Do
alto dos Andes ao Atlântico, do planalto central ao planalto das
Guianas, a floresta amazônica cobre cerca de 7,8 milhões de quilômetros
quadrados, envolvendo oito países e a Guiana Francesa. Vivem na região
33 milhões de pessoas, incluindo 385 povos indígenas e uma imensa
diversidade de culturas e populações. O bioma é complexo, com matas de
terra firme, savanas, alagados, várzeas e campinaras, uma diversidade
ambiental estratégica para o clima tropical da América do Sul, pois
produz chuvas e umidade, imprescindíveis para o clima do planeta. Em
comum, cada hectare desta diversa área tem um problema: a região está
sob pressão de diversas atividades econômicas. Para ajudar a monitorar
todos esses desafios, a Rede Amazônica de Informação Socioambiental
Georreferenciada (RAISG) lança nesta terça-feira 4, em Santa Cruz de la
Sierra, na Bolívia, e quarta-feira 5, no Fórum Amazônia Sustentável, em
Belém, o atlas Amazônia Sob Pressão, uma publicação inédita a respeito
das pressões econômicas na Amazônia.
As
atividades econômicas que necessitam de monitoramento são inúmeras.
Usinas hidrelétricas, mineração, garimpo, extração ilegal de madeira,
desmatamento, gado, soja, novas estradas conectando lugares, novos
migrantes, novos conflitos sociais e ecológicos. As fronteiras políticas
nem sempre são suficiente para isolar os problemas. As pessoas circulam
entre Estados e diferentes países, os impactos ambientais atravessam
fronteiras, mas as informações circulam muito menos. E os diversos
governos da região não conseguem agir de forma coordenada. É para tentar
reduzir esses problemas que o atlas foi criado.
A
Raisg é composta por organizações de todos os países que integram a
Panamazônia, coordenado pelo Instituto Socioambinetal (ISA), no Brasil,
também parte do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia).
O objetivo da publicação é “contribuir para superar visões fragmentadas
e promover iniciativas e processos integrados, regionais, nacionais e
internacionais, que contribuam para a consolidação das Áreas Protegidas e
dos Territórios Indígenas – os quais somam cerca de 45% da região –
como parte importante da solução para a conservação e o uso sustentável
dos ecossistemas.”
“A
RAISG é uma plataforma acumulativa de informações sobre a situação
contemporânea da Amazônia, aberta à cooperação com outras redes”,
explica o antropólogo Beto Ricardo, um dos fundadores do Instituto
Socioambiental e coordenador do projeto. A íntegra do atlas pode ser
acessada em raisg.socioambiental.org. Contém informações pouco
divulgadas no Brasil, como o desmatamento em cada país amazônico. No
Brasil, entre 2000 e 2010, foram desmatados 240 mil quilômetros
quadrados, área equivalente à do Estado de São Paulo.
Os
impactos transfronteiriços têm sido deixado de lado nas discussões
multilaterais entre os países, mas sua gravidade fica evidente ao ser
exposta no atlas. Acordos econômicos bilaterais são a tônica das
relações entre os países, mas muitas vezes não levam em conta a
complexidade do sistema. Caso grave, com risco de um crime contra a
humanidade, é o das populações indígenas que vivem em isolamento
voluntário na fronteira do Peru e Brasil, resistindo na defesa do seu
território. Estão cercadas por campos de extração de petróleo, madeira e
garimpos.
As
terras indígenas nessa área no Brasil vão até a fronteira e, do lado
peruano, existem também unidades de conservação. Porém, cada
administração é feita sem que haja compartilhamento de informações e
ações. Os povos em isolamento são vulneráveis, e ameaçados de genocídio e
consequente extermínio. São vistos, muitas vezes, como um entrave no
meio de um plano de uma estrada, como a que liga Pucalpa, no Peru, a
Cruzeiro do Sul, no Acre. “Há ausência de uma instância robusta de
governança Panamazônica, como prioridade da cooperação entre os países
amazônicos”, aponta Beto Ricardo na entrevista abaixo.
CartaCapital: De onde surgiu a ideia da Raisg? Como ela funciona?
Beto
Ricardo: Foi uma iniciativa do Instituto Socioambiental (ISA). No ISA,
desde a nossa fundação, em 1994, usamos a cartografia com uma visão
socioambiental e orientada para apoiar os processos de luta por direitos
coletivos e difusos. Temos uma base de dados georreferenciados dedicada
ao monitoramento de terras indígenas e unidades de conservação, para
todo o país e com mais detalhes para a Amazônia brasileira. Chegou a
hora de estimular essa prática para a Panamazônia. Afinal, a Amazônia é
uma paisagem complexa, de florestas, água e diversidade socioambiental,
compartilhada por oito países, mais a Guiana Francesa, e onde vivem 33
milhões de pessoas e 385 povos indígenas. Esse atlas é apenas um dos
produtos resultante do esforço de colaboração de instituições da
sociedade civil dos países amazônicos.
CC: O que há em comum em todas as diferentes regiões da Amazonia?
BR:
A diversidade e complexidade socioambiental do sistema amazônico, que
está sob riscos e ameaças de novas formas de ocupação econômica nos
últimos 50 anos.
CC: E quais são os problemas em comum?
BR:
A visão que há nos países que compartilham a Amazônia de que se trata
de uma região com recursos naturais infinitos a serem explorados
comercialmente no mercado de matérias primas. São subestimados os
serviços socioambientais da Amazônia como manancial de saberes
tradicionais, de agrobiodiversidade e água doce, além de fábrica de
calor úmido que regula o clima da América do Sul e do planeta.
CC: Como pode ser descrito o momento pelo qual a Amazônia, de forma geral, está passando hoje?
BR:
A Amazônia está em pleno ciclo de degradação e supressão da paisagem
florestal, e de deterioração dos cursos de água e homogenização
cultural.
CC: E quais seriam os problemas específicos mais urgentes apresentados no atlas?
BR:
Os impactos das obras de infraestrutura, especialmente as
hidrelétricas, o avanço da agropecuária sobre a floresta, a mineração e a
extração de madeira ilegais. Há ausência de uma instância robusta de
governança Panamazônica, como prioridade da cooperação entre os países
amazônicos.
CC: Como são as populações amazônicas, quem é a gente que vive nesse espaço tão amplo?
BR:
Os povos indígenas estão na Amazônia há pelo menos 10 mil anos. Aos
atuais povos da Amazônia os estados nacionais reconheceram terras que
somam cerca de 25% da extensão da região, o que os credencia como atores
muito importantes para desenhar o futuro da região. A estes se somam
uma série de populações tradicionais que chegaram à região nos últimos
120 anos e construíram modos de vida adaptados à floresta. A novidade
nos últimos 50 anos foi a chegada dos novos colonizadores vinculados a
modos de vida não florestais e ribeirinhos, que vieram no rastro das
estradas e acabaram se fixando majoritariamente nas cidades.
CC: Quais as possibilidades de os países agirem de forma unida, de existir uma cooperação na Panamazônia?
BR:
Hoje, diante das dinâmicas hegemônicas da supressão da paisagem
amazônica, os países amazônicos privilegiam as agendas bilaterais e não
uma agenda de cooperação multilateral amazônica, tarefa da Organização
do Tratado de Cooperação Amazônica (OCTA – aprovado em 1998 em Caracas).
Enquanto perdurar esse desinteresse por parte dos estados nacionais,
vai ser difícil alterar o atual panorama. Mas, claro, as comunidades
transfronteiriças e as organizações da sociedade civil podem, e devem,
estreitar seus laços de cooperação e tomar iniciativas práticas
integradas à escala panamazônica. Trata-se de fortalecer esses espaços
democráticos inspirados por uma visão sistêmica da Amazônia, para qual
esse atlas é uma contribuição.
CC: Em termos de políticas públicas, o que as organizações da RAISG esperam poder contribuir com o Atlas?
BR:
Fortalecer uma visão geral e sistêmica da Amazônia para os diferentes
atores – governamentais e da sociedade civil – interessados em construir
uma agenda compartilhada de responsabilidade socioambiental.
Por Felipe Milanez
www.cartacapital.com.br
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