confundida com a revogação de áreas protegidas que estão superpostas a ela. A confusão é culpa do nome “reserva”. O fato de sete unidades de conservação, incluindo o maior Parque Nacional em floresta tropical do mundo, as montanhas do Tumucumaque, e duas Terras Indígenas estarem sobrepostas à Renca acendeu o alerta vermelho dos ambientalistas e tomou conta das redes sociais. As vozes contrárias se estenderam até o palco do maior festival de música do ano, o Rock in Rio 2017.
Mediante repercussão negativa na sociedade civil, o governo, no dia 28, revogou o decreto e editou um novo (decreto nº 9.147/2017) “para clarificar a situação”. O texto diz que não haveria atividades de exploração de mineração em unidades de conservação ambiental e terras indígenas. O pequeno recuo não convenceu. Após críticas públicas de ambientalistas e do próprio ministro do Meio Ambiente, que havia se posicionado contra a abertura da Renca, Temer voltou atrás mais uma vez e o Ministério de Minas e Energia decidiu paralisar todos os procedimentos relativos à exploração minerária dentro da Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca) por 120 dias.
Supremo se debruça sobre o Código Florestal
Ministra Cármen Lúcia já definiu a data da retomada do julgamento do Código Florestal. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF.
Ministra Cármen Lúcia já definiu a data da retomada do julgamento do Código Florestal. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF.
Após vários adiamentos, o julgamento de artigos do Novo Código Florestal ficará para fevereiro de 2018. O Supremo Tribunal Federal (STF) analisa, desde 2012, quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade e uma Ação Declaratória de Constitucionalidade sobre a lei modificada em 2012 pelo Congresso Nacional.
O STF julgará, em conjunto, quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade – três delas movidas pelo MPF e uma movida pelo PSOL –, que questionam a constitucionalidade de 58 artigos da Lei nº 12.651/2012(novo Código Florestal), que regulamenta a conservação e a recuperação de vegetação nativa dentro de propriedades rurais do país. Aprovada e sancionada em 2012, a lei tem um total de 84 artigos, dos quais 64% foram questionados no Supremo Tribunal Federal. Também está sendo julgada a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC 42) proposta pelo Partido Progressista. De acordo com o partido, se o Supremo declarar o Novo Código Florestal constitucional, acabará com a insegurança jurídica no campo.
No dia 8 de novembro, o relator do processo no STF, ministro Fux, considerou inconstitucionais os artigos 59 e 60 do Código Florestal, que rege sobre o Programa de Regularização Ambiental (PRA), por anistiar produtores rurais. O PRA tem por objetivo a adequação das Áreas de Proteção Permanente (APPs) e de reserva legal de propriedades rurais por meio de recuperação ou compensação, firmando termo de compromisso entre proprietários e governo. A adesão ao programa confere benefícios, tais como suspender sanções por infrações anteriores a 22 de julho de 2008.
Escreveu Fux: “Ao perdoar infrações administrativas e crimes ambientais pretéritos, o Código Florestal sinalizou uma despreocupação do Estado para com o direito ambiental”.
Por outro lado, o ministro considerou constitucional o artigo 15, no qual se admite o cômputo das APPs no cálculo da Reserva Legal do imóvel. “Não é difícil imaginar que a incidência cumulativa de ambos os institutos em uma mesma propriedade pode aniquilar substancialmente sua utilização produtiva”, afirma. O cômputo das APPs no percentual da Reserva Legal, diz o ministro, está na área do legítimo exercício do legislador.
Em fevereiro, votarão os outros ministros.
Desmatamento: desce o da Amazônia, sobe o do Cerrado
O INPE é responsável por monitorar o desmatamento na Amazônia desde 1988. Foto: Felipe Werneck/Ibama.
O INPE é responsável por monitorar o desmatamento na Amazônia desde 1988. Foto: Felipe Werneck/Ibama.
A derrubada da floresta amazônica caiu de 7.893 quilômetros quadrados, em 2016, para 6.624 km², em 2017. É como se um pouco mais de quatro cidades de São Paulo de vegetação tivessem sidos perdidas entre agosto de 2016 a julho de 2017. No mesmo período do ano anterior, o país perdeu cinco cidades de São Paulo.
Em compensação, 2017 foi  o primeiro ano que o governo finalmente divulgou dados sobre o desmatamento no Cerrado e os resultados são alarmantes: apenas em 2015 o Cerrado perdeu 9.483 quilômetros quadrados de vegetação, o que equivale a mais de seis cidades de São Paulo e supera em 52% a devastação na Amazônia no mesmo ano.
Ataques contra Ibama e ICMBio
Print do vídeo de Waldir Adriano no Youtube.
Print do vídeo de Waldir Adriano no Youtube.
Em julho, moradores fecharam a BR 163 na altura de Novo Progresso, no Pará. Os manifestantes protestavam contra o veto do presidente Temer que manteve o tamanho integral da Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim. A Flona tem partes ocupadas por fazendas de posseiros que querem ser regularizados e ter permissão para produzir. Em 07 de julho, durante o fechamento da rodovia, os manifestantes queimaram oito caminhonetes do Ibama, além da carreta que as transportava. O trecho em que o confronto ocorreu fica em Cachoeira da Serra, às margens da rodovia BR-163 (Cuiabá-Santarém), no município de Altamira. O crime teria sido cometido por madeireiros em retaliação ao Ibama por uma operação que reprimiu a retirada de madeira da Terra Indígena Menkragnoti.
Por conta disso, a presidente do órgão, Suely Araújo, mandou fechar todas as serrarias da região.  "Foi um atentado contra ação legítima do Estado brasileiro", disse o diretor de Proteção Ambiental, Luciano Evaristo.
No final de outubro, em Humaitá, no Amazonas, prédios do Ibama e do ICMBio foram incendiados, viaturas tombadas, e casas e carros de servidores do Ibama atacados. Foi uma reação de garimpeiros e parte dos moradores à Operação Ouro Fino, contra o garimpo ilegal no Rio Madeira.
O ICMBio, que gere as Unidades de Conservação do país, também sofreu uma perda esse ano. Em agosto, um guarda-parque foi assassinado por caçadores no Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí.
Acidente com equipe do Ibama
No dia 3 de julho, um avião com uma equipe do Ibama caiu sobre árvores logo após decolar na pista da empresa Paramazônia, no município de Cantã, leste de Roraima. Quatro pessoas morreram: o piloto e três servidores do Ibama -- os analistas ambientais Olavo Perin, de 35 anos, do Espírito Santo; Alexandre Rochinski, de 45 anos, de Santa Catarina e o técnico administrativo Sebastião Júnior, de 50 anos, de Roraima. O único sobrevivente foi Lazlo Macedo de Carvalho, de 44 anos, analista ambiental do Ibama.
A aeronave havia sido alugada pelo Exército para levar os servidores do Ibama a uma ação de combate à mineração ilegal na Terra Indígena Yanomâmi, área de fronteira, parte da Operação Curare VIII.
Lazlo teve 50% do corpo queimado, principalmente os membros superiores, sofreu danos na traqueia e nos pulmões causados por fuligem. O seu estado de saúde quando chegou ao Centro de Tratamento de Queimados (CTQ) era considerado grave, mas ele reagiu bem ao tratamento, o que impressionou até a equipe médica, e deixou o hospital 84 dias após a internação.
10 anos do Instituto Chico Mendes: ((o))eco nas trilhas de longo curso
A Grande Travessia dos Lençóis Maranhenses percorreu 50km do parque nacional. Foto: Duda Menegassi.
A Grande Travessia dos Lençóis Maranhenses percorreu 50km do parque nacional. Foto: Duda Menegassi.
Em 2017, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) completou dez anos de existência. O ICMBio é responsável pela gestão das unidades de conservação federais. Seu aniversário incluiu uma programação especial: a realização de 10 travessias em áreas protegidas.
((o))eco acompanhou de perto essa jornada que começou em junho, na vastidão do Cerrado, no recém-ampliado Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (GO). Passou pelas dunas construídas pelo vento no Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses (MA), percorreu as paisagens ancestrais do Parque Nacional da Chapada dos Guimarães (MT) e subiu as montanhas do Parque Nacional da Serra do Cipó (MG). Em agosto, no mês de aniversário, foi para Reserva Extrativista Chico Mendes (AC) conhecer os caminhos escondidos sob a copa das árvores na Floresta Amazônica. Em setembro, a travessia teve como cenário as imponentes formações rochosas do Parque Nacional da Chapada Diamantina (BA) e, no mês seguinte, chegou ao Parque Nacional do Itatiaia (RJ), o mais antigo do país. As duas mais recentes travessias foram nas paisagens paradisíacas do Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha (PE) e, em seguida, no Parque Nacional da Tijuca (RJ), o mais visitado do país, no coração da Cidade Maravilhosa. Faltou uma travessia para fechar o total de 10 programadas. Ela ocorrerá em janeiro, no Parque Nacional da Serra dos Órgãos (RJ), um dos berços do montanhismo brasileiro, em janeiro.
Novas espécies
O B coloratus foi encontrado no município de Piraquara (PR). Pequeno, resistente ao frio e não sabe nadar. Foto: Luiz Fernando Ribeiro.
B coloratus foi encontrado no município de Piraquara (PR). Pequeno, resistente ao frio e não sabe nadar. Foto: Luiz Fernando Ribeiro.
Como todo ano, em 2016 também foram descobertas novas formas de vida. Destacamos a descoberta de duas novas espécies de sapos nas montanhas da Mata Atlântica que pertencem ao gênero Brachycephalus.
No Panamá, surgiu um novo peixe-elétrico. Pequeno, com comprimento variando de 16 cm a 30 cm, o Eigenmannia meeki difere das outras espécies do gênero pela posição da boca, padrão de coloração, número de escamas, e disposição dos dentes.
Outro destaque foi a separação de 21 novas espécies de aves tropicais em espécies distintas. A diferenciação foi feita usando as diferenças de canto dessas aves, que pareciam ser da mesma espécie. Desenvolvidos pelos pesquisadores Benjamim Freemam, da University of British Columbia, e Graham Montgomery, da Cornell University, os estudos demonstram que, quando os sons eram muito diferentes, os pássaros de populações separadas, embora tidos como da mesma espécie, não se reconheciam.
Na Caatinga, um guia mapeou todas as serpentes registradas no bioma: um total de 114 espécies. Nas várzeas da Amazônia, um estudo descobriu que onça viva vale muito mais do que gado morto. E por falar em gado, ((o))eco se debruçou esse ano no impacto da pecuária na Amazônia. Foram 11 reportagens de fôlego sobre o assunto, como o “O drible do gado: a parte invisível da cadeia da pecuária”, “Cadeia invisível”, “Governo contra governo: sem guia de trânsito, gado ilegal no Pará fica impune” e “Origem desconhecida”.

Por: O Eco

Comunidades quilombolas no MA se recusam a pagar taxa de uso a fazendeiros


No Maranhão, quilombolas ainda são subjugados por fazendeiros que cobram uma taxa pelo uso da terra. Mas muitos estão quebrando esse ciclo
Foto: Fernando Martinho/ Repórter Brasil
Capatazes chegam com chicotes em punho para cobrar o foro: uma espécie de imposto pago pelos quilombolas aos fazendeiros para poder viver nas terras e plantar. Sem muita conversa, recolhem a maior e melhor parte da produção da lavoura, fruto de meses de trabalho. Mandioca, milho, arroz, maxixe, abóbora. Quando julgam que a colheita não foi suficientemente farta, exigem dinheiro e confiscam tudo o que encontram. Carregam até pratos, panelas e cavalos. Botam fogo em casa de farinha para retaliar. Ameaçam de expulsão e morte quem se atreve a resistir. Deixam famílias inteiras para trás passando fome.
Embora pareçam saídos de um livro de história do século XIX, os relatos são de fatos recentes, e acontecem ainda hoje em quilombos do Maranhão – comunidades formadas pelos descendentes de quem viveu a escravidão naquela época. Em comunidades da Baixada Maranhense, é comum fazendeiros que se dizem donos das terras, muitas vezes sem ter nenhum documento de comprovação, obrigarem os moradores a repartir o que cultivam. É um sistema que se repete há décadas e, durante longo tempo, foi seguido sem questionamentos pelos quilombolas. Mas, à medida que eles foram tomando consciência de seus direitos, passaram a resistir e os conflitos se acirraram.
“Houve um fenômeno esquisito no estado, as fazendas eram vendidas com as pessoas dentro, como se fossem coisas”, pontua Sandra Araújo dos Santos, advogada da Comissão Pastoral da Terra (CPT). “Os negros não entendiam dessas questões de documentação, então iam sendo submetidos ao que os novos donos queriam, como ao pagamento de taxas absurdas”. Para muitas famílias, como as 150 que vivem no território onde está localizado o Quilombo do Charco, em São Vicente Ferrer, abrir mão do que produzem pode significar não ter o que colocar na própria mesa.
Mas a violência produzida pelo foro vai além da fome. O quilombola Flaviano Pinto Neto pagou com a vida porque ousou desafiar esse sistema. Foi executado com sete tiros na cabeça, em outubro de 2010. De acordo com a polícia, ele tombou a mando do fazendeiro Manoel Gentil. “Flaviano não aceitou que a exploração continuasse”, diz Zilmar Mendes, presidente da Associação Quilombola do Charco. “Foi assassinado porque libertou a nossa comunidade da escravidão”. Pelo menos cinco quilombolas foram mortos no Maranhão depois dele, em decorrência de conflitos de terras. O estado é um dos líderes em disputas fundiárias no país.
A perversa prática do foro, que persiste em dezenas de quilombos no Maranhão, é uma herança do modo como foi aprovada a Lei Áurea. A escravidão acabou oficialmente em 1888, mas não houve uma política de distribuição de terras. Quem havia sido escravizado ficou vulnerável a novas formas de aprisionamento mesmo dentro das áreas onde se estabeleceu como pessoa livre. As comunidades maranhenses, assim como de outras unidades da federação, foram constituídas por trabalhadores escravizados que buscavam liberdade ou recém-libertos, que se fixaram em áreas deixadas por fazendeiros falidos pós-abolição, em terras sem destinação ou em lotes recebidos como herança. Foram formando família. Mas, sem o amparo do Estado, a exploração continuou.
Os quilombolas tiram seu sustento da terra e do rio. Eles se queixam da falta de políticas públicas que ajudem as comunidades a preservar o modo de vida coletivo. Foto: Fernando Martinho/ Repórter Brasil

A comunidade que rompeu com o foro

Foi essa a história do Quilombo Nazaré, em Serrano do Maranhão, onde os moradores conseguiram romper com o sistema do foro poucos anos atrás. “O que a gente não pode fazer é se entregar”, salienta a professora Joana Batista Santos, de 60 anos. Ana, como é conhecida, nasceu e foi criada em Soledade, comunidade a 9 quilômetros dali. Ela se mudou para Nazaré em 2000, para dar aula na única escola do povoado, e viu que a situação de exploração não era diferente de outros quilombos do estado. Mas, àquela altura, o marido dela, José Romão Reis Reges, hoje com 60 anos, já estava envolvido com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Cururupu, de onde se tornou presidente. E o fim do foro era uma das bandeiras da entidade. “Para receber, o fazendeiro tinha que mostrar o recibo de propriedade da terra”, alega Reges.
A resistência à taxa imposta por fazendeiros aumentou quando os quilombolas começaram a despertar para os seus direitos. A presença de Clemir Batista e Inaldo Serejo, da CPT, a partir de 2005, foi essencial nesse processo tanto em Nazaré quanto em outras comunidades nas redondezas. Eles “plantaram uma sementinha”, reconhece Gil Quilombola, de 37 anos, o filho mais velho de dona Ana e seu Reges, uma das lideranças da região. “Detectaram que Serrano era uma área com muitos conflitos fundiários. Começaram a falar de quilombos, quilombolas, direitos e deveres. A gente se assanhou”, brinca Gil. Nesse momento, surgiu na Baixada o Movimento Quilombola do Maranhão (Moquibom), que passou a fazer reivindicações e se estendeu por todo o estado. Seus integrantes já chegaram a acampar no Incra e a fazer greve de fome, em busca de visibilidade para sua luta e reconhecimento legal de seus territórios.
“Flaviano não aceitou que a exploração continuasse. Foi assassinado porque libertou a nossa comunidade da escravidão”, salienta Zilmar Mendes, da comunidade do Charco
Nazaré está encravado a mais de 100 quilômetros da capital, São Luís. Uma viagem de cerca de 6 horas que envolve travessia de balsa, percurso em estrada de asfalto e de areia fofa. É uma das onze comunidades quilombolas do território batizado de Mariano dos Campos, área cuja extensão equivale à metade do Plano Piloto de Brasília e é reivindicada pelos quilombolas em um processo que corre no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) desde 2011. A demanda por regularização fundiária é grande na região. Pelos cálculos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 94% da população de Serrano é quilombola. É a maior proporção do país.
Quando dona Ana chegou a Nazaré, em 2000, havia 5 ou 6 famílias. Hoje são mais de 30. A associação de moradores presidida por ela levou melhorias para o quilombo. Foto: Fernando Martinho/ Repórter Brasil
O empresário Wellington Dias, que já se candidatou a vereador e a prefeito pelo Partido Verde na cidade vizinha, Cururupu, é um dos que afirmam ter comprado propriedades lá. Disse à Repórter Brasil ter adquirido a primeira em 1982 do espólio do médico Cesário Coimbra. “É muito fácil não estudar, não trabalhar, não fazer nada e querer se apropriar de terras alheias”, critica. Contrariando a autoidentificação da comunidade, o reconhecimento da Fundação Cultural Palmares e do próprio Governo do Estado de que a área é quilombola, tanto que há políticas públicas específicas para as comunidades, Dias alega que Nazaré nunca foi um quilombo. “Isso é uma farsa”, reclama. A reação dele mostra a dificuldade da comunidade em fazer valer o artigo 68 da Constituição, que prevê a concessão definitiva de propriedade. Direito que está ameaçado pela Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3239, ajuizada pelo DEM no Supremo Tribunal Federal.
A demora do governo federal na regularização definitiva das terras, a maioria já certificada como quilombola pela Fundação Cultural Palmares, mantém os ânimos exaltados. “Antes negro deitava no chão pra fazer ponte pra branco passar por cima. Hoje não deita mais porque negro já é sabido”, frisa José Mário Silva Pinto, de 54 anos. Ele conta que chegou a encontrar perto de sua casa um fojo, vala profunda coberta por folhas usada por capitães-do-mato como armadilha para capturar pessoas escravizadas que haviam fugido ou mantê-las presas. “No inverno ficava tudo cheio de água. Tem fojo onde jogavam os negros e eles não saíam mais porque tinha ponta de ferro”, lembra.
“Antes negro deitava no chão pra fazer ponte pra branco passar por cima. Hoje não deita mais porque negro já é sabido”, diz José Mário Silva Pinto, do Quilombo Nazaré
Pinto leva a vida como a maior parte dos habitantes de Nazaré, em casa de taipa, e tira seu sustento da terra e do rio. Seu orgulho de ser quilombola emergiu quando a CPT ajudou o povoado a exorcizar discursos como o de que as religiões de matriz africana são “coisas do demônio” e de que “negro não presta”. “Não desprezo a minha comunidade”, afirma ele. “Não tenho intenção de sair daqui”. No Quilombo, divindades católicas convivem com orixás, caboclos e encantados. Tambores de mina e crioula ecoam nos festejos do povoado. “O toque do tambor palpita no peito como se fosse o próprio coração, e os quilombolas vão se encorajando pela força de seus ancestrais e da espiritualidade”, diz Sandra, da CPT.

A primeira quilombola

Contam os mais antigos que o português Ramiro Pinto chegou à Baixada Maranhense na primeira metade do século XIX. Teria seguido a rota de pássaros e aberto uma estrada na mata imaginando que encontraria um rio e que poderia fixar residência nas redondezas. Nhô Ramiro, como era chamado, conseguiu o que buscava. Colonizou uma boa porção de terras por lá e manteve o costume da época: perpetuou seu sobrenome tanto nos herdeiros de sangue quanto nas pessoas que escravizou – um sinal de que seriam todos de sua propriedade.
Parte do que se sabe hoje sobre a história da região foi relatada por uma neta de Nhô Ramiro, Galberta, filha de um homem branco e de uma mulher negra escravizada. Ela teria vivido lúcida até os 115 anos. “Minha vó Galberta ainda era criança quando a princesa Isabel gritou a liberdade”, lembra Pedrolina Pinto Castelhano, de 62 anos, se referindo à Lei Áurea. “A família se espalhou quando acabou a escravidão. Muitos negros já tinham fugido das fazendas naquele tempo, mas ela ficou. Cresceu no Quilombo Nazaré”.
Embora mantenha um modo de vida tradicional, muita coisa mudou no quilombo Nazaré, comunidade que conseguiu se livrar do sistema do foro. Foto: Fernando Martinho/ Repórter Brasil
Galberta costumava reunir os netos em bancos de madeira ou sentados no chão sobre folhas de piaçaba para contar o que sabia. Formava uma grande roda de crianças. Todas com pratinhos de comida redondos de barro produzidos por ela própria. Falava dos sacrifícios de viver numa sociedade opressora. Repetia que os senhores de escravos das fazendas de lá se saudavam todas as manhãs chacoalhando lenços brancos. “A mata não era alta como agora, era tudo limpinho”, recorda Pedrolina. “Os negros sofriam demais. Minha vó não fugiu porque era doente, nasceu corcunda. Fazia tudo que mandavam”.
Muita coisa mudou desde então, em especial quando os quilombolas foram descobrindo seus direitos. Entre a instalação de um poço artesiano e o rompimento com o sistema do foro, um local marcou o processo de transformação da comunidade: a escola, que se tornou o centro de resistência do Quilombo Nazaré. Saiba sobre esse processo no próximo capítulo.
Por: Solange Azevedo
Fonte: Repórter Brasil