Ao pedirem emprego na estrada de ferro Carajás, trabalhadores dizem terem sido espancados pela PM do Maranhão. Um deles relata que o policial jogou spray de pimenta dentro da sua cueca.
Fábio Rodrigues Sousa tem dificuldade de pagar 70 reais mensais pelo quarto onde mora na zona rural de Buriticupu, interior do Maranhão. O jovem de 21 anos também não consegue ajudar a filha de três anos, que mora com a ex-mulher. Para sair dessa situação, sua maior esperança era trabalhar na obra de duplicação da ferrovia que passa ao lado da sua casa. Ali, na estrada de ferro Carajás, a Vale está investindo no aumento da capacidade dos trilhos que levam o minério da maior mina a céu aberto do mundo, no interior do Pará, aos portos no Maranhão. Embora seja vizinhos da obra, Fábio foi cortado da rota de investimentos da multinacional.
No ano passado, Fábio chegou a trabalhar quatro meses na construtora Camargo Correa, a terceirizada responsável pela duplicação. Mas perdeu a vaga de mil e duzentos reais mensais “sem saber por que”. Em busca de um novo emprego, ele trancava a estrada que dá acesso à obra no dia 12 de junho deste ano junto a cerca de trinta pessoas de sua comunidade. O grupo manifestava uma reivindicação comum à região: a demanda por trabalho na obra que tem impacto direto sobre suas vidas. Em resposta, ao invés de emprego, foram reprimidos pela Polícia Militar e processados pela Vale.
A tentativa de recuperar o trabalho acabou quando a Vale pediu a desobstrução da via, e a Polícia Militar acabou com o protesto pacífico. “Eu não esperava isso da Vale: trazer a polícia para espancar a comunidade. A gente pedia só emprego,” lembra Fábio.
Ao levar os primeiros socos de policias em suas costelas, Fábio lembra que tentou ir embora. Mas um deles puxou as suas calças e depois colocou gelo e spray de pimenta dentro da sua cueca. “Eu tentava abaixar, ia colocar a mão para tirar o gelo, mas aí o tapa comia nas costas e na cabeça,” lembra Fábio.
O aviso veio um dia antes, quando a polícia anunciou que aconteceria a desobstrução da via pública a pedido da empresa. “No outro dia, eles chegaram: sete viaturas e dois carros,” lembra Fábio. “Não contaram história não. Chegaram quebrando, cortando rede, garrafa, esvaziando tudo.”
A Repórter Brasil tentou contato com a Secretaria de Segurança Publica do Maranhão, mas não obteve resposta até o fechamento da reportagem.
José Soares Santos Junior, 23, conta que começou a tomar socos quando perguntou aos policiais porque eles agrediam Fábio. “Eu não entendo muito de lei, mas eu achei que não era certo eles chegarem e baterem no rapaz que não tem nada a ver,” lembra.
Os policiais estavam com o rosto coberto e sem identificação, segundo Fábio e José. Era pouco depois do almoço, o sol ainda estava a pino e os oficiais reclamavam que tinham saído da folga de suas casas para estarem ali.
José conta que não foram só os socos e pontapés que o atingiram. “Também me espancaram nas palavras. Disseram ‘filho da puta, filho duma égua’. Atingiram a gente com a palavra pesada,” diz José.
Os dois jovens contam que tudo isso aconteceu quando eles estavam a sós com os policias no local – os outros manifestantes já haviam sido expulsos pelos policiais.
Depois da agressão, os policiais os mandaram voltar a pé à sua comunidade, distante seis quilômetros dali ,no sol do interior maranhense. Fábio lembra estar desesperado para pular no riacho durante todo o trajeto. “Eu vinha correndo com gelo e spray de pimenta na cueca enquanto não achava um brejo para eu cair dentro,” lembra Fábio, que conseguiu entrar no rio ao lado da ferrovia.
Já José teve que carregar toda a carne e farinha que servia de estoque para eles se manterem no acampamento ao lado da estrada nos dias de protesto. Acompanhado pela policia, conta que não teve como pedir ajuda enquanto carregava um saco de farinha de vinte quilos e a carne “de um boi” nas costas.“
Com medo e sem emprego
Fábio e José agora têm vergonha de andar na vila Pindaré, o povoado de cerca de quatro mil habitantes onde nasceram. Dois meses depois do incidente, Fábio continua desempregado. Já José trabalha numa fazenda a duas horas de distância dali. “Lá onde eu fico é mais arriscado, tem onça, um bocado de coisa, mas eu me sinto mais seguro,” conta Fábio.
Eles contam que fazer um boletim de ocorrência estava fora de cogitação. Agora, eles temem a volta dos policiais, já que reagir não é uma opção onde eles moram, há quase quarenta quilômetros do centro urbano mais próximo, em Buriticupu.
Repórter Brasil
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